XIII
Parte
CONCÍLIO DE TRENTO
(1543-1563)
XIX CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA OS INOVADORES DO SÉCULO XVI)
Sessão XIV (25-11-1551)
Doutrina sobre a Penitência
Cap. 7. — A
reservação de casos
903. Visto
que a natureza e a forma do juízo pedem que a sentença se profira somente sobre
os súditos, a Igreja de Deus sempre esteve persuadida, e este Concílio o
confirma como verdade indubitável, não ter valor algum aquela absolvição que o
sacerdote profere sobre quem não tem jurisdição ordinária ou subdelegada. Aos
nossos Santíssimos Padres pareceu, pois, ser de suma importância à disciplina
do povo cristão que certos crimes mais atrozes e mais graves não pudessem ser
absolvidos por quaisquer pessoas, senão só pelos sumos sacerdotes. Pelo que,
com muita razão, puderam os Sumos Pontífices, pelo supremo poder que lhes foi
confiado em toda a Igreja, reservar ao seu juízo pessoal algumas causas de
crimes mais graves. Entretanto, não há dúvida, uma vez que todas as coisas que
são de Deus são ordenadas, que isto compete também aos bispos, a cada um na sua
diocese, para edificação, e não para a destruição (2 Cor 13, 10), em
vista da autoridade que lhes foi dada sobre os demais sacerdotes, seus súditos,
principalmente em relação àqueles a quem está anexa a censura de excomunhão.
Assim, pois, é por autoridade divina que esta reservação dos pecados tem seu
vigor não só na vigilância externa, mas também na presença de Deus [cân. 11].
Mas, para que ninguém pereça por este motivo, com muito zelo sempre se observou
na mesma Igreja de Deus que, em artigo de morte, não haja tal reservação, e por
isso todos os sacerdotes podem absolver a quaisquer penitentes e de quaisquer
pecados e censuras; sendo que fora deste caso nada podem os sacerdotes nos
casos reservados, procurem ao menos persuadir aos penitentes que busquem os
juizes superiores e legítimos para o benefício da absolvição.
Cap. 8. — A
necessidade e o fruto da satisfação
904.
Enfim, no que diz respeito à satisfação, a qual, como todas as demais partes da Penitência, de um lado sempre foi em todo o tempo recomendada ao povo cristão
pelos nossos Santíssimos Padres, por outro lado nesta nossa idade, sob o
pretexto de piedade, é impugnada por aqueles que têm aparências de piedade,
porém negaram a sua virtude (2 Tim 3, 5), declara o santo Concilio ser
totalmente falso e alheio à palavra de Deus afirmar que o Senhor nunca perdoa a
culpa, sem que também se perdoe toda a pena [cân. 12 e 15]. Claros são os
exemplos que se acham nas Sagradas Letras, com o que, além da Tradição divina,
manifestamente se evidencia e se refuta este erro (cfr. Gen 3, 16 ss; Num 12,
14 s; 20, 11 s; 2 Rs 12, 13 s, etc.). E na verdade, a razão da justiça divina
parece requerer que de um modo diverso recebam do Senhor a graça os que por
ignorância pecaram antes do Batismo, e de outro os que, uma vez libertados da
escravidão do pecado e do demônio, e tendo recebido o dom do Espírito Santo,
cientes do que fazem, não recearam violar o templo de Deus (1 Cor 3, 17)
e contristar o Espirito Santo (Ef 4, 30). E também convém à divina
clemência que os pecados não nos sejam perdoados sem alguma satisfação, a fim
de que, apresentando-se a ocasião (Rom 7, 8), julgando esses pecados
leves, não caiamos em maiores culpas, [mostrando-nos] injuriosos e contumeliosos
ao Espirito Santo (Heb 10, 29), entesourando assim ira para o dia da ira
(Rom 2, 5; Tg 5, 3). Estas penas satisfatórias servem certamente para apartar
sumamente do pecado e constituem como que um freio a reprimir os penitentes,
fazendo-os mais acautelados e vigilantes para o futuro; curando também os
remanescentes do pecado com atos de virtude contrários aos hábitos viciosos que
adquiriram vivendo mal. Nem jamais na Igreja de Deus se entendeu haver caminho
algum mais seguro para apartar o iminente castigo do Senhor, do que praticarem
os homens estas obras de penitência com verdadeira dor de alma (Mt 3, 28; 4,
17; 11, 21, etc.). A isto acresce que, quando satisfazemos padecendo pelos
pecados, fazemo-nos conformes a Cristo Jesus, que satisfez pelos nossos pecados
(Rom 5, 10; l Jo 2, 1 s), do qual procede toda a nossa suficiência
(2 Cor 3, 5), recebendo daqui um certíssimo penhor de que, se padecemos com
ele, com ele seremos glorificadas (cfr. Rom 8, 17). Nem se deve dizer que
esta nossa satisfação, com que pagamos pelos nossos pecados, é tal, que não
seja por Cristo Jesus; pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, tudo
podemos com a cooperação daquele que nos conforta (cfr. Filip 4,
13). E assim não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa glória
(cfr. l Cor l, 31; 2 Cor 10, 17; Gal 6, 14) está em Cristo, em que vivemos e
em quem nos movemos (cfr. At 17, 28), em quem satisfazemos, produzindo
dignos frutos de penitência (Lc 3, 8), que dele tiram a sua virtude, por
ele são oferecidos ao Pai e por ele aceitos pelo Pai [cân. 13 s].
905.
Devem, pois, os sacerdotes do Senhor, quanto lhes inspirar o espírito e a
prudência, conforme a qualidade dos delitos e faculdades dos penitentes,
impor-lhes satisfações salutares e convenientes, para que não se façam
participantes dos pecados alheios, se por acaso dissimularem os pecados e
usarem mais indulgência com os penitentes, impondo-lhes penitências demasiado
leves por delitos muito graves (cfr. l Tim 5, 22). Atendam sempre a que a
satisfação imposta não sirva somente para resguardar a nova vida e curar da
enfermidade, mas também para vingança e castigo dos pecados passados. Porque os
antigos Padres crêem e ensinam que as chaves foram concedidas aos sacerdotes
não somente para desatar, mas também para ligar (cfr. Mt 16, 19; 18, 18; Jo 20,
23) [cân. 15]. E nem por isso julgaram eles que o sacramento da Penitência é o
tribunal da ira ou do castigo; da mesma forma como nenhum católico jamais
entendeu que com estas nossas satisfações se obscurece ou diminui em parte a
eficácia do merecimento ou a satisfação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a
despeito dos Inovadores que dizem que a melhor penitência é a nova vida, e
assim tiram toda a virtude e uso da satisfação [cân. 13].
Cap. 9. — As obras
de satisfação
906.
Ensina ainda [o santo Concílio] ser tão grande a liberalidade da divina
bondade, que não só podemos satisfazer para com Deus Pai por Jesus Cristo, com
as penas que de livre vontade aceitamos em vingança do pecado ou impostas por
arbítrio do sacerdote conforme o delito, mas também — o que é a maior prova de
amor — com castigos temporais infligidos por Deus, se os aceitarmos com
paciência [cân. 13].
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