V Parte
CONCÍLIO DE TRENTO
(1543-1563)
XIX CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA OS INOVADORES DO SÉCULO XVI)
Sessão VI (13-1-1547)
Decreto sobre a justificação
Do capitulo 13 ao capitulo 16
Cap.
13 – O dom da perseverança
806. O mesmo se deve entender a respeito do dom da perseverança [cân. 16], do qual está escrito: O que perseverar até o fim, este será salvo (Mt 10, 22. 24. 13). Este dom não pode ser obtido senão daquele que é poderoso para sustentar o que está de pé (Rom 14,4) a fim de que continue de pé até o fim, e para erguer novamente aquele que cai. Ninguém se prometa coisa alguma com certeza absoluta, posto que todos devem por e colocar a sua firmíssima esperança no auxílio de Deus. Porque Deus – a não ser que eles mesmos faltem à sua graça – assim como iniciou a obra boa, também a levará a bom termo, operando o querer e o executar (Filip 2, 13) [cân. 22]7. Porém, os que julgam estar de pé, vejam que não caiam (1 Cor 10, 12) e trabalhem em sua salvação com temor e tremor (Filip 2, 12) nos trabalhos, vigílias, esmolas, orações, oblações, jejuns e na castidade (cfr. 2 Cor 6, 3 ss). Sabendo que renasceram na esperança (1 Ped 1, 3) da glória, e não na glória, devem temer a peleja que lhes resta com a carne, com o mundo e com o demônio, peleja da qual não podem sair vencedores, se não obedecerem, com a graça de Deus, à palavra do Apóstolo: Não somos devedores à carne, para que vivamos segundo a carne. Pois, se viverdes segundo a carne, morrereis. Se, porém, com o espírito mortificardes as obras da carne, vivereis (Rom 8, 12 s).
(7)
Cfr. A oração da Igreja "Actiones nostras, quaesumus Domine, aspirando praeveni
et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te
semper incipiat et per te coepta finiatur".
Cap.
14 – A queda no pecado e a sua reparação
807.
Aqueles que pelo pecado perderam a graça da justificação, que haviam recebido,
poderão novamente ser justificados [cân. 29] se, excitados por Deus, procurarem
recuperar a graça perdida por meio do sacramento da Penitência, em virtude do
merecimento de Cristo. Este modo de justificação é a reparação do que caiu,
sendo com muito acerto denominada pelos Santos Padres de "segunda tábua
depois do naufrágio da graça perdida"8. Pois, para os que depois do Batismo
caem em pecados, instituiu Jesus Cristo o sacramento da Penitência com as
palavras Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados,
ser-lhes-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (Jo
20, 22-23). Por onde se deve ensinar que a Penitência do cristão depois da
queda muito se distingue do Batismo, e que nela está contida não só a renúncia
e a detestação dos pecados, ou o coração contrito e humilhado (Sl 50,
19), mas também a confissão sacramental dos mesmos, ao menos em desejo [in
voto], que se há de cumprir a seu tempo, a absolvição sacerdotal e anda a
satisfação por jejuns, orações, esmolas e outros piedosos exercícios da vida
espiritual, não em lugar do castigo eterno, que é com a culpa perdoado pela
recepção do sacramento ou pelo desejo de recebê-lo, mas em lugar do castigo
temporal [cân. 30], que, como ensinam as Sagradas Letras, nem sempre é perdoado
todo – como sucede no Batismo – àqueles que, ingratos à graça de Deus, contristaram
o Espírito Santo (Ef 4, 30) e não recearam violar o templo de Deus (1
Cor 3, 17). Desta Penitência está escrito: Lembra-te donde caíste, faze
penitência e volta às tuas primeiras obras (Apoc 2, 5); e noutro lugar: A
tristeza que é segundo Deus produz uma penitência estável para a salvação (2
Cor 7, 10); e outra parte: Fazei penitência (Mt 3, 2; 4, 17), e ainda: Fazei
dignos frutos de penitência (Mt 3, 8).
(8)
Cfr. Tertuliano, De poenit. 4. 7. 9. 12 (PL 1, 1238 ss); S. Jerônimo,
Ad Demetrium ep. 130, 9 (PL 22, 1115); In Isaiam 2, 3, 56 (PL 24, 65 D); S.
Paciano, Ep. 1, 5 (PL 13, 1056 A); De lapsu virg. Consecr. 8, 38 (PL 16,
379 A).
Cap.
15 – A graça, e não a fé, se perde com qualquer pecado mortal
808.
Também contra fraudulentos espíritos de certos homens, que com doces
palavras e benção seduzem os corações dos inocentes (Rom 16, 18), se deve
assegurar que a graça da justificação, uma vez recebida, não se perde só pela
infidelidade [cân. 27], por meio da qual se perde a própria fé, mas também por
qualquer outro pecado mortal, mesmo quando não se perca a fé [cân. 28]. Por ali
se deve defender a doutrina da lei divina que exclui do reino de Deus não só os
infiéis, mas também os fiéis fornicadores, adúlteros, efeminados, sodomitas,
ladrões, avarentos, beberrões, maldizentes, gatunos (1 Cor 6, 9 s) e todos
os que cometem pecados mortais, dos quais se podem abster com o auxílio da
graça divina, e pelos quais se separam da graça de Cristo [cân. 27].
Cap.
16 — O fruto da justificação, isto é, o merecimento das boas obras e a razão do
merecimento
809. Deste
modo, portanto, devem ser propostas aos homens justificados, quer tenham
conservado a graça recebida, quer a tenham recuperado depois de perdida, as
palavras do Apóstolo: Sede ricos em todas as boas obras, sabendo que o vosso
trabalho não é inútil no Senhor (l Cor 15, 58), pois não é Deus injusto
para se esquecer da vossa obra e do amor que mostrastes ao seu nome (Hb 6,
10). E estas outras: Não queirais perder a vossa confiança, que tem uma
grande remuneração (Hb 10, 35). E por isso aos que trabalham fielmente até
ao fim (Mt 10, 22) e esperam em Deus, se há de propor a vida eterna como
graça misericordiosamente prometida por Cristo aos filhos de Deus, e "como
recompensa"9 que, segundo a promessa do próprio
Deus, será fielmente concedida pelas suas obras e merecimentos [cân. 26 e 32].
Esta é, pois, aquela coroa de Justiça que — como dizia o Apóstolo — lhe
estava reservada para depois de seu combate e carreira e que lhe seria dada
pelo justo juiz, não só para si, mas também a todos que, amorosos, anseiam pelo
seu advento (2 Tim 4, 7 s). Porquanto Jesus Cristo mesmo dá a sua força aos
justificados como a cabeça aos membros (Ef 4, 15) e a vide aos ramos
(Jo 15, 5). Esta força sempre antecede às suas boas obras, acompanha-as e
as segue, e sem ela de modo nenhum poderiam ser agradáveis a Deus e meritórias
[cân. 2]. Deve-se, por isso, crer que nada mais falta a estes justificados a
fim de, com as ditas obras que foram feitas em Deus, poderem plenamente,
segundo o estado de vida, satisfazer à lei divina e a seu tempo (morrendo em
estado de graça) conseguir a vida eterna. Porquanto Cristo Nosso Salvador diz: Se
alguém beber da água que eu lhe der, não terá sede eternamente, mas brotará
dele uma fonte de água que corre para a vida eterna (Jo 4, 13 s). Assim,
portanto, a nossa própria justiça não se estabelece como própria,
como se de nós decorresse, e também não se ignora ou se repudia a
justiça de Deus (Rom 10, 3). Esta Justiça é denominada a nossa, porque
somos justificados por ela, que inere intimamente em nós [cân. 10 e 11]. E esta
mesma é a de Deus, em vista dos merecimentos de Cristo infundida em nós.
810. Não
se deve, todavia, omitir o seguinte: Embora na Sagrada Escritura se atribua tão
grande valor às boas obras, que Cristo prometeu: Quem oferecer um copo de
água fresca a um destes pequeninos, em verdade não ficará sem a sua recompensa
(Mt 10, 14); e o Apóstolo testifique: O que presentemente é para nós uma
tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso de glória (2 Cor 4,
17); contudo, longe esteja o cristão de confiar ou se gloriar em si
mesmo e não no Senhor (l Cor l, 31; 2 Cor 10, 17), cuja bondade é
tanta para com todos os homens, que ele quer que estes seus próprios dons se
tornem merecimentos deles [cân. 32]. E porque todos nós pecamos em muitas
coisas (Tgo 3, 2) [cân. 23], cada qual deve ter diante dos olhos tanto a
misericórdia e bondade de Deus, como a sua severidade e juízo, e não se julgar
a si mesmo, embora nada lhe pese na consciência, porque a vida do homem
há de ser toda examinada e julgada, não pelo tribunal humano, mas pelo de Deus,
que há de alumiar as trevas mais recônditas e manifestar os desígnios dos
corações, e então cada um receberá de Deus o louvor (l Cor 4, 4), que —
como está escrito — dará a cada um conforme as suas obras (Rom 2, 6).
Depois desta doutrina católica da
justificação [cân. 33], que cada qual deverá aceitar fiel e firmemente, se
quiser ser Justificado, o santo Concilio resolveu ajuntar os seguintes cânones,
para que todos saibam, não só o que devem aceitar e seguir, mas também o que
evitar e fugir.
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