XI Parte
CONCÍLIO DE TRENTO
(1543-1563)
XIX CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA OS INOVADORES DO SÉCULO
XVI)
Sessão
XIV (25-11-1551)
Doutrina
sobre a Penitência
Introdução
893 a.
Posto que no decreto da justificação se fale não pouco do sacramento da
Penitência, sendo assim necessário devido à conexão das matérias, contudo é
tamanha em nossos dias a multidão dos diversos erros a respeito deste
sacramento, que o sacrossanto e geral Concilio Ecumênico de Trento... achou que
seria de não pouca importância para a utilidade pública dar uma definição mais
exata e mais completa em que, demonstrados e extirpados os erros com o favor do
Espírito Santo, a verdade católica aparecesse clara e indubitável. Esta mesma
doutrina propõe-na agora o santo Concílio a todos os cristãos a fim de ser
observada para sempre.
Cap. l. — A
necessidade e a instituição do sacramento da Penitência
894. Se em
todos os regenerados houvesse tal gratidão para com Deus, que
conservassem constantemente a justiça recebida no Batismo por benefício e graça
sua, não seria necessário outro sacramento diverso deste, instituído para
remissão dos pecados [cân. 2]. Mas, como Deus, rico em misericórdia (Ef
2, 4), conheceu a fragilidade de nossa origem (Sl 102, 4), quis
também conceder um remédio vivificante aos que se entregassem de novo à
escravidão do pecado e ao poder do demônio, a saber: o sacramento da Penitência
[cân. l], pelo qual se aplica o beneficio da morte de Cristo aos que caem
depois do Batismo. A todos os homens que se manchassem com algum pecado mortal
foi em verdade a Penitência necessária em todos os tempos para alcançar a graça
e a justiça, mesmo àqueles que pediam ser lavados com o sacramento do Batismo,
para que, tendo expulsado e reparado a perversidade com o ódio ao pecado e a
pia dor da alma, detestassem tão grande ofensa a Deus. Pelo que diz o Profeta: Convertei-vos
e fazei penitência de todas as vossas iniquidades, e não vos será ruína a
iniquidade (Ez 18, 30). O Senhor também disse: Se não fizerdes
penitência, todos parecereis do mesmo modo (Lc 13, 3). E S. Pedro, o
Príncipe dos Apóstolos, recomendando a penitência aos que haviam de receber o
Batismo, diz: Fazei penitência e batize-se cada um de vós (At 2, 38). Na
verdade, nem antes da vinda de Cristo a Penitência era sacramento, nem depois
dela o é para alguém antes do Batismo. O Senhor, porém, instituiu o sacramento
da Penitência, antes de tudo naquela ocasião em que, ressuscitado dos mortos,
soprou sobre os Apóstolos dizendo: Recebei o Espirito Santo; àqueles a quem
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes,
ser-lhes-ão retidos (Jo 20, 22 s). Por esta ação tão insigne e palavras tão
claras, o consenso de todos os Padres entendeu sempre ter sido comunicado aos
Apóstolos e seus legítimos sucessores o poder de perdoar e reter os pecados
para reconciliar os fiéis que caíram em culpa depois do Batismo [cân. 3]. E a
Igreja Católica com muita razão condenou outrora e rejeitou como hereges os
Novacianos, que pertinazmente negavam o poder de perdoar os pecados. Por isso
este santo Concilio, aprovando e aceitando este mui verdadeiro sentido daquelas
palavras do Senhor, condena as fantásticas interpretações daqueles que, para
combater a instituição deste santo Sacramento, torcem e aplicam falsamente
aquelas palavras para o poder de pregar a palavra de Deus e anunciar o
Evangelho de Jesus Cristo.
Cap. 2. — A
diferença entre o sacramento da Penitência e o do Batismo
895. De
resto, é evidente que este sacramento difere muito do Batismo [cân. 2], visto
se diferenciarem muitíssimo na matéria e na forma, que perfazem a essência do
sacramento. Consta também que o ministro do Batismo não deve ser juiz, porque a
Igreja não exerce jurisdição sobre pessoa que não tenha primeiro entrado pela
porta do Batismo. Que me importa a mim — diz o Apóstolo — julgar
daqueles que estão de fora (l Cor 12, 13)? o mesmo não se dá com os
domésticos da fé, que Cristo Senhor, com o lavacro do Batismo, fez uma vez
membros do seu corpo. Se, porém, estes se contaminarem depois com algum delito,
devem, segundo a sua vontade, purificar-se, não por um novo Batismo, o que de
nenhum modo é lícito na Igreja Católica, mas devem comparecer como réus diante
deste tribunal da Penitência, a fim de poderem, pela sentença do sacerdote,
libertar-se, não apenas uma vez, mas todas as vezes que, arrependidos de seus
pecados, recorrerem a ele. Além disso, um é o fruto do Batismo, outro o da
Penitência. Pois pelo Batismo, vestindo-nos de Cristo (Gal 3, 27), somos
feitos nele novas criaturas, alcançando inteira e total remissão de todos os
pecados. A esta renovação e perfeição por meio do sacramento da Penitência de
nenhum modo podemos chegar sem grandes prantos e trabalhos de nossa parte, como
exige a justiça divina; pelo que com razão a Penitência foi pelos Santos Padres
denominada de "batismo laborioso"11. Este sacramento da Penitência é
necessário para a salvação aos que caíram depois do Batismo, assim como aos não
regenerados é necessário o Batismo [cân. 6].
(11)
S. Greg. Naz., Or. 39, 17; cfr. 40, 8 (PG 36, 356 A; 368
C); S. J. Damasc., De fide orthod. 4, 9, (PG 94, 1124 C); S. Filástrio,
De haer. 89 (PG 12, 1202).
Cap. 3. — As
partes e os efeitos deste sacramento
896.
Ensina, ademais, o santo Concílio que a forma do sacramento da Penitência em
que principalmente consiste a sua força, está nas palavras do ministro: Eu
te absolvo etc. A estas palavras se ajuntam, segundo louvável costume da
Santa Igreja, certas preces que de modo algum pertencem à essência da forma,
nem são necessárias para a administração do mesmo sacramento. São, porém, como
que a matéria (quasi materia) deste sacramento os atos do mesmo penitente,
a saber: a contrição, a confissão e a satisfação [cân. 4]. Estes mesmos atos
são requeridos por instituição divina no penitente para a integridade do
sacramento e para a remissão plena e perfeita dos pecados, e por este motivo se
chamam partes da Penitência. Na verdade, o fruto e o efeito deste sacramento,
no que pertence à sua força e eficácia, é a reconciliação com Deus, que algumas
vezes costuma ser acompanhada nas pessoas piedosas, que recebem este sacramento
com devoção, de paz e serenidade da consciência, com veemente consolação do
espirito. O santo Concílio, ao ensinar esta doutrina sobre as partes e os
efeitos deste sacramento, ao mesmo tempo condena as sentenças daqueles que
sustentam que a fé e os terrores da consciência são partes da Penitência [cân.
4].
Cap. 4. — A
contrição
897. A
contrição, que tem o primeiro lugar entre os mencionados atos do penitente, é
uma dor da alma e detestação do pecado cometido, com propósito de não tornar a
pecar. Este movimento de contrição foi necessário em todo tempo para se
alcançar o perdão dos pecados. No homem que cai depois do Batismo, ela é como
que uma preparação para a remissão dos pecados, se estiver unida à confiança na
divina misericórdia e ao propósito de executar tudo o mais que se requer para
receber devidamente este sacramento. Declara, pois, o santo Concilio que esta
contrição encerra não só o deixar de pecar e o propósito, bem como o começo de
uma nova vida, mas também o ódio da vida passada, conforme as palavras: Lançai
de vós todas as vossas maldades, em que prevaricastes, e fazei em vós um
coração novo e um espirito novo (Ez 18, 31). E por certo, quem tiver
considerado aqueles clamores dos santos: Contra vós só pequei e fiz o mal na
vossa, presença (Sl 50, 6); estou esgotado à força de
tanto gemer, rego o meu leito com lágrimas todas as noites (Sl 6, 7); passarei
em revista todos os meus anos na vossa presença entre amarguras de minha alma
(Is 38, 15) e outros deste gênero, facilmente entenderá que eles procediam de
um ódio veemente da vida passada e de grande detestação dos pecados.
898. [O
santo Concílio] ainda ensina que, embora algumas vezes suceda ser esta
contrição perfeita por força da caridade, e reconciliar o homem com Deus, antes
que seja realmente recebido este santo sacramento, contudo não se deve atribuir
esta reconciliação à contrição somente, independente do desejo de receber o
sacramento, que aliás está contido nela. Quanto àquela contrição imperfeita
[cân. 5], chamada atrição, porque nasce ordinariamente da consideração da
torpeza do pecado ou do temor do inferno e dos castigos, se com a esperança do
perdão excluir a vontade de pecar, [o santo Concílio] declara que ela não
somente não faz o homem mais pecador e hipócrita, mas ainda que é dom de Deus e
moção do Espírito Santo, que verdadeiramente ainda não habita no homem
penitente, mas que somente o move; e ajudado por ele o penitente se dispõe a
alcançar a amizade de Deus no sacramento da Penitência. Porquanto, abalados por
este temor salutar, os ninivitas fizeram penitência na pregação de Jonas, cheia
de terrores, e alcançaram a misericórdia do Senhor (cfr. Jon 3). Por isso é com
falsidade que certa gente acusa os autores católicos como se tivessem escrito
que o sacramento da Penitência confere a graça sem nenhum movimento bom por parte
daqueles que o recebem: o que a Igreja de Deus jamais ensinou nem creu. Mas
também é falsa a afirmação de que a contrição é extorquida e forçada, e não
livre e voluntária [cân. 6].
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