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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Jesus e a Simplicidade


Monsenhor de Gibergues
A Simplicidade Segundo o Evangelho
Instruções para às senhoras e às jovens

            A simplicidade é a marca e o sinal distintivo do Evangelho, pois é o traço dominante e o próprio caráter do Salvador1.
            Desde o primeiro instante de vida até exalar o último suspiro na cruz, Jesus nunca deixou de contemplar o Pai e de agir para Deus. Tudo o que o Evangelho nos relata, todas as palavras, todas as obras de Jesus disto dão testemunho.
            Afirma São Paulo que Cristo, ao entrar no mundo, exclamou: "Eis que venho, meu Pai, para fazer a vossa vontade... imprimindo as minhas leis nos seus corações."2Seu primeiro pensamento foi, portanto, para Deus. Usou da liberdade, em primeiro lugar, para submeter-Se à vontade de Deus e entregar-Se por completo a Ele.
            E nunca mais Jesus desviou-Se dessa atitude, por um instante sequer. Quando, aos doze anos, deixara Maria e José para ficar no templo, ao encontrá-los, novamente, aflitos, só teve uma palavra para lhes explicar a razão da Sua conduta: "Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas que são de meu Pai?”3
            Em Nazaré, que faz Ele durante trinta anos, senão permanecer na presença de Deus, trabalhar, obedecer, humilhar-Se, com a finalidade de agradar a Deus e, enfim, de viver para Ele?  
            Se, aos trinta anos, deixa Sua mãe para ir ao deserto e lá preparar Seu ministério público, “é o Espírito Santo que o conduz.”4
Quando o demônio O tenta, é sempre com o nome de Deus que o repele: "Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus. Não tentarás o Senhor teu Deus... e a Ele só servirás."5
            No Jordão, o Espírito de Deus, em forma de pomba, desce visivelmente sobre Jesus.
            Quando pela primeira vez entra na Sinagoga, abre o livro das Escrituras no seguinte passo: "O espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu.”6
            À samaritana que o interroga sobre o verdadeiro culto, diz como primeira resposta: "Os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade."7
            E, logo depois, diz aos apóstolos: "A minha comida é fazer a vontade de meu Pai que me enviou...”8
Às perguntas que Lhe fazem, às ciladas que Lhe preparam, a todas as ofensas que Lhe dirigem, responde sempre falando do Pai, da desonra que causam a Deus, da injúria que Lhe fazem, do amor, da confiança, da submissão que Lhe devem. Resume toda a religião, toda a lei, toda a moral neste único preceito: "Amareis a Deus de todo o vosso coração."9
            Haverá, no mundo, ensinamento, filosofia ou doutrina mais simples que a pregação do Salvador que proíbe servir a dois senhores e tudo reduz ao amor de Deus?
            Não será o zelo pela simplicidade a razão dos ataques e ameaças com que invectiva os fariseus? Não estará condenando neles a hipocrisia, a astúcia, a mentira, a duplicidade, todas as vezes que lhes repete: "Ai de vós!"10
            "Vós dourais as bordas da taça, mas deixais o fundo cheio de amargura. - Estais sentados na cadeira de Moisés, mas não fazeis o que ele diz. - Vós sobrecarregais a viúva e o órfão com fardos que vós mesmos não podeis carregar. - Vós soltais o boi e o jumento, em dia de sábado, para conduzi-los ao bebedouro, e não quereis que eu cure esta mulher de sua enfermidade. - Vós sois sepulcros caiados: por dentro, estão cheios de vermes e de imundícies...”11
            Todas as vezes que condena os fariseus é pela hipocrisia e pela falta de simplicidade. Os fariseus queriam agradar aos homens e não a Deus: é isto ó que faz explodir contra eles a cólera de Jesus.
            O amor que tem às criancinhas provém ainda da simplicidade destas: é a simplicidade que nos apresenta como modelo e condição para entrar no céu.
            A simplicidade de Jesus passa ao coração dos apóstolos. É o encantamento todo-poderoso que os atraí, a força irresistível que os arrasta. 
            ''Mestre, onde morais? perguntam-Lhe. Ele responde: "Vinde e vede...”12, e logo vêm e prende-se a Ele." 
            "Segui-me", disse-Lhe ainda. E sem hesitar deixam ocupações, redes, trabalhos, pais, tudo enfim, e O seguem.13              
            Até na linguagem exige simplicidade absoluta: Seja o vosso falar: sim, sim; não, não; porque tudo o que passa disto vem do mal."14
            Quanto a Ele, leva a simplicidade ao mais alto grau; fala como pensa e pensa como o Pai: "Como escuto, julgo." Dentro de Si escuta a palavra que Deus Lhe diz, o julgamento que Deus faz, e pronuncia a mesma palavra e faz o mesmo julgamento.
            Entre Ele e o Pai, existe conformidade constante e absoluta de pensamentos, de sentimentos e de vontade, enfim, a união perfeita decoração e de amor que constitui o ideal da simplicidade.
            O espírito do homem, em Jesus, é de tal forma submisso e dócil às inspirações do espírito de Deus que, verdadeiramente, Jesus só tem um espírito, de acordo com a palavra do Apóstolo: "Aquele que se une ao Senhor tem um mesmo espírito com Ele."15   
            Durante a Paixão, a simplicidade de Jesus irradia-se com maior brilho.
            É simples em Getsêmani. Chegou a Sua hora, o Pai falou, isto é o bastante. Não procura esconder-Se, fugir, ou defender-Se. Vai diretamente ao encontro da dor e da morte.
            Sua natureza humana tem medo, treme, agita-Se e pede graça. Ele a vence e não receia um instante: "Foi para isto que vim!"
            Poderia pedir ao Pai que Lhe enviasse Anjos para libertá-lO. Mas nem pensa nisso. Deseja apenas obedecer e executar os soberanos desígnios.
            É simples diante dos tribunais, nas atitudes, palavras e respostas. É humilde e digno, modesto e firme. Não tem a dureza estóica do rosto e do olhar com que o representaram alguns pintores.
            É suave a Sua majestade, e a bondade transparece em Sua firmeza. Nele o homem se atenua e o divino é realçado. Esquece-se para só ver a Deus. Sabe que nada acontecerá sem a vontade do Pai; que Seus juízes e Seus carrascos não têm outro poder além daquele que Deus lhes quer dar.16
            Eis por que quase sempre se conserva silencioso, sem mesmo procurar defender-Se, entregando Sua causa só a Deus.    
            É simples no Calvário. Não tem amargura, não faz repreensão alguma àqueles que O crucificam, ou à turba que O ultraja. Nenhuma consideração pessoal, nenhuma queixa. Nada mais vê além dos pecadores e de Deus.
            Aos pecadores perdoa, promete-lhes o Paraíso, dá-lhes a própria Mãe e manifesta-lhes a sede que tem de suas almas.
            Ao Pai, até no meio do mais cruel abandono, da mais horrível agonia, só fala em submissão e confiança.
            Ó meu Salvador, que adorável simplicidade a Vossa!
            Que unidade em Vossos pensamentos, sentimentos, trabalhos, dores, virtudes e orações! Tudo para as almas e para Deus, E nossas almas, é ainda para Deus que as salvais: para que o nome de Deus seja santificado por elas, para que Seu reino chegue e para que Sua vontade se cumpra. As almas são a messe e a messe é para o Senhor.
            De modo que "uma só coisa é necessária", isto é: glorificar Deus nEle mesmo e glorificá-lO pelas almas e nas almas. Contemplar sempre a Deus, trabalhar sempre para Deus, atribuir a Deus tudo o que se faz, ver unicamente a Deus na criatura e só ver a criatura em Deus: eis a finalidade de Vossa vida, ó Jesus, e eis também a perfeita simplicidade! 
            Ó simplicidade, como és grande e bela! Mas como és mais bela, mais atraente ainda, como és santa e divina; no coração e na alma de Jesus!
            Ó simplicidade, és verdadeiramente o espírito de Jesus, o espírito de Deus na criatura!
            Ó simplicidade, sê meu constante exercício, minha contínua inspiração, minha alma e minha vida! Que por ti eu morra a tudo o que pertence à criatura! Que por ti eu viva para tudo o que é de Deus!
            Que por ti tudo o que é humano desapareça em mim e só o que é divino subsista! Ou pelo menos, embora o humano em mim continue, pois que é a minha condição, que se transforme em divino, como em Jesus! Que pela simplicidade, contemplando e procurando a Deus em todas as coisas, O encontre, a Ele me prenda e nEle permaneça para sempre!

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1.    É conhecido o célebre passo em que Jean-Jacques Rousseau num momento de sinceridade, exaltou a “simplicidade do Evangelho».
2.      Ep. Hebr., X, 7-16.
3.      S. Luc., II, 49.
4.      S. Mateus IV, 1.
5.      S. Mateus IV, 3-7-10.
6.      S. Luc., IV, 18.
7.      S. João IV, 23.
8.      S. João IV, 34.  
9.      S. Marcos XlI, 30.
10.   São Mateus XIX, 21.
11.   S. Mat., XXIII, 13-14, e passim.
12.   S. Luc., XlV, 5, XI, 43. - S. Mat., XXIII, 4-6-13-27.
13. S. João I, 38-39. Abandonando as redes e o pai, eles o seguiram. (S. Mat., IV, 22) Eis que nós abandonamos tudo para vos seguirmos. (S. Mat., XIX, 27).
14.   Levantando-se o seguiu. (S. Mat., IX, 9).
15.   S. Mat., V, 37.
16.   "Não terias poder nenhum sobre mim, se te não fosse dado do alto", disse a Pilatos (S. João XIX, 11).  


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