IV
Parte
CONCÍLIO
DE TRENTO
(1543-1563)
XIX
CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA
OS INOVADORES DO SÉCULO XVI)
Sessão
VI (13-1-1547)
Decreto
sobre a justificação
Do capitulo 6 ao capitulo 12
Cap. 6 – O modo de preparação
798. A
preparação para a justificação se efetua do seguinte modo: excitados e
favorecidos pela graça divina, recebem a fé pelo ouvido (Rom
10, 17) e erguem-se livremente paras Deus, crendo ser verdadeiro o que foi
revelado e prometido por Deus [cân. 12-14] especialmente, que o pecador é
justificado por meio da graça de Deus, pela
redenção, que está em Jesus Cristo (Rom
3, 24). Quando eles então, reconhecendo-se pecadores, são abalados
proveitosamente pelo medo da justiça divina [cân. 8], lembram-se da
misericórdia de Deus e firmam-se confiantes na esperança de que Deus lhes há de
ser propício por amor de Cristo. Então começam a amá-lo como fonte de toda a
justiça e a se insurgir por isso contra os pecados com ódio e detestação [cân.
9], isto é, pela penitência, que se deve fazer antes do Batismo (At 2, 38);
finalmente, se propõem a receber o Batismo, a começar uma nova vida e a cumprir
os mandamentos de Deus. Sobre esta disposição está escrito: Quem
se achega de Deus, deve crer que ele existe e que é remunerador dos que o
buscam (Heb 11, 6); e: confia,
filho, os teus pecados te são perdoados (Mt
9, 2; Mc 2, 5); e: o temor de Deus expulsa o pecado (Ec 1, 27) e mais: fazei
penitência e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para a
remissão dos vossos pecados e recebereis o dom do Espírito Santo (At 2, 38) e ainda: Ide,
pois, ensinai a todas as gentes, batizando-as em nome do Padre, e do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos tenho mandado (Mt 28, 19) e finalmente: Preparai
ao Senhor os vossos corações (1
Rs 7, 3).
Cap. 7 – A essência da justificação do
pecador e suas causas
799. A
esta disposição ou preparação se segue a própria justificação. Ela é não
somente a remissão dos pecados [cân. 11], mas ao mesmo tempo a santificação e
renovação do homem interior pela voluntária recepção da graça e dos dons. Por
este meio, o homem de injusto se torna justo e de inimigo, amigo, de modo a ser herdeiro
da vida eterna segundo a esperança (Tit
3, 7). As causas desta justificação são as seguintes: a [causa] final: a glória
de Deus e a de Cristo, bem como a vida eterna; a eficiente: o misericordioso
Deus, que sem merecimento nosso lava e santifica (1 Cor 6, 11), assinalando
e ungindo com o Espírito Santo da promessa que é o penhor de nossa herança (Ef 1, 13 ss). A [causa] meritória, porém, é seu
muito amado Filho Unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo
nós inimigos (Rom 5, 10), pela
nímia caridade com que nos amou (Ef
2, 4), nos mereceu a justificação e satisfez por nós ao Eterno Pai, com sua
santíssima Paixão no lenho da cruz [cân. 10]. A [causa] instrumental é o
sacramento do Batismo, isto é, o "sacramento da fé"1, sem o qual jamais alguém alcançou a
justificação. Enfim, a causa única formal é "a justiça de Deus, não
enquanto ele mesmo é justo, mas enquanto nos torna justos"2 [cân.
10 e 11], quer dizer, enquanto por ele enriquecidos, fica a nossa alma
espiritualmente renovada, e não só passamos por justos, mas verdadeiramente nós
nos denominamos e somos justos. Pois recebemos em nós a justiça, cada qual a
sua, conforme a medida que o Espírito Santo distribui a cada um como ele quer (1 Cor 12, 11) e segundo a disposição e cooperação
de cada qual.
800. Assim,
ninguém pode ser justo, senão aquele a quem se comunicam os merecimentos da
Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas isto assim sucede nesta justificação
do pecador, precisamente pelo fato de o
amor de Deus se difundir pelo Espírito Santo, por força dos merecimentos desta sagrada Paixão, nos
corações (Rom 5, 5) dos que são justificados, aderindo-lhes
intimamente [cân. 11]. Por isso, na justificação é infundido no homem por Jesus
Cristo, a quem está unido, ao mesmo tempo, tudo isto: fé, esperança e caridade.
Porque a fé nem une perfeitamente com Cristo, nem faz membro vivo de seu corpo,
se não se lhe ajuntarem a esperança e a caridade. Daí a razão de se dizer com
toda a verdade: a fé, sem obras, é morta (Tgo 2, 17 ss) e ociosa [cân. 19]; e em
Jesus Cristo nem a circuncisão nem o prepúcio valem coisa alguma, mas a fé que
obra pela caridade (Gal 5, 6; 6, 15). Esta é a fé que os catecúmenos,
segundo a Tradição apostólica, suplicam à Igreja cantes do batismo, quando pede
a "fé que lhes outorga a vida eterna"3, [mas] que, sem a esperança e a
caridade, a fé não pode conceder. Por isso ouvem logo em resposta as palavras
de Cristo: Se queres entrar para a vida, guarda os mandamentos (Mt 19, 17) [cân. 18-20]. E após terem os neófitos
recebido a justificação verdadeira e cristã, exige-se deles que guardem branca
e imaculada esta [veste], como sua veste
mais preciosa (Luc 15, 22), que lhes foi concedida por Cristo em
vez daquela, que pela desobediência de Adão for a perdida para si e para nós, a
fim de chegar com ela ante o tribunal de Nosso Senhor Jesus Cristo e obter a
vida eterna.
(1) S. Ambrósio, De
Spiritu Sancto, 1, 3, 42 (PL 16, 714); S.
Agostinho, Ep. 98, ad Bonif. 9 s (PL 33, 36, 4).
(2) "Iustitia Dei, non qua ipse iustus est, se qua nos justus facit". Cfr. S. Agostinho, De Trin. 14, 12, 15 (PL 42, 1048).
(3) Rit. Rom. Ordo Baptismi, n. I s.
(2) "Iustitia Dei, non qua ipse iustus est, se qua nos justus facit". Cfr. S. Agostinho, De Trin. 14, 12, 15 (PL 42, 1048).
(3) Rit. Rom. Ordo Baptismi, n. I s.
Cap. 8 – Como se deve entender a
justificação gratuita do pecador pela fé
801. O
Apóstolo diz que o homem é justificado pela
fé e sem merecimento (Rom 3, 22. 24). Estas palavras devem ser
entendidas tais como sempre concordemente a Igreja Católica as manteve e
explicou. "Nós somos justificados pela fé": assim dizemos, porque
"a fé é o princípio da salvação humana"4, o fundamento e a raiz de toda
justificação, sem a qual é impossível agradar a Deus (Heb 11, 6) e alcançar a companhia de seus filhos.
Assim, pois, se diz que somos justificados gratuitamente, porque nada do que
precede à justificação, nem a fé, nem as obras, merece a graça da justificação.
Porque se ela é graça, já não procede das obras; do
contrário a graça, como diz o Apóstolo, já
não seria graça (Rom 11, 6).
Cap. 9 – Refutação da falsa confiança
dos hereges
802. É
necessário crer que não se perdoam pecados nem jamais foram perdoados, senão
pela misericórdia divina, por causa de Cristo e sem merecimento próprio. Não
obstante, a ninguém é lícito dizer que se perdoam ou foram perdoados os pecados
àqueles que presume confiada e seguramente de perdão dos pecados e tão somente
com isto se tranqüiliza. Pois, [também] nos hereges e cismáticos pode
encontrar-se esta confiança vã e alheia a toda a piedade [cân. 12]. Sim, ela aí
existe em nossos dias e com grande empenho é pregada contra a Igreja Católica.
Também não se deve afirmar que os verdadeiramente justificados devem estar
firmemente, sem sombra de qualquer dúvida, convencidos de sua justificação, e
que ninguém é absolvido e justificado, a não ser aquele que seguramente crer
que foi absolvido e justificado, e que somente por esta fé se efetua a
absolvição e a justificação [cân. 14], como se aquele que não cresse nisto,
duvidasse das promessas de Deus, da eficácia da morte e da ressurreição de
Cristo. Porque, assim como nenhum [homem] pio deve duvidar da misericórdia de
Deus, dos merecimentos de Cristo, bem como da virtude e eficácia dos
sacramentos, assim também, quando cada qual olha para si mesmo e para sua
fraqueza e falta de preparação, pode recear e temer pela sua remissão [cân.
13], visto ninguém poder saber com certeza de fé, a qual não pode estar sujeita
a erro algum, que sele conseguiu a graça de Deus.
Cap. 10 – O aumento da justificação
recebida
803.
Justificados deste modo e feitos amigos
e familiares de Deus (Jo 15, 15; Ef 2, 19), indo
de virtude em virtude (Sl 83, 8), são
renovados (como diz o Apóstolo) de
dia para dia (2 Cor 4, 16), isto é, mortificando
os membros da própria carne (Col
3, 5), tornando-os armas de justiça (Rom 6, 13. 19) para santificação por meio da
observância dos mandamentos de Deus e da Igreja, crescem nesta justificação
recebida pela graça de cristo, cooperando na fé com a boas obras (Tg 2, 22), são justificados ainda mais [cân. 24 e
32], como está escrito: O que é justo, seja justificado ainda mais (At 22, 11); e outra vez: Não
receies justificar-te até a morte (Ecli
18, 22); e de novo: Vedes, pois, que o homem é justificado pelas obras,
e não pela fé somente (Tgo 2, 24). Este aumento de justiça pede-o a
Igreja quando reza: Dai-nos, Senhor, aumento de fé, esperança e
caridade (XIII domingo depois de Pentecostes).
Cap. 11 – A observância dos mandamentos
de Deus, sua necessidade e possibilidade
804. Mas
ninguém, posto que justificado, se deve julgar eximido da observância dos
mandamentos [cân. 20]. Ninguém deve pronunciar estas palavras temerárias,
condenadas pelos Padres com anátema: é impossível ao homem justificado observar
os preceitos de Deus [cân. 18 e 22]. "Porque Deus não manda coisas
impossíveis, mas quando manda, adverte que faças o que possas e peças o que não
possas, e ajuda a poder"5. Os
seus mandamentos não são pesados (1
Jo 5, 3), o seu jugo é suave e o seu peso é leve (Mt 11, 30), pois os que são filhos de Deus, amam a
Cristo, mas os que o amam guardam (como ele testifica) as
suas palavras (Jo 14, 23), e podem seguramente executar isso com
o auxílio de Deus. Pois, também eles nesta vida mortal, por mas santos e justos
que sejam, caem às vezes pelo menos em pecados leves e quotidianos, chamados
também "veniais" [cân. 23], mas com isto não deixam de ser justos.
Pois é verdadeira e humilde aquela oração dos justos: Perdoai-nos
as nossas dívidas (Mt 6, 12). E assim acontece que os justos tanto
mais se sentem obrigados a andar pelo caminho da justiça, quanto estando
já livres do pecado e feitos servos de Deus (Rom 6, 22), vivendo
sóbria, justa e piedosamente (Tit
2, 12), podem progredir por meio de Jesus Cristo, por quem tiveram
acesso a esta graça (Rom 5, 2). Porque Deus, os que uma vez foram
justificados pela sua graça, "não os desampara a não ser que seja primeiro
abandonado por eles"6. Assim, portanto, ninguém deve
lisonjear-se com a fé somente [cân. 9, 19, 20], julgando estar pela fé somente
constituído herdeiro e que conseguirá a herança ainda que não padeça
com Cristo para ser glorificado com ele (Rom
8, 17). Pois o mesmo Cristo, (como diz o Apóstolo), embora
fosse Filho de Deus, praticou, contudo, obediência pelo sofrimento, e depois de
consumado, se tornou para todos os que lhe obedecem autor da salvação (Hb 5, 8 s). Por isso o mesmo Apóstolo admoesta os
justificados, dizendo: Não sabeis que os que correm no estádio, correm,
sim, todos, mas um só é que alcança o prêmio? Correi, pois, de modo que o
alcanceis. Quanto a mim, corro, não como quem não tem meta certa, combato não
como quem açoita o ar, mas castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão, para
que não suceda que, tendo eu pregado aos outros, venha eu mesmo a ser réprobo (1 Cor 9, 24 ss). De modo semelhante, fala o
Príncipe dos Apóstolos, S. Pedro: Ponde
cada vez mais cuidado em tornardes certa a vossa vocação e eleição por meio do
boas obras, porque fazendo isto, não pecareis jamais (2 Ped 1, 10). Donde se infere que impugnam a
doutrina da religião ortodoxa aqueles que dizem que o justo em todas as obras
boas peca ao menos venialmente [cân. 25] ou, (o que é ainda mais intolerável),
merece penas eternas; e [erram] também os que afirmam que os justos pecam em
todas as obras, se, despertando de sua indolência e animando-se a correr no
estádio, pondo seu intento primeiramente na glória de Deus, olham também para o
prêmio eterno [cân. 26, 31], como está escrito: inclinei
o meu coração para executar as vossas justificações, por amor da retribuição (Sl 118, 112); e de Moisés diz o Apóstolo: que
olhava para a remuneração (Hb
11, 26).
(5) "Nam
Deus imposibilia non iubet, sed iubendo monet, et facere quod possis, et petere
quod non possis" Cfr. S. Agostinho, De nat. et gratia, c. 43, n. 50 (PL
44, 271).
(6) Deus "non deserit, nisi ab eis prius deseratur". Cfr. S. Agostinho, Op. Cit. C. 26, n. 29 (PL 44, 261).
(6) Deus "non deserit, nisi ab eis prius deseratur". Cfr. S. Agostinho, Op. Cit. C. 26, n. 29 (PL 44, 261).
Cap. 12 – Presunção temerária de ser
predestinado
805. Ninguém,
enquanto peregrina por esta vida mortal, deve querer penetrar tanto no mistério
oculta da predestinação divina, que possa afirmar com segurança ser ele, sem
dúvida alguma, do número de predestinados [cân. 15], como se o justo não
pudesse mais pecar [cân. 23] ou, que se tiver pecado, poderá com certeza
prometer-se a si mesmo uma nova conversão. Pois, sem uma revelação toda
especial de Deus, não se pode saber quais os que Deus escolheu para si [cân.
16].
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