XII Parte
CONCÍLIO DE TRENTO
(1543-1563)
XIX CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA OS INOVADORES DO
SÉCULO XVI)
Sessão XIV (25-11-1551)
Doutrina sobre a
Penitência
Cap. 5. — A
confissão
899. Em conseqüência da instituição do
sacramento da Penitência, que já foi explicada, a Igreja toda sempre entendeu
que a confissão íntegra dos pecados fora também instituída pelo Senhor (Tg 5,
16; l Jo l, 9; Lc 17, 14). Esta confissão é necessária por direito divino a
todos os que caem depois do Batismo [cân. 7], porque Nosso Senhor Jesus Cristo,
antes de sua ascensão aos céus, deixou os sacerdotes como vigários seus (Mt 16,
19; 18, 18; Jo 20, 23), como presidentes e juizes a quem devem ser confiados
todos os pecados mortais, em que os fiéis houverem caído. E devem em virtude do
poder das chaves de perdoar ou reter pecados, pronunciar a sentença. Pois é
claro que os sacerdotes não poderiam exercer esta sua jurisdição sem o
conhecimento de causa, nem guardar equidade na imposição das penas, se os
penitentes declarassem só genericamente, e não específica e detalhadamente os
pecados. Daí segue que os penitentes devem dizer e declarar na confissão todos
os pecados mortais de que se sentirem culpados, depois de feito um diligente
exame de consciência, ainda que sejam os mais ocultos e cometidos somente
contra os dois últimos preceitos do decálogo (Ex 20, 17; Mt 5, 28). Estes,
muitas vezes, ferem mais gravemente a alma e são mais perigosos do que os
cometidos abertamente. Os veniais, pelos quais não somos excluídos da graça de
Deus, e nos quais freqüentemente caímos, posto que com retidão e utilidade, e
sem qualquer presunção se digam na confissão [cân. 7], como mostra a praxe de
pessoas tementes a Deus, todavia podem ser calados sem culpa e expiados por
muitos outros meios. Mas como todos os pecados mortais, mesmo os de pensamento,
tornam os homens filhos da ira (Ef 2, 3) e inimigos de Deus, é
necessário buscar em Deus o perdão de todos os pecados por meio de uma
confissão sincera e humilde. Assim, quando os fiéis de Cristo se esforçam por
confessar todos os pecados que lhes vêm à memória, certamente os expõem à
divina misericórdia para que os perdoe [cân. 7]. E os que fazem o contrário e
calam alguns voluntariamente, nada expõem à bondade divina que possa ser
absolvido pelo sacerdote. Pois, "se o enfermo se envergonha de mostrar a
chaga ao médico, a perícia deste não poderá curar aquilo que ignora"12.
Ainda se colige que é necessário também explicar na confissão aquelas
circunstâncias que mudam a espécie do pecado, porque sem elas os pecados não
são cabalmente apresentados pelo penitente, nem suficientemente conhecidos aos
juizes para fazerem uma apreciação justa sobre a gravidade dos pecados, e para
impor ao penitente uma pena proporcionada. Por isso é alheio à razão ensinar
que estas circunstâncias foram inventadas por homens ociosos, ou que se há de
confessar uma só circunstância, isto é que se pecou contra seu irmão.
900. Mas também é ímpio dizer-se que a
confissão, de certo modo, tal como é mandada, se torna impossível [cân. 8], ou
chamá-la martírio das consciências. É, outrossim, constante na Igreja [o
costume de] não se exigir outra coisa dos penitentes, senão que, depois de se
ter cada qual examinado com diligência e perscrutado todos os recessos e
esconderijos da consciência, confesse aqueles pecados de que se puder lembrar
de ter ofendido mortalmente a seu Senhor e Deus. Quanto aos outros pecados, que
não vêm à mente de quem fez esta diligente consideração, se entendem geralmente
incluídos na mesma confissão. E é por estes que nós confiadamente dizemos com o
Profeta: Purificai-me, Senhor, de meus delitos ocultos (Sl 18, 13).
Quanto à dificuldade de semelhante confissão e à vergonha de revelar os
pecados, poderia parecer um jugo assaz pesado, caso não fosse aliviado por
tantas e tão grandes vantagens e consolações, que recebem indubitavelmente pela
absolvição todos que se achegam dignamente deste sacramento.
901. De resto, quanto ao modo de se
confessar secretamente só ao sacerdote, posto que Cristo não proibiu que alguém
pudesse, para sua própria humilhação, para se vingar ele mesmo dos seus
pecados, confessá-los publicamente, tendo como razões dar bom exemplo aos
outros ou causar edificação à Igreja por ele ofendida, isto, porém, não foi
mandado por preceito divino; nem seria prudente prescrever-se por uma lei
meramente humana que os pecados, particularmente os ocultos, fossem revelados
por uma confissão pública [cân. 6]. Por isso, e mais ainda pelo consenso geral
e unânime de todos os Santos Padres e dos mais antigos, que sempre têm
autorizado a confissão secreta, da qual a Santa Igreja tem feito uso desde o
começo, e que ainda hoje em dia emprega, viu-se assim evidentemente refutada a
vã calúnia dos que têm a temeridade de propalar não ser ela mais que uma
invenção humana, alheia ao mandamento divino, e que teve início no Concílio
Lateranense por permissão dos Padres ali reunidos. Pois a Igreja no Concílio
Lateranense não estabeleceu o preceito da confissão para os fiéis, sabendo bem
que já havia sido estabelecido e que era necessário por direito divino; ela
ordenou somente que todos e cada um dos fiéis, ao chegarem ao uso da razão,
satisfizessem ao preceito da confissão ao menos uma vez por ano. Donde vem que
na Igreja de Deus se observa este costume salutar, com grande proveito para as
almas fiéis, de se confessarem especialmente no santo e favorável tempo da
Quaresma. O santo Concilio aprova inteiramente este costume, aceita-o e o
abraça como piedoso e digno de ser conservado [cân. 8].
Cap. 6. — O
ministro deste sacramento e a absolvição
902. A respeito do ministro deste
sacramento, o santo Concílio declara como falsas e inteiramente alheias à
verdade do Evangelho todas as doutrinas que perniciosamente estendem o
ministério das chaves a todos os outros homens, além dos bispos e sacerdotes
[cân. 10] e supõem, contra a instituição deste sacramento, que aquelas palavras
do Senhor: Tudo o que ligardes sobre a terra, será também ligado no céu; e
tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu (Mt 18,
18), e: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem
os retiverdes ser-lhes-ão retidos (Jo 20, 23), foram dirigidas sem
diferença alguma a todos os fiéis de Cristo, de modo que qualquer pessoa teria
o poder de perdoar pecados: os públicos, pela correção, se o repreendido se
acomodar; os ocultos, pela confissão espontânea, feita a qualquer indivíduo.
Declara também que os sacerdotes, mesmo que estejam em pecado mortal, não
deixam de perdoar pecados na qualidade de ministros de Jesus Cristo, por causa
da força do Espírito Santo, que eles recebem na ordenação; e que pensam de modo
errado os que afirmam que os maus sacerdotes perdem aquele poder. Embora a
absolvição do sacerdote seja uma concessão de um benefício alheio, contudo não
é um simples ministério de anunciar o Evangelho, ou de declarar que os pecados
foram perdoados, mas é uma espécie de ato judicial (ad instar actus iudicialis)
pelo qual o sacerdote, como juiz, pronuncia a sentença [cân. 9]. Por este
motivo o penitente não se deve lisonjear tanto nem confiar de tal modo em sua
fé, que chegue a pensar ser verdadeiramente absolvido diante de Deus, mesmo que
não haja contrição de sua parte, nem intenção por parte do sacerdote de agir
seriamente e de absolver verdadeiramente. Pois a fé sem a penitência não produz
a remissão dos pecados; e [pode-se dizer que] seria extremamente negligente de
sua salvação quem, percebendo que um sacerdote o absolvesse por mofa, deixasse
de procurar com cuidado outro que agisse com seriedade.
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