IX Parte
CONCÍLIO DE TRENTO
(1543-1563)
XIX CONCÍLIO ECUMÊNICO
(CONTRA OS INOVADORES DO
SÉCULO XVI)
Sessão XIII (11-10-1551)
Decreto sobre a
Santíssima Eucaristia
873 a. O
sacrossanto Concílio Ecumênico e Geral de Trento... — posto que não sem
especial assistência e direção do Espírito Santo se reuniu para expor a
verdadeira e antiga doutrina sobre a fé e os sacramentos, e para apresentar um
antídoto contra todas as heresias e outras chagas gravíssimas, de que a Igreja
de Deus se acha em nossos dias miseravelmente atribulada e dividida em muitas e
variadas partes — já desde o inicio teve isto em mente: arrancar pela raiz o joio
dos execráveis erros e cismas, semeados em nossos calamitosos tempos
pelo homem inimigo (Mt 13, 25 ss) por entre a doutrina da fé, o culto e
o uso da Santíssima Eucaristia. Desta mesma Eucaristia que outrora o Nosso
Salvador deixou na sua Igreja como símbolo de sua unidade e caridade e quis
também que por meio dela todos os cristãos estivessem intimamente unidos entre
si. Assim é que o mesmo sacrossanto Concílio — declarando aquela verdadeira e
sã doutrina a respeito deste venerável e divino sacramento da Eucaristia, que a
Igreja Católica, instruída pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo e por seus
Apóstolos, ensinada pelo Espirito Santo que depois lhe inspirou ioda
a verdade (Jo 14, 26), sempre manteve e manterá até a consumação dos
séculos — proíbe a todos os fiéis de Cristo terem a ousadia de crer, ensinar ou
pregar a respeito da Santíssima Eucaristia de um modo diverso do que se explica
e define neste presente decreto.
Cap. 1 — A
presença real de Cristo na Santíssima Eucaristia
874. Ensina
primeiramente o santo Concílio e confessa aberta e simplesmente que no augusto
sacramento da Santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho,
debaixo das espécies destas coisas sensíveis, se encerra Nosso Senhor Jesus
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, verdadeira, real e substancialmente
[cân. l ]. Nem repugnam entre si estas coisas: que o mesmo Nosso Senhor esteja
sempre sentado à mão direita do Pai no céu, conforme o seu modo natural de
existir, e assim a sua substância esteja presente entre nós em muitos outros
lugares sacramentalmente com aquele modo de existir, que nós apenas podemos
exprimir em palavras, e com a razão iluminada pela fé podemos conhecer e
devemos firmemente crer ser possível a Deus. Pelo que, todos os nossos
predecessores que viveram na verdadeira Igreja de Cristo, sempre que trataram
deste sacramento, reconheceram abertamente que Nosso Redentor instituiu este
admirável sacramento na última ceia quando, depois de benzer o pão e o vinho,
testificou com palavras distintas e claras que ele lhes dava o seu próprio
corpo e sangue. Estas palavras relatadas pelos santos Evangelistas (Mt 26, 26
ss; Mc 14, 22 ss; Lc 22, 19 ss) e repetidas depois por S. Paulo (l Cor 11, 23)
têm seu sentido próprio e claro, no qual também os Padres as compreenderam.
Pelo que seria sem dúvida alguma detestável crime torcê-las ou levá-las a uma
figura ou símbolo, como fizeram alguns homens maus e rixosos que negam a real
presença do Corpo e sangue de Cristo contra o universal sentir da Igreja que,
sendo coluna e base da verdade (l Tim 3, 15), detesta como
satânica esta doutrina, excogitada por esses homens ímpios e, com sentimento de
gratidão, reconhece este incomparável beneficio de Cristo.
Cap. 2. — O modo
da instituição
875. Nosso
Salvador, tendo que se afastar deste mundo para o Pai, instituiu este
sacramento no qual parece ter derramado as riquezas de seu divino amor para com
os homens, fazendo memória das suas maravilhas (Sl 110, 4) e mandou que,
ao recebê-lo, honrássemos sua memória (l Cor 11, 24) e anunciássemos
sua morte, até que ele venha a julgar o mundo (l Cor 11, 26). Quis,
porém, que se recebesse este sacramento como alimento espiritual das almas (Mt
26, 26), com que se sustentassem e se confortassem [cân. 5], vivendo da vida
daquele que disse: Quem me come viverá por mim (Jo 6, 58) e como
antídoto a nos livrar das culpas quotidianas e preservar dos pecados mortais.
Ademais, quis que fosse penhor da nossa futura glória e perpétua felicidade, e
por isso símbolo daquele corpo único do qual ele é a cabeça (l
Cor 11, 3; Ef 5, 23), à qual nós, como membros, estivéssemos unidos pelos
estreitos laços da fé, esperança e caridade, para que todos disséssemos o
mesmo e não houvesse cismas entre nós (1 Cor l, 10).
Cap. 3. — A
excelência da Eucaristia sobre os outros sacramentos
876. A
Santíssima Eucaristia tem de comum com os demais sacramentos o ser o símbolo de
uma coisa sagrada e a forma visível da graça invisível. A sua excelência e
singularidade está em que os outros sacramentos só têm a virtude de santificar,
quando alguém faz uso deles, ao passo que na Eucaristia está o próprio autor da
santidade, antes de qualquer uso [cân. 4]. Pois, não haviam ainda os Apóstolos
recebido das mãos do Senhor a Eucaristia (Mt 26, 26; Mc 14, 22), quando ele
afirmava ser na verdade o seu corpo aquilo que lhes dava. Foi também sempre
esta a fé na Igreja de Deus: que logo depois da consagração estão o verdadeiro
corpo de Nosso Senhor e seu verdadeiro sangue conjuntamente com sua alma e sua
divindade, sob as espécies de pão e de vinho, isto é, seu corpo sob a espécie de
pão e seu sangue sob a espécie de vinho, por força das palavras mesmas; mas o
mesmo corpo também [está] sob a espécie de vinho, e o sangue sob a espécie de
pão, e a alma sob uma e outra, por força daquela natural conexão e
concomitância, com que as partes de Cristo Nosso Senhor, que já ressuscitou
dos mortos para nunca mais morrer (Rom 6, 9), estão unidas entre si; e a
divindade por causa daquela sua admirável união hipostática com o corpo e a
alma [cân. l e3]. Assim, é bem verdade que tanto uma como outra espécie contêm
tanto quanto as duas espécies juntas. Pois o Cristo todo inteiro está sob a
espécie de pão e sob a mínima parte desta espécie, bem como sob a espécie de
vinho e sob qualquer das partes desta espécie.
Cap. 4. — A
Transubstanciação
877. Uma
vez, porém, que Cristo Nosso Redentor disse que aquilo que oferecia sob a
espécie de pão era verdadeiramente o seu corpo (Mt 26, 26; Mc 14, 22 ss; Lc 22,
19 ss; l Cor 11, 24 ss.), sempre houve na Igreja de Deus esta mesma persuasão,
que agora este santo Concilio passa a declarar: Pela consagração do pão e do
vinho se efetua a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo
de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu
sangue. Esta conversão foi com muito acerto e propriedade chamada pela Igreja
Católica de transubstanciação [cân. 2].
Cap. 5. — Culto e
veneração que se devem tributar à Eucaristia
878. Não há
dúvida alguma de que todos os fiéis de Cristo, segundo o costume que sempre
vigorou na Igreja, devem tributar a este santíssimo sacramento a veneração e o
culto de adoração (latria), que só se deve a Deus [cân. 6]. Nem se deve
adorá-lo menos pelo fato de ter sido instituído por Cristo Senhor Nosso como
alimento. Pois cremos estar nele presente aquele mesmo, do qual o Eterno Pai,
ao introduzi-lo no mundo, disse: Adorem-no todos os anjos de Deus (Hb l,
6; SI 96, 7) e a quem os Magos, prostrando-se, o adoraram (Mt 2, 11),
aquele, enfim, do qual a Escritura testifica: os Apóstolos adoraram-no
na Galiléia (Mt 28, 17). Declara mais o santo Concilio que, com muita piedade e
religião, foi introduzido na Igreja este costume de celebrar-se todos os anos
com singular veneração e solenidade, em dia festivo particular, este sublime e
venerável sacramento, e de ser levado honorífica e reverentemente em procissões
pelas ruas e lugares públicos. Pois é muito justo que haja alguns dias sagrados
e estabelecidos, em que todos os cristãos, com singular demonstração de ânimo,
se mostrem lembrados e agradecidos para com seu comum Senhor e Redentor por tão
inefável e verdadeiramente divino beneficio, em que se representa a vitória e o
triunfo de sua morte. Deste modo convinha que a verdade vencedora triunfasse da
mentira e heresia, para que seus adversários, à vista de tanto esplendor e alegria
de toda a Igreja, debilitados e enfraquecidos se abatam, ou envergonhados e
confundidos se convertam.
Cap. 6. — A
Santíssima Eucaristia e os enfermos
879. O
costume de guardar no tabernáculo a sagrada Eucaristia é tão antigo, que até o
século do Concilio de Nicéia o conheceu. O uso [vigente] nas igrejas de se
levar a Eucaristia aos enfermos e de a guardar com cuidado particular, além de
ser coisa muitíssimo justa e racional, é mandado em muitos Concílios e
observado por costume antiquíssimo na Igreja. Por isso também este santo
Concílio determina que se mantenha este salutar e necessário costume [cân. 7].
Cap. 7. — A
preparação para a digna recepção da Eucaristia
880. Se não
convém que alguém se aproxime de algumas funções sagradas a não ser santamente,
por certo, quanto maior for o conhecimento de um homem cristão a respeito da
santidade e divindade deste celestial sacramento, com tanto maior cuidado se
deve acautelar a fim de que não se aproxime, sem grande reverência e santidade,
para recebê-lo [cân. 11]; ainda mais quando lemos aquelas palavras do Apóstolo,
cheias de temor: Aquele que come e bebe indignamente, come e bebe o seu
juízo, não distinguindo o corpo do Senhor (l Cor 11, 29). Assim, quem
quiser comungar, deve lembrar-se do preceito: Prove-se o homem a si mesmo
(1 Cor 11,28). O costume da Igreja manifesta que esta prova é necessária, para
que ninguém, ciente de [estar em] pecado mortal, ainda que lhe pareça estar
contrito, se aproxime da Sagrada Eucaristia sem preceder a confissão
sacramental. Assim o manda este santo Concílio a todos os cristãos e àqueles
sacerdotes, aos quais por ofício incumbe celebrar, contanto que não lhes faltem
confessores (copia confessoris). E que, se por necessidade urgente um sacerdote
tiver celebrado sem a prévia confissão, confesse-se o mais cedo possível.
Cap. 8. — O uso
deste admirável sacramento
881. Quanto
ao uso, com muito acerto e sabedoria distinguiram nossos Padres três modos de
receber este sacramento. Ensinaram que uns, como os pecadores, só o recebem sacramentalmente;
outros, só espiritualmente, a saber: aqueles que pelo desejo (voto) comem
aquele pão celestial, que se lhes propõe, com fé viva, que obra por
amor (Gal 5, 6), experimentando o seu fruto e utilidade; e mais outros o
recebem ao mesmo tempo sacramental e espiritualmente. Estes são os que primeiro
se provam e se preparam de modo que, vestidos da veste nupcial (Mt 22,
11 ss), se achegam a esta divina mesa. Na comunhão sacramental sempre foi
costume na Igreja de Deus receberem os leigos a comunhão das mãos do sacerdote,
e os sacerdotes darem-na a si próprios, quando celebram [cân. 10]. Com razão e
justiça se deve conservar este costume como proveniente da Tradição apostólica.
882.
Finalmente o santo Concilio, com paternal afeto, admoesta, exorta, roga e pede pelas
entranhas da misericórdia de nosso Deus (Lc l, 78) que todos os que têm o
nome de cristãos enfim concordem neste "sinal de união", neste
"vínculo de caridade"10, neste símbolo de concórdia, lembrados
de tanta majestade e de tão insigne amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
deu a sua dileta alma por preço de nossa salvação, e nos ofereceu sua carne
por comida (Jo 6, 48 ss); e também creiam e venerem estes sagrados
mistérios de seu corpo e sangue com tal constância e firmeza de fé, com tal
devoção de ânimo e com piedade e veneração tais, que possam receber
freqüentemente aquele pão sobre-substancial (Mt 6, 11). E que seja para
eles verdadeiramente vida da alma e saúde do espírito, e confortados com
este vigor (3 Rs 19, 8) possam, pelo caminho desta miserável peregrinação,
chegar à pátria celestial para comerem deste pão dos anjos (Sl 77, 25)
sem cobertura alguma, o que agora comem encoberto por véus sagrados.
Mas, como não basta dizer a verdade,
sem que sejam postos à luz e refutados os erros, quis o santo Concilio ajuntar
estes cânones para que, tendo todos entendido a doutrina católica, saibam
também contra que heresias se devem acautelar e [quais as que devem] evitar.
(10)
Cfr. S. Agostinho, Sn Io. tract. 26, 13 (PL 35, 1612).