V e Ultima Parte
A FESTA DE JESUS CRISTO-REI
18. E a fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas
vantagens e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o
conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador. Ora, nada pode, pelo que Nos
parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa
própria e especial em honra de Cristo-Rei.
Influência da liturgia na
vida cristã.
19. Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim
às alegrias da vida interna, mais eficazes que os documentos mais importantes
do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios.
Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam um restrito número de
espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a
universalidade dos fiéis. Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as
segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se,
sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas
também no coração, quer dizer — no homem todo. Composto de corpo e alma,
precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através
da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina,
e, transformando-a em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua
vida espiritual.
Origem histórica e providencial das festas
na Igreja.
20. Além disso, ensina-nos a própria história, que estas festividades
litúrgicas foram introduzidas, no decorrer dos séculos, umas após outras, para
responder a necessidades ou vantagens espirituais do povocristão. Foram-se
constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum perigo comum, para
premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os
corações a celebrar com mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou
algum benefício da divina graça. Assim é que, desde os primeiros tempos da era
cristã, quando, acossados das mais cruentas perseguições, os fiéis começaram,
com sagrados ritos, a comemorar os mártires, para que — como diz S. Agostinho
— “as solenidades dos mártires fossem exortação ao martírio” (Sermo
47, de Sanctis). As honras litúrgicas, mais tardes decretadas aos confessores,
às virgens, às viúvas, contribuíram singularmente para promover nos fiéis o
zelo pela virtude, indispensável mesmo em tempo de paz. Especialmente as festas
em honra da Virgem Beatíssima fizeram com que o povo cristão não só tributasse
à Mãe de Deus, sua Protetora por excelência, culto mais assíduo, senão que ao
mesmo tempo fosse de contínuo crescendo seu amor filial à Mãe que o Redentor
lhe deixara como que em testamento. Dentre os benefícios que dimanaram do culto
público e legitimamente prestado à Mãe de Deus e aos Santos do Céu, não é o
menor a vitória constante com que a Igreja se cobriu de louros, ao debelar e
repelir a heresia e o erro. E nisto devemos admirar os desígnios da Divina
Providência, que, segundo costuma, tira o bem do mal. Permitiu que, de tempos a
tempos, entibiasse a fé e a piedade popular; permitiu que doutrinas errôneas
armassem insídias à piedade católica, mas sempre com o intuito de fazer
finalmente fulgir a verdade com novo esplendor e mover os fiéis, espertos da
tibieza, a tenderem com novo zelo a graus mais elevados de santidade e
perfeição cristã. Idêntica é a origem, idênticos os frutos que produziram as
solenidades recentemente introduzidas no calendário litúrgico. Tal é a festa
do “Corpus Christi”, instituída quando se esfriava a reverência e o culto
para com o SS. Sacramento; celebrada com brilho singular, protraída por oito
dias de suplicações coletivas, a nova solenidade devia reconduzir os povos
à adoração pública do Senhor. Tal é a festa do Coração Santíssimo de
Jesus estabelecida na época em que, abatidos e desalentados pelas tristes
doutrinas e o rigorismo sombrio do jansenismo, os fiéis sentiam seus
corações regelados e com escrúpulo deles excluíam todo sentimento de amor de
Deus e a esperança de conseguirem a eterna salvação.
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