(Jesus
Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos
os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu
do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)
I. — Filho, aprende de Mim, o quê? não a fabricar o mundo, não a fazer
milagres, mas a ser humilde e manso do coração [1].
Reflete na Minha vida, e compara-a um pouco contigo mesmo. Sou alguma coisa
mais do que tu; todavia quis nascer de uma Virgem pobre, em um presépio,
reputado como Filho de um artista; vesti como pobre, tratei-me em tudo como
pobre, e como tal fui considerado no mundo; e tu, sendo tão vil e miserável
desde o nascimento quererás ostentar grandeza, no trato, no vestido, em tudo?
Não poderia Eu, apenas nascido, encher o mundo com a fama de Minhas obras
maravilhosas? Mas olha como vivi por trinta anos, em um pobre casebre, numa
humilde oficina. Questionei com os doutores da Lei, e fui crescendo em ciência
e graça ao passo que cresciam os anos; mas sempre em ocupações de uma vida
pobre e comum, sem querer ser conhecido nem estimado; e tu, ignorante, mas
soberbo, recusas o ensino, os conselhos, inculcas ser o que não és, e assim
pretendes Ordens sagradas e empregos sem disposição nem méritos; e, fugindo das
obras humildes, buscas sempre as mais ostentosas.
Que concluis tu deste paralelo? Eu vivi sujeito às leis, obediente a Minha Mãe,
e ainda a José; recebi o Batismo de João; e tu, altivo, mostras tão pouco
respeito às leis da Igreja, do Bispo, de teus superiores?
Desengana-te, filho, que Eu não atendo nem comunico Minhas graças senão aos
humildes. Se te não fizeres pequenino, como um menino, não entrarás no reino do
Céu: este é o fundamento de toda a vida cristã, e muito mais da vida
eclesiástica; e pretenderás tu construir um edifício sem alicerce? [2]
II.
— Eu, depois que comecei a vida publica, busquei acaso em todos os Meus
trabalhos, pregações e milagres outra glória que não fosse a de Meu eterno Pai?
E tu, que nada és, nada podes, nada vales, não buscarás senão a tua glória vã,
louca, nociva, e até á custa da Minha? Eu a ninguém falei com altivez;
falei dos príncipes, ainda que pagãos, com todo o respeito; enviei as turbas
aos Sacerdotes, ainda que Meus perseguidores; com ninguém porfiei, e ensinei ao
maior que se fizesse menor, e se submetesse a todos, ainda que defensores e
usurpadores injustos dos bens terrenos. E tu colheste acaso destes exemplos a
arrogância, a murmuração e critica dos defeitos alheios, a altercação, o
envenenamento das ações e ditos do próximo, até de Sacerdotes e Regulares, sempre
com escândalo dos leigos? colheste a ira, as injúrias, o ressentimento
implacável contra os que te ofendem?
Eu fugi de reinar e de toda a humana grandeza; limitei-Me a pregar somente na
Judeia, a pobrezinhos, a poucos ouvintes, e até a uma só vil samaritana;
chamei, para Me coadjuvar, discípulos pobres, como se deles necessitasse;
dei-lhes poder de fazerem milagres, ainda maiores que os Meus, e de levarem por
toda a terra o Meu Evangelho: abati-Me a ponto de lavar-lhes os pés, como se
fôra seu servo; humilhei-Me, fiz-Me o mínimo entre todos: até nos Meus dons e
milagres fiz porventura alguma ostentação de grandeza? na Eucaristia não Me
escondo eu sob as espécies do sustento mais vulgar? E tu ainda ambicionarás
títulos, buscarás os primeiros postos e preeminências, e até em teus
ministérios introduzirás inveja e pontinhos de honra, com escândalo dos
seculares? E presumirás agradar a Deus, e converter-Me as almas por meio
da aspereza e soberba, quando eu só empreguei o da mansidão e humildade?
III. —
Em que mar de ignomínias e de aviltamento não estive submergido na Minha
Paixão! Abandonado dos Meus, traído por Judas, negado por Pedro, perseguido dos
Sacerdotes, tratado como louco, posposto a Barrabás; afrontado, oprimido,
condenado injustíssimamente a um infame patíbulo; contudo não resisti, não
desmenti as calúnias, não Me defendi, não requeri justiça. Se falei, não foi
para Me livrar das injúrias, mas para declarar a verdade, ainda que previa que
elas se Me aumentariam; e tu, sendo culpado, não sofrerás correção, não
quererás sequer comparecer como réu perante um confessor desconhecido?
queixar-te-ás de Mim se te mandar tribulações? exigirás, se te tocarem, a mais
severa satisfação? e tu, para evitar uma humilhação, algum ditério, dissimularás,
desfigurarás, encobrirás a verdade, devida a teu ministério?
Pergunta a Meus inimigos como os tratei; que doces palavras dirigi a um Judas?
pedi perdão para os que Me crucificaram; e, sendo provocado no Calvário a
descer da Cruz, posto que podia com uma só palavra, com um gesto livrar-Me das
irrisões, quis antes morrer entre celerados, cheio de opróbrios, e ser a
abjeção de todos. E assim venci a fereza e orgulho humano; triunfei do mundo,
da morte e do Inferno; consegui a redenção das almas, a glória de Meu eterno
Pai e do Meu nome.
Deste modo ensinei-te acaso a sustentar a tua honra com arrogância e fausto? e
lisonjear-te-ás que assim deves obrar pela Minha glória?[3] Ah filho, as
humilhações conduzem à humildade, e a humildade à glória.
Fruto. —
Refreia a altivez e a aspereza [4]. Dizia S. Francisco de Sales que se
caçam mais moscas com uma só colher de mel, que com cem barris de vinagre; e
sendo-lhe objetado que S. Paulo manda insistir «oportuna e importunamente»,
respondeu que toda a força deste lugar do Apóstolo estava naquelas duas
palavras, que se seguem: «com toda a paciência e doutrina». A doutrina é a
verdade, mas deve ensinar-se com paciência, sofrendo, como Jesus Cristo, se for
rejeitada e feita alvo de contradições.
Busca sempre a glória de Deus; se buscas a tua, és um ladrão.
É Sacerdote, e por isso deves humilhar-te tanto mais, quanto a grandeza
da tua dignidade e dos dons de Deus, a que não correspondes, te obrigam as mais
rigorosas contas.
Foi este o motivo por que S. Francisco e muitos outros recusaram o sacerdócio;
houve até quem cortasse o dedo polegar, como S. Marcos, e uma orelha como o B.
Pedro e S. Amônio, para não poderem ser admitidos ao sacerdócio; outros houve
que pediram antes a morte, como S. Hilarião.
Notas:
______________
[1] De humilitate Christus, tanquam summa suæ
doctrinæ, suarumque virtutum gloriatus est: Discite, a me, non quod sobrius,
aut castus, aut prudens, aut aliquid ejusmodi; sed quia mitis sum, et humilis
corde. A me, inquit, discite: non ad alios vos mitto, sed me vobis exemplum, me
formam humilitatis exhibeo. (Bern., Epist. 42.) Morum mansuetude, et humilitas
cordis, præcipua sacerdotis insignia sunt. Talis enim fuit Christus, qui dixit:
Discito a me, ... (Basil., Reg. fus., 43.)
[2] Magnus esse
vis! A minimo incipe. Cogitas magnam fabricam construere celsitudinis? De
fundamento prius cogita humilitatis, ... (August., Hom. brev. 16 Janua.)
[3] Et hoc
manifestum est non placere Deo cum sit contra exempla Christi, et
Sanctorum, qui docent humilitatem et modestiam. Mentitur ergo iniquitas sibi,
cum dicit se per talia velle Deo placere, cum in rei veritate placere non
intendat, nisi sibi, vel mundo. (F. Bartholom., Stimulus Past., part. II,
cap. 6).
[4] Sectare
mansuetuninem et pacem. Servum Domini non oportet ligitare, sed mansuetum esse
ad omnes, docibilem, patientem, cum modéstia corrijantein eos, qui
resistunt veritati. (1.ª Ad. Tim., VI,11.)
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