III Parte
ÍNDOLE DA REALEZA DE CRISTO
A Cristo-Rei cabe o poder
legislativo, judicial, executivo.
11. Para dizer, em poucas palavras, a importância e índole desta
realeza, será apenas necessário asserir que abrange um tríplice poder
constitutivo, essencial de toda realeza verdadeira. Provam-no de sobejo os
testemunhos de toda a Escritura no tocante à dominação universal de nosso
Redentor, e é artigo de fé católica: Cristo Jesus foi dado aos homens não só
como Redentor, que lhes merece toda confiança, mas também como Legislador, a
quem devemos prestar obediência (Conc. Trid., Sess. 6, can. 21). E, com
efeito, não dizem os Evangelhos tão só que promulgou leis, mas no-lo
representam no ato de promulgar as leis. A quantos observarem os seus
preceitos, declara o Divino Mestre, em várias ocasiões e de diversos modos, que
com isto mesmo Lhe hão de provar o seu amor e permanecer em sua caridade (Jo
14, 15); 15, 10). — Quanto ao “poder judicial”, declara o
próprio Jesus havê-lo recebido de seu Pai, em resposta aos judeus, que o haviam
acusado de violar o descanso do sábado, curando milagrosamente, neste dia, a um
paralítico. “O Pai, disse-lhes o Salvador, não julga a ninguém, mas
deu todo juízo ao Filho” (Jo 5, 22). Esse poder judicial igualmente inclui
o “direito”, — que se não pode dele separar, —
de “premiar” e “punir” aos homens, mesmo durante a vida. —
A Cristo compete o “poder executivo”, porquanto devem todos
sujeitar-se ao seu domínio, e quem for rebelde não poderá evitar a condenação e
os suplícios, que Jesus prenunciou.
Realeza espiritual.
12. Esta realeza, porém, é principalmente interna e respeita
sobretudo a ordem espiritual. Provam-no com toda evidência as palavras da
Escritura acima referidas, e, em muitas circunstâncias, o proceder do
próprio Salvador. Quando os judeus, e até os Apóstolos, erradamente imaginavam
que o Messias libertaria seu povo para restaurar o reino de Israel, Jesus
desfez o erro e dissipou a ilusória esperança. Quando, tomada de entusiasmo, a
turba, que O cerca, O quer proclamar rei, com a fuga furta-se o
Senhor a estas honras, e oculta-se. Mais tarde, perante o governador romano,
declara que seu reino “não é deste mundo”. Neste reino, tal como no-lo
descreve o Evangelho, é pela penitência que devem os homens entrar. Ninguém,
com efeito, pode nele ser admitido sem a fé e o batismo; mas o batismo,
conquanto seja um rito exterior, figura e realiza uma regeneração interna. Este
reino opõe-se ao reino de Satanás e ao poder das trevas; de seus adeptos exige
o desprendimento não só das riquezas e dos bens terrestres, como ainda a
mansidão, a fome e sede da justiça, a abnegação de si mesmo, para carregar com
a cruz. Foi para adquirir a Igreja que Cristo, enquanto “Redentor”, verteu
o seu sangue; para isto é, que, enquanto“Sacerdote”, se ofereceu e de contínuo
se oferece como vítima. Quem não vê, em conseqüência, que sua realeza deve ser
de índole toda espiritual, e participar da natureza deste seu duplo ofício?
13. Todavia, fora erro grosseiro denegar a Cristo Homem a soberania
sobre as coisas temporais todas, sejam quais forem. Do Pai recebeu Jesus o mais
absoluto domínio das criaturas, que Lhe permite dispor delas todas como Lhe
aprouver. Contudo, enquanto viveu sobre a Terra, absteve-se totalmente de
exercereste domínio temporal, e desprezou a posse e regimento das coisas
humanas, que deixou — e deixa ainda — ao arbítrio e domínio dos homens. Verdade
graciosamente expressa no conhecido verso: “Não arrebata diademas terrestres,
quem distribui coroas celestes. — Non eripit mortalia, qui regna dat
caelestia” (HinoCrudelis Herodes, of. da Epif.).
Realeza universal.
14. Assim, pois, a realeza do nosso Redentor abraça a totalidade dos
homens. Sobre este ponto, de muito bom grado fazemos Nossas as palavras
seguintes de Nosso Predecessor Leão XIII, de imortal memória: “Seu império
não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que
juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas
ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo
alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo
rigor da verdade, o gênero humano inteiro” (Encícl. Annum
Sacrum, 25 de Maio de 1899). E, neste particular, não cabe fazer distinção
entre os indivíduos, as famílias e os estados; pois os homens não estão menos
sujeitos à autoridade de Cristo em sua vida coletiva do que na vida individual.
Cristo é fonte única de salvação para as nações como para os indivíduos. “Não
há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado
aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos”(At 4, 12). Dele provêm ao estado
como ao cidadão toda prosperidade e bem-estar verdadeiro. “Uma e única é a
fonte da ventura, assim para as nações como para os indivíduos, pois outra
coisa não é a cidade mais que uma multidão concorde de indivíduos” (S.
Aug., Epist. ad Macedonium, c. 3). Não podem, pois, os homens de governo
recusar à soberania de Cristo, em seu nome pessoal e no de seus povos, públicas
homenagens de respeito e submissão. Com isto, sobre estearem o próprio poder,
hão de promover e aumentar a prosperidade nacional.
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