II Parte
FUNDAMENTO DOUTRINAL DA NOVA FESTA.
Cristo-Rei no sentido metafórico.

Cristo Deus-Homem Rei da
Humanidade em sentido próprio.
5. Aprofundemos sempre mais o nosso argumento. É manifesto que o nome e
o poder de “Rei”, no sentido próprio da palavra, competem a Cristo em sua
Humanidade, porque só de Cristo enquanto homem é que se pode dizer: do Pai
recebeu “poder, honra e realeza” (Dan 7, 13-14). Enquanto Verbo,
consubstanciai ao Pai, não pode deixar de Lhe ser em tudo igual e, portanto, de
ter, como Ele, a suprema e absoluta soberania e domínio de todas as criaturas.
Testemunho ao Antigo Testamento.
6. Que Cristo seja Rei, não o lemos nós na Escritura? Ele é
o “Dominador oriundo de Jacob” (Num 24, 19), Ele o “Rei, dado
pelo Pai a Sião, sua Santa Montanha, para receber em herança as nações, e
dilatar seu domínio até os confins da Terra” (Sl 2, 6. 8), Ele o
verdadeiro “Rei vindouro” de Israel, que o cântico nupcial nos
representa sob os traços de um soberano opulento e poderoso, a quem se dirigem
estas palavras: “O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos: a
vara de retidão é a vara de teu reino” (Sl 44, 7). Omitindo muitos passos
análogos, deparamos além, como, para delinear com maior nitidez a fisionomia de
Cristo, vem predito que seu reino desconhecerá fronteiras e desfrutará os
tesouros da justiça e da paz. “Nos dias d'Ele, aparecerá justiça e
abundância de paz... E dominará de mar a mar, e desde o rio até os confins da
Terra” (SL 71, 7-8). A esses testemunhos, juntam-se mais numerosos ainda
os oráculos dos Profetas, e notadamente a tão conhecida profecia de
Isaías: “Já um Pequenino se acha nascido para nós, e um filho nos foi
dado, e foi posto o principado sobre o seu ombro; e o nome com que se apelide
será Admirável, Conselheiro, Deus, Forte, Pai do futuro século, Príncipe da
Paz. O seu império se estenderá cada vez mais, e a paz não terá fim;
assentar-se-á sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o firmar e
fortalecer em juízo e justiça, desde então e para sempre” (Is 9, 6-7).

Testemunho do Novo Testamento.
8. Esta doutrina de “Cristo Rei”, que acabamos de esboçar segundo
os livros do Antigo Testamento, bem longe de apagar-se nas páginas do Novo, vem
ali, ao invés, confirmada do modo mais esplêndido e em termos admiráveis.
Bastará lembrar apenas a mensagem do Arcanjo à Virgem, a anunciar-lhe que dará
à luz um Filho; a este Filho, Deus outorgará “o trono de David, seu pai, e
reinará eternamente na casa de Jacob, e seu reino não terá fim” (Lc 1,
32-33). Ouçamos agora o testemunho do próprio Cristo no tocante à sua
soberania. Sempre que se Lhe oferece ensejo, — em seu último discurso ao povo,
sobre a recompensa e os castigos que, na vida eterna, aguardam os justos e os
maus; em sua resposta ao governador romano que Lhe perguntara se era Rei;
depois de sua ressurreição, quando confia aos Apóstolos a missão de instruírem
e batizarem todas as nações, — reivindica o título de “Rei” (Mt 25,
31-40), e publicamente declara que é “Rei” (Jo 18, 37) e
que “todo poder Lhe foi dado no Céu e sobre a Terra” (Mt 28, 18). Que
entende com isto, senão afirmar a extensão de sua potência, a imensidade do seu
reino? À vista disto, deverá fazer-nos estranheza que S. João o
proclame “Príncipe dos reis da terra? (Apoc 1, 5) ou que, aparecendo o
próprio Jesus ao mesmo Apóstolo em suas visões proféticas “traga escrito
no vestido e na coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores”? (Apoc 19, 16). O Pai,
com efeito, constituiu a Cristo “herdeiro de todas as
coisas” (Heb 1, 1). Cumpre que reine até o fim dos tempos,
quando “arrojará todos os seus inimigos sob os pés de Deus e do
Pai” (1 Cor 15, 25).
Testemunho da Liturgia.
9. Desta doutrina comum a todos os livros santos, naturalmente dimana a
seguinte conseqüência: justo é que a Igreja Católica, reino de Cristo na Terra,
chamada a estender-se a todos os homens, a todas as nações do universo,
multiplicando os preitos de veneração, celebre, no ciclo anual da Liturgia
Santa, a seu Autor e Instituidor como a Rei, como a Senhor, como a Rei dos
reis. Com admirável variedade de fórmulas, estas homenagens expressam um e o
mesmo pensamento; desses títulos servia-se a Igreja outrora no divino ofício e
nos antigos sacramentados; repete-os ainda agora, nas preces públicas, que
todos os dias dirige à Infinita Majestade e na oblação da Hóstia Imaculada.
Nesse louvor ininterrupto de Cristo-Rei, nota-se para logo a formosa harmonia
dos nossos ritos com os ritos orientais, verificando-se aqui também a verdade,
do prolóquio: “as normas da oração confirmam os princípios da Fé”.
Argumento teológico.
10. O fundamento sobre que pousa esta dignidade e poder de Nosso Senhor,
define-o exatamente S. Cirilo de Alexandria, quando escreve: “Numa
palavra, possui o domínio de todas as criaturas, não pelo ter arrebatado com
violência, senão em virtude de sua essência e natureza” (In Lucam, 10).
Esse poder dimana daquela admirável união que os teólogos chamam
de “hipostática”. Portanto, não só merece Cristo que anjos e homens O
adorem como a seu Deus, senão que também devem homens e anjos prestar-Lhe
submissa obediência como a Homem. E assim, só em força dessa união, a Cristo
cabe o mais absoluto poder sobre todas as criaturas, posto que, durante sua
vida mortal, renunciasse ao exercício desse domínio.
— Mas haverá, outrossim, pensamento mais suave do que refletir que
Cristo é nosso Rei não só por direito de natureza, mas também a título de
Redentor? Lembrem-se os homens esquecidos de quanto custamos a nosso
Salvador. “Não fostes resgatados a preço de coisas perecíveis, prata e
outro, mas com o sangue precioso de Cristo, como de cordeiro sem mancha nem
defeito” (1 Ped 1, 18-19). Já nos não pertencemos, pois que deu Cristo por
nós “tão valioso resgate” (1 Cor 6, 20). Até nossos corpos
são“membros de Cristo” (1 Cor 6, 15).
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