Nota do Blogue: Agradecemos aos amigos do
blogue Alexandria
Católica pela transcrição, Salve Maria!
Traduzido
do latim por um frade da mesma Ordem
Editora
Vozes, Petrópolis, 1921.
I PARTE
Prefácio do Tradutor
Entre todas as Obras místicas de São
Boaventura é A direção da alma a que mais notavelmente e com
nitidez no-lo mostra abalizado mestre da vida espiritual. É muito pouco extenso
este tratado. Seu autor, porém, concretizou nele os princípios básicos sobre os
quais deseja levante a alma o edifício da vida espiritual. O leitor, sequioso
de seu próprio aperfeiçoamento, encontrará neste opúsculo matéria abundante
para proveitosas meditações e um guia seguro na direção de sua alma.
Entretanto, com uma leitura rápida e superficial não se chegará sequer a
avaliar a importância real do conteúdo da obra. Mas quem pausadamente a
saboreia e estuda, certifica-se que o Doutor Seráfico expõe com mão de mestre,
embora sucintamente, como a alma deve haver-se para com Deus e para com o
próximo, o que quer dizer nas suas relações mais importantes e graves.
A alma então terá em si uma base sólida sobre
a qual poderá edificar, se nutre de Deus uma ideia altíssima, piíssima
e santíssima e se abraça a lei de Deus com humildade, devoção e
pureza. As faltas a alma as refaz pelo arrependimento, pelo santo temor
e santo desejo. Na convivência com o próximo devem resplandecer a modéstia, a justiça e
a piedade em suas diversas formas. É este o resumo da lição
eficientíssima do presente opúsculo.
Segundo o prólogo do códice, conservado no
Vaticano, São Boaventura escreveu este tratado para a princesa Branca, filha de
São Luiz, rei da França, casada com Fernando, filho de Afonso X da Espanha.
Depois da morte do marido, Branca voltou para Paris, onde morreu.
A DIREÇÃO DA ALMA
Antes de tudo, minha alma, é necessário que
do bom Deus faças uma idéia altíssima, piíssima e santíssima.
A isto chegarás por meio de fé inabalável, meditação atenta e lúcida intuição
repassada de admiração.
1. - Altíssima será a idéia
que fazes de Deus se fiel, piedosa e claramente crês, admiras e louvas seu
poder imenso, que do nada criou tudo e tudo sustenta; sua sabedoria infinita
que tudo dispõe e governa; sua justiça ilimitada que tudo julga e
recompensa; e se, saindo de ti e voltando de novo e elevando-te acima de ti,
com todas as veras cantas com o profeta: "Regozijaram-se as filhas de
Judá pelos teus juízos, Senhor, porque tu és Senhor altíssimo sobre toda a
terra, tu és sobremaneira exaltado sobre todos os deuses" (Ps. 96, 8 e
9).
2. - A idéia que fazes de Deus será
piíssima se admiras, abraças e bendizes a sua imensa misericórdia que
se mostrou sumamente benigna em tomar a nossa natureza humana
e mortalidade, sumamente terna em suportar a cruz e a morte,
sumamente liberal em mandar o Espírito Santo e instituir os
Sacramentos, principalmente comunicando-se a si mesmo liberalissimamente no
Sacramento do altar, para que de coração possas cantar as palavras do salmo:
"Suave é o Senhor para com todos e as suas misericórdias são sobre
todas as suas obras" (Ps. 144, 9).
3. - A idéia que fazes de Deus será santíssima se
consideras, admiras e louvas a sua inefável santidade e o
proclamas, com os bem-aventurados Serafins: Santo, santo, santo!
Santo quer dizer, em primeiro lugar, que possui Ele a santidade em grau
tão elevado e com tanta pureza que Lhe é impossível querer ou aprovar coisa
alguma que não seja santa.
Santo, em segundo lugar, por Ele amar a santidade nos outros, de forma que
Lhe é impossível subtrair os dons da graça ou negar o prêmio da glória aos que
na verdade conservam a santidade.
Santo, em terceiro lugar, por Ele aborrecer tanto o contrário da santidade
que Lhe é impossível não reprovar os pecados ou deixá-los impunes.
Se desta forma pensas de Deus, cantarás com
Moisés, o legislador da Antiga lei: "Deus é fiel e sem nenhuma
iniquidade, justo e reto" (V Moisés, 32, 4).
II
Depois, dirige o teu olhar sobre a lei
de Deus que te manda oferecer ao Altíssimo um coração humilde,
ao Piíssimo um coração devoto, ao Santíssimo um coração ilibado.
1. - Um coração humilde, digo,
deves oferecer ao Altíssimo pela reverência no
Espírito, pela obediência nas obras, pela honra nas palavras e nos
atos, observando a apostólica regra e doutrina: "Faze tudo para a
glória de Deus" (I Cor., 10, 31).
2. - Um coração devoto deves
oferecer ao Piíssimo, invocando em orações fervorosas,
saboreando doçuras espirituais, dando muitas graças para que tua alma sempre
mais a Deus "ascenda pelo deserto como uma varinha de fumo composto de aromas
de mirra e de incenso" (Cântico dos Cânticos, 3, 6).
3. - Um coração ilibado deves
oferecer ao Esposo santíssimo de maneira que não reine em ti,
- nem nos sentidos, nem na vontade, nem no afeto, - algum prazer em deleites
desordenados, desejo de coisas terrenas, nenhum movimento de maldade interna, e
assim, livre de toda a mácula de pecado, possas cantar com o salmista: "Seja
imaculado o meu coração nas tuas justificações para que não seja confundido"
(Ps. 118, 80).
Reflete, pois, diligentemente e vê se tudo
isto observaste desde a juventude. Se a consciência t'o afirmar, não o atribuas
a ti mesmo, mas à mercê de Deus e rende-lhe graças. Se, porém, achares que uma
ou mais vezes, num ponto ou em alguns, ou talvez em todos eles, faltaste grave
ou levemente, por fraqueza, por ignorância ou com pleno conhecimento, procura
reconciliar-te com Deus com "gemidos inexplicáveis" (Rom. 8,
26) e, para Lhe mostrar a emenda, reveste-te do Espírito de penitência, para
que possas cantar com o salmista penitente: "Porque preparado estou
para os açoites, e a minha dor está sempre diante de mim" (Ps. 37,
18).
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