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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Sobre os dez Mandamentos - Papa Pio XII 2ª Parte

2. OS MANDAMENTOS DE DEUS, EM PARTICULAR 

Se olhamos agora os mandamentos de Deus singularmente, pode-se bem dizer que cada um deles tornou-se um grito de alarma, cada qual mostra um grave perigo moral. Os tempos passados tinham visto também eles sérias desordens: quem poderia isto negar? Mas algumas colunas, que sustentavam a ordem ética, antes de tudo, a fé em Deus, a autoridade dos pais e dos poderes públicos, permaneciam sempre sólidas e intatas. Hoje todo o edifício da moral está ameaçado, insidiado e revolvido. Um sinal característico de tal decadência é que com o diminuir da fé em Deus, e com a simultânea exageração e abuso que não raramente se dá ao poder público, não só as formas concretas, mas também o próprio princípio da autoridade tornam-se "pedras de escândalo" e encontram refugo. 

Cremos, entretanto, que para sanar e melhorar tal estado de coisas, dois remédios particularmente ajudariam. Em primeiro lugar, restitua-se a autoridade dos genitores, em todos os seus direitos, também lá onde ela foi restringida e absorvida, por exemplo, no campo da escola e da educação. Pois todos os que têm uma autoridade pública, todas as classes dirigentes, até os empregadores e os educadores da juventude, procedam eles mesmos com exemplo de uma vida escrupulosa e exercitem o poder moral inerente ao seu ofício conforme as leis da justiça e do amor. A tal modelo de probidade o mundo permaneceria admirado, vendo quais prodígios de pública tranqüilidade e confiança poderiam surgir. 

No terreno da recíproca lealdade e veracidade reina e se expande um ar viciado, no qual as pessoas de boa-fé sentem faltar-lhes a respiração. Quem teria esperado que depois de toda a alta civilização ou a superior cultura que foram a glória da idade precedente, o respeito para com o direito teria encontrado perigos, competições e violações, quais somente os períodos mais obscuros da história conheceram? Mas também em tal matéria a chave de toda solução foi dada pela fé em Deus pessoal que é fonte de justiça e reservou a si o direito sobre a vida e sobre a morte. Nada senão esta fé poderá conferir a força moral para observar os devidos limites diante de todas as insídias e tentações para atravessá-las; tendo presente ao olhar que, excetuando-se os casos de legítima defesa privada, a guerra justa e realizada com justos métodos, e da pena de morte aplicada pela autoridade pública para bem determinados e provados gravíssimos delitos, a vida humana é intangível. 

Sobre os mandamentos chamados "da primeira tábua", que dizem respeito a Deus, achamos oportuno duas observações. 

A primeira concerne ao sentido mesmo do culto a ser rendido a Deus, sentido que nos últimos 105 anos veio sendo obscurecido também em meio dos fiéis. Se de fato em todo tempo acontece que no santuário da vida religiosa pessoal os homens procurem e tentem fazer progredir o próprio interesse, este se nota, além da medida, verificado e provado sob o influxo da soberba e vaidosa cultura materialística, que senhoreia as gerações modernas. 

Quis-se reduzir as relações entre Deus e o homem no auxílio divino nas ocorrências materiais e terrenas; quanto ao resto, o homem quer fazer por si mesmo quase como se não mais houvesse necessidade do sustento divino. 

O culto de Deus tornou-se um conceito do útil; a religião da esfera do espírito caiu na da matéria. A prática religiosa não usava senão pedir favores ao céu para as necessidades da terra, fazendo quase as contas com Deus: a fé vacilava, se o auxílio não correspondia ao desejo. Que religião e fé antes de tudo importam adoração e serviço de Deus; que existam mandamentos de Deus, os quais obrigam sempre, em cada lugar e em todas as circunstâncias, que para o cristão a vida futura domine e determine a terrena, estes conceitos e estas verdades, que regem e guiam o intelecto e a vontade do crente, tornaram-se estranhos ao pensamento e ao sentimento do espírito humano. 


A tal transviamento qual remédio convém opor? É necessário que as grandes verdades e os grandes conceitos da fé retornem como vida e realidade, em todas as classes do povo, nas superiores ainda mais do que nas deserdadas e provadas pela indigência e miséria daqui debaixo. E necessidade mais urgente disto na educação religiosa não há talvez no presente, que não só o exige, mas o facilita também a que isto se providencie, porque quanto agora de mal e de desventura a humanidade experimenta, pela decadência da moral e da justiça, vem a ser uma correção terrivelmente clara e dolorosa pela falsa idéia de Deus e da religião subvertida em sua prática. 

Foi dito que o prodígio destes anos são os milhões de fiéis que honram a Deus e o servem, submetidos aos seus mandamentos, embora tenham vindo a encontrar-se em condições de indizíveis apertos. Certamente existem tão devotos e impávidos cristãos, glória da Igreja. 

O culto de Deus, que no curso da vida humana deveria iniciar e fechar cada dia, impõe ademais deveres especiais para a santificação das festas; aqui cabe nossa segunda observação. Não se pode, certamente reprovar a Igreja de querer aplicar o preceito dominical com excessiva dureza, a ela que o determina e o regula com aquela "benignitas et humanitas", das quais deu exemplo o seu divino Fundador. Mas contra a profanação e o transmudamento leigo do dia sagrado de domingo, que com o ritmo crescente vem sendo espoliado de seu caráter religioso, e em tal modo afastam os homens de Deus, a Igreja, guarda da lei divina, deve opor-se e fazer frente com santa firmeza. 

Deve fazer barreira a Igreja contra a absorção e a distração derivantes do esporte excessivo, a tal ponto que não há mais tempo para a oração, para o recolhimento e para o repouso, os membros da família são, forçosamente, um separado do outro, e os filhos permanecem alheios e fora da vigilância de seus genitores. Oponha-se, sem temor, àqueles divertimentos, que, como o cinema imoral, mudam o domingo em dia de pecados. Finalmente deve dar-se ao devido repouso e descanso festivo, que se muda mais do que qualquer outra coisa em vantagem de elevação religiosa, de renovamento espiritual e de concorde progresso da vida de família. 

Deus, o nome de Deus e o culto de Deus constituem a "primeira tábua"; próximo, e os deveres e direitos da vida humana aparecem na "segunda tábua", a qual, se une com a primeira forma do decálogo, quase do modo em que o amor de Deus e o amor do homem se unem para constituir um só amor que de Deus reverte sobre o próximo. Mais numerosos são os preceitos contidos nesta "segunda tábua", que mereceriam muitas observações; mas como poderemos Nós deixar de recordar as palavras "Non moechaberis"? É dizer muito, se Nos lamentamos que contra tal mandamento, exatamente os países que se gloriam de mais civilizados apresentam um espetáculo de mais profunda devastação moral, e se adicione que os seus vestígios são visíveis na Cidade Eterna? Nós bem sabemos quanto também as reformas econômicas e sociais devem eficazmente influir para salvar o matrimônio e a família; mas tal salvação, em fins de contas, permanece um dever e uma obrigação religiosa, cujo processo curativo deve ter começo nas raízes. A inteira concepção do campo da vida, que entra no sexto mandamento está infetada daquilo que se poderia chamar "o matrimônio no filme" o qual outro não é senão uma irreverente e impudica amostra das contaminações do matrimônio e da infidelidade conjugal, que arrasta a ver nas núpcias desvencilhadas de toda ligação moral, somente como a cena e fonte de prazeres sensuais, e não como obra de Deus, como santa instituição, obrigação natural e pura felicidade, na qual o elemento espiritual sempre domina e sobrepuja, como escola e ao mesmo tempo triunfo de um amor fiel até o túmulo, até a porta da eternidade. Fazer reviver tal visão cristã do matrimônio entre os fiéis, não é porventura um dever da cura das almas? 

É necessário que a vida conjugal seja novamente revestida e circundada deste respeito, do qual a sã e incorruta natureza e a revelação desde o princípio adornaram; respeito pela força, que Deus admiravelmente infundiu na natureza para suscitar novas vidas, para edificar a família, para a conservação do gênero humano. A educação dos jovens na castidade dos pensamentos e dos afetos, a continência antes do matrimônio, não é a última meta, a qual tende e mira a pedagogia cristã; mas sim a demonstração de sua eficácia em formar o espírito contra os perigos que insidiam a vida. O Jovem que afronta e vitoriosamente sustém a luta pela pureza, observará também os demais mandamentos de Deus e será apto para fundar uma família segundo os desígnios do Criador. Ao invés, como se poderia esperar a castidade e fidelidade conjugal de um jovem que não soube jamais vencer a si mesmo e assenhorear-se de suas paixões, desprezar os maus convites e os maus exemplos, e que se permitiu antes das núpcias toda desordem moral? 

Se o médico das almas - como tem obrigação sagrada diante de Deus e da Igreja - quer obter vitória contra os dois cancros da família, o abuso do matrimônio e a violação da fé conjugal, deve formar, crescer e instruir, com os lumens da fé, uma geração que desde os primeiros anos tenham aprendido a pensar santamente, a viver castamente, a dominar a si mesma. 

Pensar santamente sobretudo da mulher. O "matrimônio no cinema" tem nesta matéria agido no modo mais funesto possível; tirou ao homem o respeito da mulher, e depois à mulher o respeito de si mesma. Passam a educação e o cuidado das almas reconduzir as mentes e os corações ao antigo e puro ideal da mulher, mostrando a elas a Imaculada Virgem e Mãe de Deus, Maria, à terna e confiante veneração para a qual foi, em todo tempo, conservação e salvação da honra feminina. 

Uma última palavra devemos acrescentar sobre o sétimo mandamento, considerando as presentes condições econômicas, que o turbilhão da guerra desastrosamente quase destruiu. Em tal argumento alegrar-nos-ia fazer nossa a severa admoestação de S. Paulo: "Ninguém roube ou faça fraude ao seu irmão nos negócios, porque o Senhor faz justiça de todas estas coisas". Se tal aviso já se torna oportuno em uma normal e tranqüila disposição da vida social, é ainda muito mais conveniente e necessário nas hodiernas, confusas e agitadas circunstâncias da convivência entre os homens, por dúplice motivo. 

Primeiramente os tempos de crise e perturbações econômicas, quais os presentes, exigem duplamente a exata observância do sétimo e quinto mandamentos concernentes aos bens e à vida do próximo, porque, de outro modo grande seria o perigo que a lealdade e fidelidade de agir e de tratar reciprocamente desaparecessem a tal ponto que tornariam impossível e insuportável o viver civil. Quando um dique está ameaçando ruir pelo ímpeto da corrente, não se pode debilitá-lo, mas deve-se reforçá-lo. 

Em segundo lugar, nas imensas misérias, na falta de habitações e de alimentos, em que a atrocidade da guerra precipitou milhões de viventes humanos, não causa maravilha que a desonestidade no manejo dos negócios, o temerário e perverso aproveitamento das dificuldades presentes e particularmente a imposição dos preços exorbitantes e ilícitos assenhoreiam-se das coisas necessárias à vida, tornem muito mais fácil que em idades quietas e pacíficas o ultraje à comunidade do povo e violação da justiça que gritam a Deus. Cada qual vê e compreende quanto seja necessário prevenir semelhantes tentações e vigiar a si mesmo, não somente com a conscienciosa probidade nas relações do meu e teu, mas também com firme e vivo sentido e generosa mão para tudo o que inclina e leva à caridade cristã e que a justiça social pede. 

Das obras de misericórdia: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, alojar os peregrinos, visitar os enfermos e encarcerados, - oh! como todas estas dores e afãs da realidade tocável ressoam na hora presente em nossos ouvidos! - não dependem talvez, segundo a solene promessa de Cristo, no extremo juízo, a bênção ou a maldição, a alegria ou a dor para toda a eternidade? Sim: e o mesmo acreditamos poder afirmar por isto que diz respeito às obras feitas e omitidas pela justiça social (1). 

(I) Alocução aos Quaresmalistas, 23 de fevereiro, 1944. 
Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.


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