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domingo, 6 de maio de 2012

Sobre os dez Mandamentos - Papa Pio XII. 1ª Parte

Não veio, como afirmou, para ab-rogar e abolir a lei, mas sim para completá-la e conduzi-la à perfeição; e aperfeiçoada por Ele com sua doutrina e seu ensinamento foram os dez mandamentos, que Deus proclamou sobre o Sinai ao povo de Israel. 

1. OS DEZ MANDAMENTOS, EM GERAL 


Os dez mandamentos são uma lei dada por Deus mesmo, na qual se espelha também o vigor da razão humana e da inteligência dos sábios; e não obstante isto, a quem examina as condições religiosas e morais da hora presente que coisa se manifesta senão um penoso contraste entre o mais alto grau de formação religiosa, que hoje em dia se oferece ao povo, de um lado, e de outro, o menor aproveitamento que se tira e a menos eficaz força de impulso, que disto deriva na prática da vida? Em períodos precedentes da história da Igreja era mais simples em geral o comum ensinamento religioso; mas supria isto o fato que todo o processo da vida humana era dominado com numerosos santos costumes impregnados do temor de Deus e pelo imprescindível dever de seus mandamentos. 

Da metade do século passado, não somente a ciência católica com admirável desenvolvimento cada vez mais se tornou vasta, mas também o próprio magistério eclesiástico de modo grandioso e amplo, expôs e clarificou em todo aspecto a fé católica e forneceu normas morais para as mais variadas condições da vida, tanto dos indivíduos, como das comunidades, procurando em todas as possíveis formas levar e difundir nas almas tantas riquezas da luz espiritual. Quando porém se pergunta se igualmente tanto se elevou no povo católico o grau da instrução religiosa e da conduta moral, a resposta não pode infelizmente soar afirmativa. Em lamentável oposição com este alto desenvolvimento doutrinal começaram a diminuir e a eliminar-se a eficácia e a força do impulso religioso. 

Não negaremos, aliás claramente aparece que não faltaram nem faltarão católicos, exemplarmente fiéis aos mandamentos de Deus; aos quais não falta heroísmo cristão e santidade. Neste campo a nossa idade não está inferior aos tempos anteriores, e não tememos dizer, que sobrepassa tantos. Mas dai um olhar às opiniões, condições e instituições públicas, e encontrareis desventuradamente que foram mais ou menos descristianizadas, enquanto que a desestima e o afastamento do modo de viver cristão difundiram-se largamente. Uma difusa corrente anti-religiosa, se opõe aos crentes, que querem conformar toda sua vida pessoal, familiar e pública à lei de Deus; encontram graves dificuldades e impedimentos para fazer conhecer e estimar suas convicções; onde não poucos sucumbem ou definham na prática da religião. Para respirar no ar corrompido das grandes cidades modernas e viver nelas cristãmente sem beber o veneno, é necessário um profundo espírito de fé, e a força da resistência, própria dos mártires. 

Um fato que sempre se repete na história da Igreja, é que quando a fé e a moral cristã se ferem contra fortes correntes adversárias de erros ou de apetites viciados, surgem tentativas de vencer as dificuldades com algum cômodo pacto, ou procura-se esquivá-las e iludi-las. 

Também no que diz respeito aos mandamentos de Deus acreditou-se ter encontrado uma providência. Na matéria moral, diz-se, há inimizade com Deus, perda da vida sobrenatural, grave culpa em sentido próprio, somente quando o ato, do qual se deve responder, foi posto não somente com claro conhecimento, que é contra o mandamento de Deus, mas também com a expressa intenção de ofender com ele o Senhor, de romper a união com Ele, de negar-lhe o amor. Se esta intenção faltou, se com isto o homem de sua parte não quis truncar a amizade com Deus, o ato em particular - afirma-se - não pode prejudicá-lo. Para trazer um exemplo: os multiformes desvios do sexto mandamento não seriam para o crente, que de resto quer manter-se unido a Deus e conservar-se amigo dele, nenhuma falta grave, nem importaria culpa mortal. Solução de deixar abismado. Quem não vê como, no claro conhecimento de que um determinado ato humano é contra o mandamento de Deus, se inclui que ele não pode ser endereçado ao fim da união com Ele, exatamente porque contém a aversão, ou seja, o afastamento do ânimo, de Deus e de sua vontade (aversão a Deus, fim último), aversão que destrói a união e a amizade com Ele, como faz propriamente a culpa grave? Não é talvez verdade que a fé e a teologia ensinem que cada pecado é uma ofensa a Deus e mira a ofendê-lo porque a intenção ínsita na culpa grave é contra a vontade de Deus expressa no mandamento dele que se viola? Quando o homem diz sim ao fruto proibido, diz não a Deus proibindo; quando antepõe si mesmo e sua vontade à lei de Deus, afasta de si Deus e o divino querer; nisto consiste a aversão de Deus e a íntima essência da culpa grave. A malícia do ato humano vem disto, que não é ajustado a sua regra, a qual é dúplice: uma próxima e homogênea, isto é, a própria razão humana; a outra é a primeira regra, quer dizer a lei eterna que é como a razão de Deus, cuja luz resplende na consciência humana, faz então ver a distinção entre o bem e o mal. O verdadeiro crente não ignora que a intenção tendente ao objeto da culpa mortal não é separável da intenção que viola a vontade e a lei divina e rompe toda amizade com Deus, o qual sabe muito bem reconhecer as retas e as más intenções dos atos humanos e premiá-las ou puni-las com sua penetrante justiça. 


Não há senão uma via para chegar ao amor de Deus e manter-se na união e amizade dele: a observância dos seus preceitos. As palavras contam pouco; o que vale são os fatos, e portanto o Redentor dizia: "Nem todos aqueles que me dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a vontade do meu Pai, que está nos céus, estes entrarão no reino dos Céus". Confessar Deus com o cumprimento de sua santa vontade em todos seus mandamentos e conformar-se a eles, antes unificar com eles a nossa vontade, este, e somente este é o caminho do Céu. S. Paulo proclama tal axioma da vida moral com enérgica forma: "Cuidado por não errar: nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os que pecam contra a natureza, nem os ladrões, nem os avaros, nem os que se dedicam à embriaguez, nem os malvados, nem os ladrões rapinadores, obterão a herança do Reino dos Céus". O Apóstolo das Gentes tinha certamente diante dos olhos não somente as defecções da lei de Deus, pela formal negação da fé, o ódio formal contra Ele, mas também toda grave lesão das virtudes morais, e sua palavra não visava somente os hábitos de pecar, mas também todos os atos contra a moral e a justiça, que são pecados mortais e trazem portanto consigo a eterna condenação. 

Dar exatamente ao homem religioso uma como que carta de imunidade de toda culpa, em tudo aquilo que fizesse contra os mandamentos de Deus, não poderia certamente ser e julgar como redenção da miséria moral, cuja destruição, hoje, a Igreja visa particularmente. Hoje parece renascido o paganismo, e já muitos o exaltaram contra o cristianismo em seus volumes e em seus versos, mas a Igreja, desde seu aparecimento no mundo, entrincheirou-se com a doutrina do Evangelho e com a virtude heróica de seus Apóstolos e de seus crentes, contra todo sofisma e toda perseguição oculta ou aberta do gentilismo. Sua luta foi sempre movida por um caminho frontal, contrapondo aos desvios pagãos a força iluminadora dos preceitos e das virtudes cristãs. Não somente as Epístolas de S. Paulo dão um testemunho preclaro da altura das obrigações morais portadoras da religião de Cristo e da luta que os fiéis deviam sustentar para atuá-la; mas também no fim da Idade Apostólica, as Cartas do Apocalipse às sete Igrejas, são uma não menos manifesta expressão disto, naquele contínuo repetir-se: "Vincenti... Qui vicerit ... ". "Ao que vencer darei de comer da árvore da vida, darei o maná escondido; confessará o seu nome diante do Seu Pai, e diante de seus anjos. Quem será vencedor não será ofendido pela segunda morte". 

O fervor dos cristãos nos primeiros séculos inclinava-os a professar sua fé talvez mais abertamente do que imaginamos; tanto que por vezes o seu rigor moral atravessou os limites da racional medida requerida pelo espírito do Evangelho. Com grande severidade os Padres da Igreja não duvidaram combater, pelas desordens que ocasionavam, os espetáculos, as lutas dos gladiadores, os teatros, as danças, as festas e os divertimentos, que, não obstante, pareciam naturais à sociedade pagã. Nada de admirar-se, pois, que a fé viesse radicalmente transformando os costumes de quem dela se avizinhava. 

Se hoje, portanto, muitas vezes se levanta o grito: Volta ao Cristianismo primitivo! bem se começa a colocá-lo em ato com a emenda e reforma dos costumes; aquele grito não seja, pois, apenas uma voz vã, mas um sério e efetivo retorno, como o requerem, e como verdadeiramente é necessário para nosso tempo, às exigências da ação e da vida moral. 

O heroísmo, Cristo não o encontra em todos; a quem quer que manifestava, ainda que somente um sinal de boa vontade, estendia a mão e inspirava coragem; mas ao mesmo tempo não se resignava de formular as perguntas mais profundas: "Se alguém quer me seguir, renegue a si mesmo e tome cada dia sua cruz e me siga". "Sede perfeitos, como é perfeito Vosso Pai Celeste". Para conduzir os homens a tão altas metas, a Igreja a todos socorre, sempre com a intenção de mais e mais avizinhar da perfeição do Pai Celeste quantos crêem em Cristo e praticam seus ensinamentos e mandamentos. 

Ela está sobre o monte, visível a todos, "mãe dos santos, imagem da cidade eterna", enquanto parece que a descristianização, em torno dela, ganhou e ganha terreno. 

A Igreja está lá, sobre seu fundamento, inflexível às defecções e às perseguições, porque ela tem a força de Deus e de Cristo. Foi dito que, se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo: sem Deus, que designou aos homens os fins e os confins do bem e do mal, não esplenderia à razão uma lei de moralidade sobre esta terra. Lá onde domina a fé em Deus pessoal, permanece segura a ordem moral, determinada pelos dez preceitos do Decálogo; de outro modo, ou antes ou depois miseravelmente cairá por terra.

(I) Alocução aos Quaresmalistas, 23 de fevereiro, 1944. 

Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.

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