2ª Parte
A propiciação é, em
primeiro lugar, a reparação de honra, feita a Jesus Cristo pela ingratidão e pelos
ultrajes de que é objeto em Seu Sacramento de Amor; é também a satisfação de
misericórdia, implorando perdão e graça para os culpados.
Espírito de adoração eucarística expresso
pelos quatro fins do Sacrifício do Altar
(Adoração, Ação de graças, propiciação e Impetração)
por
São Pedro Julião Eymard
(Adoração, Ação de graças, propiciação e Impetração)
por
São Pedro Julião Eymard
III- Propiciação
1.º- Reparação de
honra. Nosso Senhor Jesus Cristo é mais ofendido em Seu estado sacramental do
que nos dias de Sua Paixão. Então foi humilhado, insultado, renegado e
crucificado, mas por um povo que não O conhecia, por uns carrascos mercenários.
Aqui, Jesus é renegado pelos Seus que já O adoraram, que comungaram, que O reconheceram como o seu Deus. Jesus é humilhado por Seus filhos, a quem o respeito humano, a vergonha, o orgulho tornam apóstatas.
Jesus é insultado por servos a quem prodigalizou honras e bens, servos mercenários, a quem o hábito das coisas sagradas torna pouco respeitosos, profanadores, sacrílegos até, como outrora os mercadores do templo, expulsos por Jesus. Jesus é vendido por Seus amigos - e quantos Judas há no mundo! E vendemos Jesus a um ídolo, a uma paixão, ao próprio demônio. Jesus é crucificado por aqueles a quem tanto amou, e que se utilizam de Seus dons para insultá-Lo, de Seu Amor para desprezá-Lo, de Seu silêncio e de Seu véu sacramentais para encobrir o sacrilégio eucarístico: crime abominável! Jesus Cristo é então crucificado no comungante e entregue ao demônio que nele reina!
E esses horrendos
sacrilégios se renovaram e se renovam ainda diariamente em todo o universo. Só
Deus lhes conhece o número e a malícia. E ele, o Deus de Amor, será tratado
assim até o fim do mundo!
Ora, ante tamanho
Amor dum lado e tamanha ingratidão do outro, o coração do reparador se deveria
fender, como o monte Calvário; seus olhos se deveriam tomar em duas fontes
inesgotáveis de lágrimas e obscurecer-se como o sol à vista do deicídio; seus
membros deveriam tremer de pavor e de horror, como tremeu a terra por ocasião
da morte do Salvador.
Mas a esse sentimento
de dor e de medo deve suceder outro, de expiação ao Amor de Deus, tão
desconhecido e ultrajado. A alma deve fazer um ato de reparação e de amor à
Vítima divina, como o fizeram o centurião, os carrascos e o povo contrito, como
o faz a santa Igreja pelo seu Sacerdócio nos dias de luto e de crime. Como
Maria, ao pé da Cruz, é preciso sofrer com Jesus, amá-lO por aqueles que não O
amam, adorá-lO por aqueles que O ultrajam, mormente se entre esses ingratos e sacrílegos
houver parentes ou amigos nossos. Mas a reparação se imporia com maior força
ainda se, desgraçadamente, fôssemos nós mesmos culpados para com o Deus da
Eucaristia, ou se fôssemos, pelo escândalo, causa de pecado por parte do
próximo.
Ah! então a justiça
pede uma reparação igual à ofensa. Será que nós, também, havemos de merecer a
doce repreensão do Salvador?
"Vós, a quem
amei com tanto Amor, a quem prodigalizei favores insignes, vós Me abandonais,
Me desprezais, Me crucificais! Fácil seria compreender o esquecimento dos
homens terrestres, a indiferença dos escravos do mundo, o desprezo mesmo
daqueles que não têm fé, que nunca gozam das delícias de Meu Sacramento; mas
vós, Meu amigo, Meu comensal, vós, esposa de Meu Coração!"
Tais sejam talvez as
justas censuras do Coração de Jesus. A nós cabe abaixar a cabeça de vergonha e
partir a alma de dor. Jesus, numa revelação a santa Margarida Maria,
mostrou-lhe o Seu Coração ferido, coroado de espinhos, encimado por uma cruz, e
dirigiu-lhe estas palavras: "Tenho uma sede
ardente de ser amado pelos homens no Santíssimo Sacramento, e não encontro
quase ninguém que se esforce, segundo o Meu desejo, para Me desalterar, usando
para comigo de alguma paga!"
2.° - Propiciação de
misericórdia. A propiciação seria incompleta em se limitando à reparação.
Embora satisfizesse a Justiça Divina, não satisfaria o Amor de Jesus. Que quer
este Amor? Quer a salvação dos homens e o perdão dos maiores pecadores. Queria
perdoar a Judas; pedia perdão para os seus carrascos, enquanto estes O
insultavam. E, no Altar, não é sempre a Vítima de propiciação pelos pecadores?
Sua Paciência em suportá-los, Sua Misericórdia em perdoar-lhes, Sua Bondade em
recebê-los no regaço paterno, eis a vingança do Amor, eis Seu triunfo!
Nessa obra divina de
perdão, Jesus carece, por assim dizer, dum associado, dum cooperador, que
repita com Ele ao Pai a oração da Cruz: "Pai, perdoai-lhes porque não
sabem o que fazem" (Lc 23,43). Carece duma vítima que acabe em si mesma o
que falta a Seu estado de imolação sacramental: o sofrimento, o sacrifício
efetivos. As almas só se redimem a tal preço - preço outrora pago no monte
Calvário. Mas também quão sólidas, generosas, perfeitas, serão as conversões que,
merecidas em comum por Jesus e pela alma reparadora, partirão do Tabernáculo
divino! Ah! é principalmente aí que devemos procurar a redenção das almas, a
conversão dos grandes pecadores, a salvação do mundo.
A impetração é o
aposto lado eucarístico da oração, é o fruto natural da adoração, da ação de
graças e da propiciação.
Este apostolado de
oração honra a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento como a Fonte divina de
todo Dom e de toda Graça. Com efeito, a Santíssima Eucaristia é-lhe um tesouro
inesgotável, um reservatório mais largo e mais profundo que o oceano. Jesus aí
depositou as Suas virtudes, todos os Seus méritos, o preço infinito de Sua
Redenção, colocando tudo isso à disposição do homem, mediante uma só condição:
ele irá procurá-las, solicitá-las de Sua Bondade sempre pronta a
prodigalizar-lhes os Seus bens.
Do fundo do
Tabernáculo, Jesus clama a todos aqueles que sofrem, que estão necessitados,
desgraçados: "Vinde a Mim e Eu vos aliviarei". É sempre o bom
Samaritano, o Médico divino de nossas almas, que há de curá-las de todas as
chagas do pecado e que há de purificar (I) e santificar nossos corpos pelo Seu
Corpo sagrado. É sempre o bom Pastor a amar Suas ovelhas, a nutri-las com Sua
Carne e com Seu Sangue.
Mas está triste, pois
há muitas ovelhas desgarradas, que o lobo raptador Lhe arrebatou. Chora-lhes a
perda, chama-as, solicita-as. Não pode, porém, ir em sua busca. Então, para
consolar o nosso bom Pastor, iremos nós procurá-las, conduzi-las a Seus pés
pela força de nossas orações. E que alegria será para Jesus, que felicidade
para nós!
Jesus, no Santíssimo
Sacramento, é sempre o Bom Mestre que, unicamente, aponta o caminho do Céu,
ensina a Verdade de Deus, comunica a Vida de Amor.
Mas no mundo Jesus
não é mais conhecido. Os homens ignoram o Salvador que está no meio deles. É
preciso dar a conhecer a Deus, mostrá-lO, como João Batista, trazer-Lhe os
amigos, os irmãos, como André. O maior beneficio que se possa fazer a alguém é
revelar-lhe o seu Mestre e seu Deus. É, sobretudo mostrando o Amor e a imensa
Bondade de Jesus que o devemos tornar conhecido, pois é o meio mais eficaz de
Lhe atrair os corações.
Jesus, no Santíssimo
Sacramento, é sempre o Salvador em estado de imolação, oferendo-Se sem cessar
ao Pai, como o fez na Cruz, pela salvação dos homens; apontando-Lhe Suas Chagas
profundas e Seu Coração aberto, para obter o perdão do gênero humano.
É aos pés dessa
Vítima adorável que o adorador deve orar, chorar, implorar ao Amor Crucificado
que sensibilize o coração dos pecadores empedernidos, que quebre as cadeias tão
duras e vergonhosas do vício, a pesar sobre tantos escravos do mundo; que rompa
o véu que retém o judeu - povo que mereceu as primícias de Sua ternura - na
cegueira e na infidelidade; que humilhe o orgulho do herege, a fim de que veja
a Verdade e se submeta ao Seu império; que toque o coração do cismático, para
que reconheça a sua mãe, a santa Igreja, e se venha lançar nos seus braços!
E esta Igreja, Esposa
de Cristo, será sempre objeto das orações do adorador, em si, em suas
instituições, em suas obras, em seu sacerdócio, em seu povo, em cada um de seus
filhos; em tudo o que interessa à sua prosperidade, à sua perfeição e ao
cumprimento de sua missão no mundo. E, reconhecendo humildemente sua própria
insuficiência e a dependência absoluta em que se encontra para com Deus, o
adorador reza por si mesmo. Conserva constantemente sua alma em um estado de
oração, pela contemplação de sua indigência e da grandeza das bondades divinas.
E assim manterá a alma sempre aberta, pronta a receber a efusão da Graça.
Tais as quatro
grandes homenagens que encerra a adoração eucarística, e que devem animar e
vivificar com seu espírito toda a vida do Agregado do Santíssimo Sacramento.
Praticá-las fielmente, será praticar a vida interior em alto grau e estabelecer
perfeitamente o Reinado de Jesus na alma.
(I) O Santo, em seu
manuscrito, emprega aqui a palavra chastifiera, que é muito expressiva e traduz
bem o seu pensamento.
(A Divina
Eucaristia, escritos e Sermões de São Pedro Julião Eymard, volume 5, Loyola)
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