São Leão Magno
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São Leão Magno |
Nasceu
na Toscana, por volta do ano 400. Teólogo excelente, aprofundou sobretudo o
mistério da encarnação de Cristo. Eleito bispo de Roma em 440, é considerado um
dos papas mais eminentes da Igreja dos primeiros séculos. Assumiu o governo da
Igreja de Roma numa época de grandes dificuldades políticas e religiosas.
Contribuiu a preservar a integridade da fé, defendendo a unidade da Igreja.
Deixou escrito 96 sermões e 173 cartas e numerosas homilias que chegaram até
nós. Para salvar Roma das pilhagens dos bárbaros, não se intimidou em enfrentar
Genserico e Átila, debelando assim o perigo que parecia irreversível. Morreu no
dia 10 de novembro de 461. No Calendário da Igreja Ortodoxa sua Festa é
celebrada em 18 de Fevereiro.
«Sermão
Sobre Pentecostes»
Todos
os corações sabem, caríssimos, que a solenidade de hoje deve ser celebrada como uma das festas mais importantes. Ninguém ignora ou contesta a reverência com
que se deve festejar este dia, consagrado pelo Espírito Santo com o milagre
excelente de seu dom. Sendo, na verdade, o décimo dia depois daquele em que o
Senhor subiu ao céu, para se assentar à direita de Deus, refulge como o dia quinquagésimo
após a sua Ressurreição, e traz em si grandes mistérios, referentes a antigos e
novos sacramentos, na mais clara manifestação de que a Graça foi prenunciada
pela Lei e a Lei cumprida pela Graça. Sim, do mesmo modo como outrora, no monte
Sinai, a Lei fora dada ao povo hebreu, libertado dos egípcios, no dia quinquagésimo
após a imolação do cordeiro, assim também, após a Paixão de Cristo, imolação do
verdadeiro Cordeiro de Deus, é no quinquagésimo dia desde sua Ressurreição que
se infunde o Espírito Santo nos apóstolos e na multidão dos fiéis. O cristão
diligente facilmente vê como os inícios do Antigo Testamento serviram aos
primórdios do Evangelho, e como a segunda Aliança foi criada pelo mesmo
Espírito que instituiu a primeira.
Com
efeito, diz a narrativa dos apóstolos:
"Como se
completassem os dias de Pentecostes e estivessem todos os discípulos juntos no
mesmo lugar, repentinamente se fez ouvir do céu um ruído como o de vento que
soprava impetuosamente, e encheu toda a casa onde estavam. Apareceram-lhes
então como línguas de fogo, que se puseram sobre cada um deles; e todos ficaram
cheios do Espírito Santo, começando a falar em outras línguas, conforme o
Espírito Santo lhes concedia falarem" 1.
É veloz a palavra
da Sabedoria, e onde Deus é o Mestre quão rapidamente se aprende a doutrina!
Não houve necessidade de interpretação para o entendimento, não houve
aprendizado, não houve prazo para estudo, mas, assim que o Espírito da verdade
soprou como quis, as línguas particulares dos diversos povos se tornaram comuns
na boca da Igreja.
A partir desse dia
ressoou a trombeta da pregação evangélica. A partir desse dia as chuvas de
graças, os rios das bênçãos irrigaram todos os desertos e a terra inteira, pois
a fim de renovar sua face "o Espírito de Deus pairava sobre as
águas"2. E, para a expulsão das trevas de antes, coruscavam os relâmpagos
da nova Luz no esplendor das línguas flamejantes. Assim se manifestava a
luminosa e ígnea palavra do Senhor, dotada da eficácia de iluminar e da força
de abrasar, necessárias ao entendimento e à destruição do pecado.
Porém, caríssimos,
embora tenha sido admirável a própria aparência desses acontecimentos e não
haja dúvida de que a majestade do Espírito Santo tenha estado presente à
harmonia exultante das vozes humanas, não se pense que apareceu a sua divina
essência naquilo que se mostrou aos olhes corporais. A natureza invisível e
comum ao Pai e ao Filho manifestou a qualidade de seu dom e de sua obra por
meio do sinal de santificação que bem lhe aprouve, mas conteve em sua divindade
a propriedade de sua essência.
Assim como a visão
humana não pode perceber o Pai e o Filho também não percebe o Espírito Santo.
Na Trindade, com efeito, nada é dissemelhante, nada é desigual, e todas as
coisas que se possam pensar a respeito dessa substância não se distinguem pela
excelência, pela glória ou pela eternidade. É verdade que, conforme as
propriedades das Pessoas, um é o Pai, outro o Filho, outro o Espírito Santo,
mas não há divindade diferente, natureza distinta. Assim como o Filho precede
do Pai, igualmente o Espírito Santo é Espírito do Pai e do Filho. Não como as
criaturas, que são também do Pai e do Filho, mas como alguém que, como ambos,
vive, é poderoso e existe eternamente, desde que existem o Pai e o Filho. Por
essa razão o Senhor, quando prometeu a vinda do Espírito Santo aos discípulos,
antes do dia da Paixão, disse:
"Ainda muitas
coisas vos tenho a dizer: quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos
conduzirá para toda a verdade. Pois não falará de si mesmo, mas falará o que
tiver ouvido e vos anunciará as coisas que deverão suceder. Tudo o que o Pai
tem é meu; per isto disse que receberá do que é meu e vos anunciará"3.
O Pai, portanto não
tem algo que não o tenham o Filho ou o Espírito Santo. Tudo o que tem o Pai,
tem o Filho e tem o Espírito Santo. Nunca faltou na Trindade essa perfeita
comunhão; nela são uma mesma coisa "tudo possuir" e "sempre
existir". Não imaginemos sucessão de tempo na Trindade, não imaginemos
gradações ou diferenças. Se, de um lado não se pode explicar o que Deus é, de
outro não se ouse afirmar o que Deus não é. Seria melhor deixar de discorrer
sobre as propriedades da natureza inefável de Deus, do que afirmar o que não
lhe convém. O que concebem, pois, os corações piedosos a respeito da glória
eterna e imutável do Pai, entendam-no ao mesmo tempo do Filho e do Espírito
Santo, de um modo inseparável e sem diferença. Nossa confissão é ser a Trindade
um só Deus, já que nas três Pessoas não existe diversidade de substancia,
poder, vontade ou operação.
Assim, se
reprovamos os arianos, que pretendem existir diferença entre o Pai e o Filho,
reprovamos igualmente os macedonianos, os quais, embora atribuindo igualdade
entre o Pai e o Filho, pensam que o Espírito Santo seja de natureza inferior.
Eles não vêem estarem incidindo naquela blasfêmia indigna de ser perdoada tanto
no século presente como no futuro, consoante a palavra do Senhor:
"A todo o que
disser uma palavra contra o Filho do homem será perdoado, mas ao que disser
contra o Espírito Santo não será perdoado nem neste século nem no
vindouro"4.
Quem permanece,
portanto, nessa impiedade fica sem perdão, pois expulsou de si aquele por meio
do qual seria capaz de confessar a verdadeira fé. Jamais se beneficiará do
perdão quem não tiver advogado para protegê-lo.
Ora, é do Espírito
Santo que procede em nós a invocação do Pai, dele são as lágrimas dos
penitentes, dele os gemidos dos que suplicam, "... e ninguém pode dizer
Senhor Jesus senão no Espírito Santo"5.
O Apóstolo prega de
maneira evidente a onipotência do Espírito, igual à do Pai e do Filho, bem como
sua divindade, ao dizer:
"há
diversidade de graças, mas um mesmo é o Espírito; e há diversidade de
ministérios, mas um mesmo é o Senhor; e há diversidade de operações, mas um
mesmo é o Deus que opera tudo em todos"6.
Por estes e outros
documentos, através dos quais, de inumeráveis modos brilha a autoridade das
palavras divinas, sejamos incitados, caríssimos, unanimemente, à veneração de
Pentecostes, exultando em honra do Santo Espírito, por quem toda a Igreja é
santificada e toda alma racional é penetrada. Ele é o inspirador da fé, o
Mestre da ciência, a fonte do amor, o selo da castidade, o artífice de toda
virtude.
Regozijem-se as
mentes dos fiéis com o fato de, em todo o mundo, ser louvado pelas diferentes
línguas o Deus uno, Pai, e Filho e Espírito Santo; com o fato de prosseguir em
seu trabalho e dom aquela santificação que apareceu na chama do fogo. O mesmo
Espírito da verdade faz refulgir com sua luz a morada de sua glória, nada
querendo de tenebroso ou morno em seu templo.
Foi também por
auxílio e instrução desse Espírito que recebemos a purificação do jejum e da
esmola. Com efeito, segue-se ao venerável dia de hoje um costume de salutar
observância, que os santos julgam de grande utilidade e nós vos exortamos, com
pastoral solicitude, a que o celebreis com o maior zelo possível. Assim, se a
negligência vos fez contrair em dias passados algo de pecaminoso, seja isto
penitenciado pela censura do jejum e pelo devotamento da misericórdia. Jejuemos
na quarta e na sexta-feira, para sábado celebrarmos juntos as vigílias, com a
habitual devoção. Por Cristo, Nosso Senhor que vive e reina com o Pai e o
Espírito santo, pelos séculos dos séculos. Amém
NOTAS:
1- At 2,1-4
2- Gn 1,2
3- Jo 16,12-13.15
4- Mt 12,32
5- lCor 12,3
6- lCor 12,4-6