VII e Ultima Parte
da Publicação d
Cântico
(134)
O Triunfo da
Cruz (135)
I
É a Cruz,
sobre a terra, mistério profundíssimo, que não se conhece sem muitas luzes.
Para compreendê-lo é necessário um espírito elevado. Entretanto, é preciso
entendê-la para que nos possamos salvar.
II
A natureza a abomina, a razão a combate; o sábio a ignora e o demônio a
aniquila. Muitas vezes o próprio devoto não a tem no coração e, embora diga que
a ama, no fundo é um mentiroso.
III
A cruz é
necessária. É preciso sofrer sempre: ou subir o Calvário ou perecer
eternamente. E Santo Agostinho exclama que somos réprobos se Deus não nos castiga
e nos prova.
IV
Vai-se para
a Pátria pelo caminho das cruzes, que é o caminho da vida e o caminho dos reis;
toda pedra é talhada proporcionalmente para ser colocada na Santa Sião.
V
De que
servirá a vitória ao maior conquistador, se não tiver a glória de vencer-se
sofrendo, se não tiver por modelo Jesus morto na Cruz, se, como um infiel, o
lenho repelir?
VI
Jesus Cristo
por ela acorrentou o inferno, aniquilou o rebelde e conquistou o universo; e
Ela a dá como arma aos seus bons servidores; ela encanta ou desarma as mãos e
os corações.
VII
Por este
sinal vencerás, disse Ele a Constantino. Toda vitória insigne se encontra nela.
Lêde, na história, seus efeitos maravilhosos, suas vitórias estupendas na terra
e nos céus.
VIII
Embora
contra os sentidos e a natureza, a política e a razão, a verdade nos assegura
que a cruz é um grande dom. É nesta princesa que encontramos, em verdade,
graça, sabedoria e divindade.
IX
Deus não
pôde defender-se contra sua rara beleza. A Cruz o fez baixar à nossa humanidade.
Ao vir ao mundo Ele disse: “Sim, quero-a, Senhor. Boa Cruz, coloco-vos bem
dentro do coração”.
X
Pareceu-lhe
tão bela que nela pôs a sua honra, tornando-a a sua eterna companheira e a
espôsa de seu Coração. Desde a mais terna infância seu Coração suspirava
unicamente pela presença da cruz que amava.
XI
Desde a
juventude, ansioso a procurou. De ternura e de amor, em seus braços morreu.
“Desejo um batismo”, exclamou Ele um dia: “a Cruz querida que amo, o objeto de
meu amor!”
XII
Chamou a São
Pedro Satanás escandaloso, quando ele tentou desviar Seus olhos da Cruz aqui na
terra. Sua Cruz é adorável, sua mãe não o é. Ó grandeza inefável, que a terra
desconhece!
XIII
Esta cruz,
dispersa por tantos lugares da terra, será ressuscitada e transportada para os
Céus. A cruz, sobre uma nuvem cheia de brilho rutilante, julgará, por sua
visão, os vivos e os mortos.
XIV
Clamará
vingança contra seus inimigos, alegria e indulgência para todos os seus amigos.
Dará glória a todos os bem-aventurados e cantará vitória na terra e nos céus.
XV
Durante sua
vida os santos só procuraram a cruz, seu grande desejo e sua escolha única. E,
não contentes de ter as cruzes que lhes dava o céu, a outras, inteiramente
novas, cada um se condenava.
XVI
Para São
Pedro, as cadeias constituíam honra maior do que ser o vigário de Cristo na
terra. “Ó boa Cruz”, exclamava, cheio de fé, Santo André: “Que eu morra em ti,
para que me dês a vida!”
XVII
E vêde, São
Paulo esquecia seu grande êxtase para se glorificar tão somente na cruz.
Sentia-se mais honrado em seus cárceres horrendos que no êxtase admirável que o
arrebatou aos céus.
XVIII
Sem a cruz a
alma se torna lenta, mole, covarde e sem coração. A cruz a torna fervorosa e
cheia de vigor. Permanecemos na
ignorância quando nada sofremos. Temos inteligência quando sofremos bem.
XIX
Uma alma sem
provações não tem grande valor. É a alma nova ainda, que nada aprendeu. Ah! que
doçura suprema goza o aflito que se rejubila com sua pena e dela não é
aliviado!
XX
É pela Cruz
que se dá a bênção, é por ela que Deus nos perdoa e concede remissão. Ele quer
que todas as coisas tragam este selo, sem o qual nada lhe parece belo.
XXI
Colocada a
cruz em algum lugar, torna-se sagrado o profano e desaparecem as manchas,
porque Deus delas se apodera. Ele quer a Cruz em nossa fronte e em nosso
coração, antes de todos os atos, para que sejamos vencedores.
XXII
Ela é nossa
proteção, segurança, perfeição e única esperança. É tão preciosa que uma alma
que já está no céu voltaria alegremente à terra para sofrer.
XXIII
Tem este
sinal tantos encantos, que no altar o sacerdote não se vale de outras armas
para atrair Deus lá do céu. Faz sobre a hóstia vários sinais da Cruz e, por
esses sinais de vida, dita-lhe suas leis.
XXIV
Por este
sinal adorável prepara-lhe um perfume cujo odor agradável nada tem de comum; é
o incenso que lhe dá uma vez consagrado, e é com esta coroa que desejaria ser
ornado.
XXV
A Eterna
Sabedoria procura, ainda hoje, um coração bem fiel, digno deste presente. Quer
um verdadeiro sábio, que goste apenas de sofrer e, com coragem, leve a sua cruz
até morrer.
XXVI
Devo
calar-me, ó Cruz, rebaixo-te ao falar. Sou um temerário e um insolente; já que
te recebi de coração constrangido e não te conheci, perdoa meu pecado!
XXVII
Ó Cruz
querida, já que nesta hora te conheço, faze de mim tua morada e dita-me tuas
leis. Cumula-me, ó princesa minha, com teus castos amores, e faze que eu
conheça os teus mais secretos encantos!
XXVIII
Ao ver-te
tão bela, bem queria possuir-te, mas meu coração infiel me prende ao meu dever;
se queres, Senhora minha, animar meu langor e sustentar minha fraqueza, dou-te
o meu coração.
XXIX
Tomo-te para
minha vida, meu prazer e minha honra, minha única ventura. Imprime-te, eu te
rogo, em meu coração e no meu braço, na minha fronte e na minha face. Não me
envergonharei de ti!
XXX
Tomo, para
minha riqueza, tua rica pobreza, e, por ternura, tuas doces austeridades. Que
tua prudente loucara e tua santa desonra sejam toda a glória e grandeza de
minha vida!
XXXI
Minha
vitória estará em ser derrotado por tua virtude e para tua maior glória. Não
sou, porém, digno de morrer sob teus golpes, nem de ser contrariado por todos.
NOTAS EXPLICATIVAS
(134)
Extraído das Obras do Bemv. de Montfort, edição Fradet, 1932.
(135) A fim
de conservar, o mais fielmente possível, a linguagem do Santo e o sentido
teológico deste Cântico, tentamos tão somente uma tradução em prosa.
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