O perigo do liturgicismo.
Proposição certa: A
simultaneidade de várias Missas não rompe a unidade do Sacrifício social da
Igreja.
Explanação
Dom. Castro Mayer |
“Não falta quem afirme que os Sacerdotes não
possam oferecer a divina Vítima ao mesmo tempo em muitos altares, porque deste
modo dissociam a comunidade e põem em perigo a unidade“. É a sentença
reprovada pela “Mediator Dei” (A.A.S. 39, p.556). A razão é óbvia: todo
sacrifício da Missa só tem valor pela sua relação intrínseca com o Sacrifício
da Cruz, que foi um só e válido para todos os tempos; de maneira que ainda que
muitas sejam as Missas, de fato permanece a unidade essencial do Sacrifício.
A sentença impugnada lembra o erro jansenista
condenado pela Const. “Auctorem fidei” de Pio VI, em 28 de agosto de 1794, sob
nº 31, que soa assim: “A proposição do Sínodo que afirma que é conveniente,
para a boa ordem dos ofícios divinos e segundo o antigo costume, que em cada
Igreja haja somente um altar, e que lhe agradaria ver restituído este costume —
é declarada temerária, injuriosa a um uso antiquíssimo, piedoso, em vigor e
aprovado desde muitos séculos, em particular na Igreja Latina” (D.
1531).
* * *
Completemos estas advertências, enumerando as
aberrações que um falso liturgicismo espalhou entre os fiéis, e, como
decorrência do fato, urgindo a necessidade de nos dedicarmos pelo esforço
próprio, auxiliados pela graça, ascese e orações particulares, a assimilar,
através da prática das virtudes, os exemplos e a vida de nosso Divino Mestre: “Efetivamente,
alguns reprovam de todo as Missas privadas sem assistência do povo, como não
conformes ao costume primitivo; nem falta quem pretenda que os Sacerdotes não
podem oferecer a Vítima ao mesmo tempo em vários altares, porque assim
dissociam a comunidade e põem em perigo a sua unidade; assim como também não
falta quem chegue ao ponto de dizer que é necessária a confirmação e
ratificação do povo, para que o Sacrifício possa ter força e eficácia” (Enc.
“Mediator Dei” — AAS vol. 39, p. 556) (1). Lembremos, nesta altura, que o
Concílio Vaticano II, ao alargar os casos de concelebração, não obrigou, exceto
na Quinta-feira Santa, a todos os Sacerdotes que quisessem celebrar, a tomar
parte na concelebração, mas ressalvou o direito de todo Sacerdote a celebrar
privadamente, não à mesma hora na mesma igreja (Const. “Sacrosanctum
Concilium”, nº 57).
(1) Pio XII, na Encíclica “Mediator Dei”, aproxima
os erros do liturgicismo da heresia jansenista, que foi o contrabando com que o
protestantismo procurou firmar-se dentro da Igreja. Na crise por que esta
passa, atualmente, e dadas as condições de Nossa Diocese, onde é grande a
infiltração protestante, parece-Nos conveniente recordar as concepções
jansenistas, concernentes à Santa Missa, [para que] não venhamos,
insensivelmente, a assimilar veneno tão subtil, e perder a integridade de nossa
Fé. Pio XII, entre as proposições do Sínodo jansenista de Pistóia condenadas
por Pio VI, lembra as indicadas pelos números 31 a 34, 39, 62, 65, 69 a 74
(Enc. “Mediator Dei”, AAS vol. 39, p. 546). Parece-Nos atender mais ao assunto
desta Pastoral as que vêm sob os números 15, 28, 31, 32, 33, 66 e 67, com as
repectivas notas condenatórias.
PROPOSIÇÃO 15: “A doutrina que propõe — que a
Igreja deve ser considerada como um só corpo místico, formado de Cristo, como
Cabeça, e dos fiéis, que são os membros dEle [de Cristo] por uma união
inefável, e pela qual, de modo admirável, nos tornamos com Ele um só sacerdote,
uma só vítima, um só adorador perfeito de Deus Pai, em espírito e verdade —
entendida no sentido que ao Corpo da Igreja não pertencem senão os fiéis que
são perfeitos adoradores em espírito e verdade, É HERÉTICA”.
Diretamente, esta proposição trata dos membros da Igreja, da qual exclui os
pecadores. Não deixa ela, no entanto, de insinuar o erro protestante que não
admite o Sacerdócio hierárquico, essencialmente distinto do sacerdócio comum
dos fiéis. Citamos esta proposição, porque não é raro encontrar-se quem
interprete em tal sentido certas inovações litúrgicas.
PROPOSIÇÃO 28: “A doutrina do Sínodo, pela qual,
depois de estabelecer — que a participação da Vítima é parte essencial do
Sacrifício — acrescenta — que, entretanto, não condena como ilícitas as Missas
nas quais os assistentes não comungam, por isso que estes participam, embora de
modo imperfeito, da mesma Vítima, recebendo-A espiritualmente — enquanto
insinua que falta algo de essencial ao Sacrifício que seja celebrado sem
assistente, ou com assistentes que nem sacramental, nem espiritualmente
participem da Vítima; e como se se devessem condenar como ilícitas as Missas,
nas quais só o Sacerdote, e nenhum outro assistente comungasse, nem ao menos
espiritualmente — FALSA, ERRÔNEA, SUSPEITA DE HERESIA, E COM SABOR DE
HERESIA”. Não é preciso salientar a subtileza com que os jansenistas, também
nesta proposição, deixam esgueirar seu erro.
PROPOSIÇÃO 31: “A proposição do Sínodo que
enuncia “que é conveniente, para a ordenação dos ofícios divinos, e de acordo
com o costume antigo, que em cada igreja haja um só altar, e que lhe agrada
muito retornar ao costume antigo — TEMERÁRIA, INJURIOSA AO COSTUME
MUITO ANTIGO, PIEDOSO, VIGENTE E APROVADO JÁ HÁ MUITOS SÉCULOS, ESPECIALMENTE
NA IGREJA LATINA”.
PROPOSIÇÃO 32: “A prescrição que veta que sobre
os altares se coloquem tecas de relíquias sagradas e flores — TEMERÁRIA,
INJURIOSA AO PIEDOSO E APROVADO COSTUME DA IGREJA”.
PROPOSIÇÃO 33: “A proposição do Sínodo, em que
mostra ele desejar que sejam afastadas as causas pelas quais esqueceram-se, em
parte, os princípios relativos à Liturgia, a fim de conduzir esta a uma
simplicidade maior dos ritos, para expô-la em língua vulgar e pronunciar as
palavras em voz alta; como se a vigente ordenação litúrgica, recebida e
aprovada pela Igreja, procedesse, em parte, do esquecimento dos princípios que
a deveriam reger — TEMERÁRIA, OFENSIVA AOS OUVIDOS PIEDOSOS,
CONTUMELIOSA À IGREJA, E FAVORECEDORA DOS ATAQUES DOS HEREGES CONTRA A IGREJA”.
PROPOSIÇÃO 66: “A proposição que assevera que se
irá contra a praxe apostólica, e os concílios de Deus, se não se preparar os
meios mais fáceis a fim de que o povo junte sua voz à voz de toda a Igreja;
entendida do uso da língua vulgar a ser introduzida nas preces litúrgicas — FALSA,
TEMERÁRIA, PERTURBADORA DA ORDENAÇÃO PRESCRITA PARA A CELEBRAÇÃO DOS MISTÉRIOS,
E FACILMENTE FAUTORA DE MUITOS MALES”.
PROPOSIÇÃO 67: “A doutrina que exibe que apenas
uma verdadeira incapacidade escusa da leitura das Sagradas Escrituras;
acrescentando que, na negligência deste preceito, segue-se naturalmente o
obscurecimento das verdades elementares da Religião — FALSA,
TEMERÁRIA, PERTURBADORA DA PAZ DAS ALMAS, E JÁ CONDENADA EM QUESNEL”.
Dom Antônio de Castro Mayer, Carta Pastoral
sobre os Problemas do Apostolado Moderno, 6 de janeiro de 1953; Carta
Pastoral sobre o Santo Sacrifício da Missa, 12 de setembro de 1969. Por um
Cristianismo Autêntico, ed. Vera Cruz, 1971, pp. 38; 345-347.
Publicado originalmente na festa da Exaltação da
Santa Cruz de 2010
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