Dos Sermões de São Leão Magno, papa
(Sermo 51, 3-4.8: PL 54, 310-311.313)
(Séc.V)
Por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a
verdade nos chegaram através de Jesus Cristo
O Senhor manifesta a sua glória na presença
de testemunhas escolhidas, e de tal modo fez resplandecer o seu corpo,
semelhante ao de todos os homens, que seu rosto se tornou brilhante como o sol
e suas vestes brancas como a neve.
A principal finalidade dessa transfiguração era
afastar dos discípulos o escândalo da cruz, para que a humilhação da paixão,
voluntariamente suportada, não abalasse a fé daqueles a quem tinha sido
revelada a excelência da dignidade oculta de Cristo.
Mas, segundo um desígnio não menos previdente,
dava-se um fundamento sólido à esperança da santa Igreja, de modo que todo o
Corpo de Cristo pudesse conhecer a transfiguração com que ele também seria
enriquecido, e os seus membros pudessem contar com a promessa da participação
daquela glória que primeiro resplandecera na Cabeça.
A esse respeito, o próprio Senhor dissera,
referindo-se à majestade de sua vinda: Então os justos brilharão
como o sol no Reino de seu Pai (Mt 13,43). E o apóstolo Paulo declara
o mesmo, dizendo: Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem
merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós (Rm
8,18). E ainda: Vós morrestes e a vossa vida está escondida com
Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então vós
aparecereis também com ele, revestidos de glória (Cl 3,3-4).
Entretanto, aos apóstolos que deviam ser
confirmados na fé e introduzidos no conhecimento de todos os mistérios do Reino,
esse prodígio ofereceu ainda outro ensinamento.
Moisés e Elias, isto é, a Lei e os Profetas,
apareceram conversando como Senhor, a fim de cumprir-se plenamente, na presença
daqueles cinco homens, o que fora dito: Será digna de fé toda
palavra proferida na presença de duas ou três testemunhas (cf.
Mt18,16).
Que pode haver de mais estável e mais firme que
esta palavra? Para proclamá-la, ressoa em uníssono a dupla trombeta do Antigo e
do Novo Testamento, e os testemunhos dos tempos passados concordam com o
ensinamento do Evangelho.
Na verdade, as páginas de ambas as alianças
confirmam-se mutuamente; e o esplendor da glória presente mostra, com total
evidência, Aquele que as antigas figuras tinham prometido sob o véu dos
mistérios. Porque, como diz João, por meio de Moisés foi dada a Lei,
mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo (Jo
1,17). Nele cumpriram-se integralmente não só a promessa das figuras
proféticas, mas também o sentido dos preceitos da lei; pois pela sua presença
mostra a verdade das profecias e, pela sua graça, torna possível cumprir os mandamentos.
Sirva, portanto, a proclamação do santo Evangelho
para confirmar a fé de todos, e ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela
qual o mundo foi redimido.
Ninguém tenha medo de sofrer por causa da justiça
ou duvide da recompensa prometida, porque é pelo trabalho que se chega ao
repouso, e pela morte, à vida. O Senhor assumiu toda a fraqueza de nossa pobre
condição e, se permanecermos no seu amor e na proclamação do seu nome, venceremos
o que ele venceu e receberemos o que prometeu.
Assim, quer cumprindo os mandamentos ou suportando
a adversidade, deve sempre ressoar aos nossos ouvidos a voz do Pai, que se fez
ouvir, dizendo: Este é o meu filho amado, no qual pus todo o meu
agrado. Escutai-o (Mt 17,5).
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