Das Homilias sobre os Evangelhos, de
São Gregório Magno, papa.
(Hom. 25,7-9:PL76,1201-1202)
(Séc.VI)
Tomé, chamado Dídimo, que era um dos
doze, não estava com eles quando Jesus veio (Jo
20,24). Era o único discípulo que estava ausente. Ao voltar, ouviu o que
acontecera, mas negou-se a acreditar. Veio de novo o Senhor, e mostrou seu lado
ao discípulo incrédulo para que o pudesse apalpar; mostrou-lhe as mãos e,
mostrando-lhe também a cicatriz de suas chagas, curou a chaga daquela falta de
fé. Que pensais, irmãos caríssimos, de tudo isto? Pensais ter acontecido por
acaso que aquele discípulo estivesse ausente naquela ocasião, que, ao voltar,
ouvisse contar, que, ao ouvir, duvidasse, que, ao duvidar, apalpasse, e que, ao
apalpar, acreditasse?
Nada disso aconteceu por acaso, mas por
disposição da providência divina. A clemência do alto agiu de modo admirável a
fim de que, ao apalpar as chagas do corpo de seu mestre, aquele discípulo que
duvidara curasse as chagas da nossa falta de fé. A incredulidade de Tomé foi
mais proveitosa para a nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram
logo. Pois, enquanto ele é reconduzido à fé porque pôde apalpar, o nosso
espírito, pondo de lado toda dúvida, confirma-se na fé. Deste modo, o discípulo
que duvidou e apalpou tornou-se testemunha da verdade da ressurreição.
Tomé apalpou e exclamou: Meu
Senhor e meu Deus! Jesus lhe disse: Acreditaste, porque me viste? (Jo
20,28-29). Ora, como diz o apóstolo Paulo: A fé é um modo de já possuir
o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se vêem (Hb
11,1). Logo, está claro que a fé é a prova daquelas realidades que não podem
ser vistas. De fato, as coisas que podemos ver não são objeto de fé, e sim de
conhecimento direto. Então, se Tomé viu e apalpou, por qual razão o Senhor lhe
disse: Acreditaste, porque me viste? É que ele viu uma coisa e
acreditou noutra. A divindade não podia ser vista por um mortal. Ele viu a
humanidade de Jesus e proclamou a fé na sua divindade, exclamando: Meu
Senhor e meu Deus! Por conseguinte, tendo visto, acreditou. Vendo um
verdadeiro homem, proclamou que ele era Deus, a quem não podia ver.
Alegra-nos imensamente o que vem a
seguir: Bem-aventurados os que creram sem ter visto (Jo 20,29). Não
resta dúvida de que esta frase se refere especialmente a nós. Pois não vimos o
Senhor em sua humanidade, mas o possuímos em nosso espírito. É a nós que ela se
refere, desde que as obras acompanhem nossa fé. Com efeito, quem crê verdadeiramente,
realiza por suas ações a fé que professa. Mas, pelo contrário, a respeito
daqueles que têm fé apenas de boca, eis o que diz São Paulo: Fazem
profissão de conhecer a Deus, mas negam-no com a sua prática (Tt
1,16). É o que leva também São Tiago a afirmar:A fé, sem obras, é morta (Tg
2,26).
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