III
DOMINGO APÓS A EPIFANIA
A partir do terceiro domingo, a liturgia
abandona a cronologia da vida de Jesus ; ela escolherá alguns milagres e
ensinamentos de Nosso Senhor, sem ter em conta a cronologia. Como nós dissemos
anteriormente, estas perícopes tem uma relação com o pensamento da epifania: o
Cristo aparece no seu reino como Salvador (3º domingo), como Vencedor (4º
domingo), como Juiz (5º domingo).
O
sentido deste 3º domingo, em poucas palavras, é este: os pagãos e os pecadores
entram para o reino de Deus. Os Evangelhos destes três domingos são tirados de
s. Mateus, e em continuidade. Talvez seja
um resquício do antigo costume de ler os Evangelhos em sequência, como se fazia
na Igreja dos primeiros séculos.
Pecadores e
pagãos.
Pe. Erico de Melo Falcão |
São estas duas palavras que nos revelarão o conteúdo principal
deste domingo. Pecadores e pagãos? Os pecadores estão separados de Deus, são
rebeldes que se levantaram contra o divino Rei; quanto aos pagãos, eles não
sabem nada de Deus e não pertencem ao reino de Cristo. Que fazem estas duas
categorias de pessoas neste tempo de epifanias? Se nós lermos os evangelhos,
veremos como Jesus se comporta justamente com os pecadores e os pagãos.
Devemos relembrar que são justamente os « piedosos e os
santos » do judaísmo, os fariseus, os escribas e mesmo os sacerdotes, que
mostraram hostilidade para com o Senhor. São eles que igualmente que o pregarão
na Cruz. Não é trágico ver que um pagão, como Pilatos, que deseja libertar o Cristo
das mãos dos Judeus, foi forçado, contra sua vontade, a condená-lo à morte na
cruz ?
O Senhor é recebido com entusiasmo pelos pecadores e pagãos. Nós
podíamos citar uma série de exemplos. O nobre centurião de Cafarnaum não se
considera digno que o Senhor « entre sob seu teto ». A mulher
cananéia chora e suplica ao Senhor para obter a cura de sua filha. Com tamanha
fé, a mulher pagã, atingida por um fluxo de sangue, toca a ponta da roupa do
Senhor! Com tamanha sinceridade, o pagão liberto do demônio, da região de
Gerasa, suplica ao Senhor que lhe permita segui-lhe. Enfim os Magos pagãos
vindos do longe Oriente para Belém para
adorar o Rei dos Judeus recém-nascido. E após a Ascensão de N. Senhor os
Apóstolos, e particularmente são Paulo, farão a mesma experiência sem cessar e
repetidas vezes. Os Judeus rejeitarão a boa-nova que os pagãos acolherão com
entusiasmo.
E foi assim também a atitude do Senhor para com os pecadores,
durante sua vida terrena. « Ele entra
na casa de um pecador », « ele come e bebe com os pecadores »,
dizem com desprezo os Judeus, falando do Senhor. E ele não deixa de reprová-los :
« Não são os sadios que precisam de médico, mas os doentes. » Jesus Cristo
veio « procurar o que estava perdido ». Então ele pronunciará contra
os « piedosos » de Israel as maldições e terá compaixão da mulher
adúltera, da pecadora pública no banquete na casa de Simão, da Samaritana, do
bom ladrão na cruz e lhes dará, com o perdão, a alegria. «Eu não te condeno,
não peques mais.» « Hoje mesmo, estarás comigo no paraíso ».
O Evangelho das Bodas de Caná diz que depois que Jesus mudou a
água em vinho, os seus discípulos creram nele.
Neste evangelho vemos Jesus após o sermão da montanha. Depois de
ter proclamado o reino de Deus, Jesus dá o encaminhamento com a vitória sobre o
mal em suas várias manifestações. No monte ele é o mestre sublime; na planície,
onde vivem os homens despedaçados pela dor e pelo pecado, ele é o
Salvador. S. Mateus, através de uma
série de milagres dos quais o de hoje é o primeiro, mostra como o reino de Deus
se concretiza a partir dos mais necessitados da salvação.
O primeiro milagre é para um leproso excluído convívio dos outros
homens. O segundo milagre é feito a a
favor de um pagão. A presença nele de uma fé límpida e profunda parece a Jesus
um símbolo do novo curso que toma a história da salvação: o povo dos descendentes
de Abraão é incrédulo ; para encontrar a fé é preciso sair de Israel. De
que serve ter o sangue de Abraão nas veias se não se tem a sua fé ?
O Evangelho deste domingo mostra N. Senhor, após o sermão da
Montanha. Eis como Jesus encontra a humanidade: doente de pecado. Com a cura do
leproso vemos que a humanidade está doente da lepra do pecado: o Filho de Deus
dignou-se tocar a humanidade no mistério do seu nascimento e dar-lhe a
saúde. Com o seu advento, Cristo realiza
a paz entre o céu e a terra. E por isso os homens podem buscar a paz entre
eles, porque Cristo é a fonte dessa unidade e paz.
Entramos no
tema da conversão, que será objeto de nossa reflexão nestes primeiros domingos
do ano litúrgico.
Perguntamo-nos o por quê desse reino ser apresentado dentro de um modo processivo, com as figuras
da semente, do grão de mostarda e do fermento na massa. Tudo isso demonstrava o
passo lento da evolução do Reino anunciado e trazido por N. Senhor. Podemos
responder que isso nos ajuda a ver e m o logo a natureza espiritual desse
reino, quer dizer, seu fim é religioso, não é político, segundo o anseio
público daqueles tempos. Esse reino se estabelece em oposição ao de Satanás;
não fará uma oposição a César e finalmente não será nacionalista, mas universal.
O reino está próximo e a maneira de entrar nele é pela penitência
e conversão. N. S. inicia sua pregação dizendo isso. Com estas palavras
ensinava que a justificação se dá pela fé. Antes dele, converter-se significava
sempre voltar atrás, voltar à aliança que havia sido violada, mediante uma
renovada observância da lei. Convertei-vos a mim, deixai o vosso caminho
perverso, dizia Deus pelos profetas.
Converter-se, consequentemente, tem um significado ascético moral
e penitencial e acontece mediante a mudança de vida. A conversão é vista como
condição para a salvação; o sentido é esse: convertei-vos e sereis salvos;
convertei-vos e a salvação virá a vós. Este é o significado predominante que a
palavra conversão tem nos lábios de João Batista.
Na boca de Jesus este significado moral passa a um segundo plano,
ao menos no início da sua pregação, em relação a um significado novo, até então
desconhecido. Converter-se não significa voltar atrás, a antiga aliança e a
observância da lei, mas significa dar um passo adiante, entrar na nova aliança,
pegar este reino que apareceu, entrar nele através da fé. Converter-se e crer
não são duas coisas distintas, mas a mesma coisa: converter-se crendo. A
primeira conversão se dá pela fé, dirá S. Tomás de Aquino.
Próximos da festa da conversão ou chamada do apóstolo s. Paulo,
vemos como isso acontece. Conversão significa aceitar Jesus, dirigir-se a ele
através da fé. É um encontrar antes que um deixar. Jesus não diz: um homem
vendeu tudo que tinha e se colocou à procura de um tesouro escondido, mas diz:
um homem encontrou um tesouro e por isso vendeu tudo.
O apóstolo Paulo na sua conversão revive o mistério pascal de
Cristo. Existem algumas analogias externas que nos impressionam. Jesus
permaneceu três dias no sepulcro; Saulo por três dias esteve como morto: não
via, nem comia, nem podia ficar de pé. No momento do seu batismo os seus olhos
se abriram, pode comer e retomou suas forças, revivendo. Logo depois do
batismo, Jesus retirou-se para o deserto; Saulo, depois de ser batizado por
Ananias, retirou-se para o deserto da Arábia. Calculam-se uns dez anos dentro
desse período até que ele iniciasse sua atividade pública.
A Galiléia dos pagãos, porque foi o lugar para onde convergiram
itureus, assírios, fenícios e gregos, numa mistura de raças e costumes.
Corromperam-se as doutrinas e os bons costumes religiosos do povo eleito
naquela região, devido à forte e diversificada influência pagã. Eis o motivo
pelo qual aquele povo vivia nas trevas e na região escura da morte. Jesus é a
luz do mundo: não desconfiemos jamais do seu poder de chegar ao fundo dos espíritos mais
entenebrecidos pela infidelidade, pela heresia, pela ignorância, pela
indiferença; e façamos sempre aquilo que devemos fazer, ainda que digamos
depois: somos servos inúteis, fizemos o que devíamos ter feito.
Padre Erico de Melo Falcão
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