Nosso Canal

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O carisma de Fundadora - Santa Teresa d'Ávila

Ofereceu-se uma vez, estando eu com uma pessoa, dizer-me ela e a outras que, se quiséssemos ser freiras à maneira das Descalças, seria talvez possível poder-se vir a fazer um mosteiro.

Como andava com estes desejos, comecei a tratar com aquela senhora minha companheira viúva, de quem já falei e que tinha o mesmo desejo. Ela começou a fazer planos para lhe dar renda. Ao que agora vejo, não levava muito caminho, mas o desejo que disso tínhamos nos fazia parecer que sim. Por outro lado, como me sentia com tão grandíssimo contento na casa onde estava, porque era muito a meu gosto e a cela em que vivia feita muito a meu propósito, detinha-me todavia. Combinamos, contudo, encomendar muito a Deus o caso. 

Tendo eu um dia comungado, Sua Majestade mandou-me instantemente que o procurasse realizar com todas as minhas forças, fazendo-me grandes promessas de que o mosteiro não se deixaria de fazer, e nele se serviria muito a Deus, e que lhe pusesse o nome de S. José e ele nos guardaria uma das portas e Nossa Senhora a outra e Cristo andaria conosco. Que esta casa seria uma estrela que irradiaria de si grande resplendor e, embora as Religiões estivessem relaxadas, não pensasse eu que Ele era pouco servido nelas. Que seria do mundo se não fossem os religiosos? Que dissesse ao meu confessor que Ele me pedia isto e a ele lhe rogava não fosse contra, nem me impedisse. 

Foi esta visão acompanhada de tão grandes efeitos e de tal maneira esta fala do Senhor que não podia duvidar que era Ele. Senti, no entanto, grandíssima pena, pois se me representaram, em parte, os grandes desassossegos e trabalhos que me havia de custar e por estar contentíssima naquela casa; porque, embora antes tratasse da fundação, não era com tanta determinação nem com certeza de que se haveria de fazer. Agora, aqui, dir-se-ia que me faziam pressão e, como via que começava coisa de grande desassossego, estava em dúvida do que faria. Mas foram tantas as vezes em que o Senhor me tornou a falar nisso, pondo-me diante tantos motivos e razões, que via serem claros e que era a Sua vontade, que já não ousei fazer outra coisa senão dizê-lo a meu confessor e dei-lhe, por escrito, relação de tudo o que se passava. 

Ele não ousou dizer-me determinadamente que o deixasse de lado, mas via que não levava caminho, conforme à razão natural, pois eram pouquíssimas ou quase nenhumas as possibilidades da minha companheira, que era quem o havia de fazer. Disse-me que o tratasse com meu prelado e, o que ele dissesse, isso fizesse. Eu não tratava destas visões com o prelado, mas a tal senhora, que queria fazer o mosteiro, foi falar com ele. O Provincial anuiu a isso de boamente, pois é amigo de toda a perfeição e deu-lhe todo o apoio necessário e disse-lhe que admitiria a casa. Trataram da renda que havia de ter e, por muitas razões, queríamos que nunca fossem mais de treze. 

Antes de começar a tratar disto, escrevemos ao santo Frei Pedro de Alcântara dizendo tudo o que se passava. Aconselhou-nos que não o deixássemos de fazer e deu-nos o seu parecer em tudo.

Ainda mal se tinha começado a saber no lugar, quando veio sobre nós a grande perseguição que não se pode descrever em poucas palavras. Foram ditos, risos, dizer-se que era disparate. A mim diziam que estava bem no meu mosteiro. À minha companheira, tanta foi a perseguição, que a traziam mortificada. Eu não sabia que fazer de mim e, em parte, parecia-me que tinham razão. 

Foram tantos os ditos e o alvoroço do meu próprio mosteiro, que, ao Provincial, lhe pareceu difícil opor-se a todos e assim mudou de parecer e não quis admitir a fundação. Disse que a renda não era segura e que era pouca e muita a contradição. Em tudo parece que tinha razão. E, enfim, desinteressou-se e não o quis admitir. A nós já nos parecia que tínhamos recebido os primeiros golpes e deu-nos uma pena muito grande, em especial a mim por ver o Provincial contrário, porque, querendo-o ele, tinha eu desculpa para todos. À minha companheira já não a queriam absolver se o não deixasse, porque, diziam, estava obrigada a evitar o escândalo. 

Ela foi ter com um grande letrado, muito grande servo de Deus, da Ordem de S. Domingos, a dizer e a dar conta de tudo. Isto foi ainda antes do Provincial ter abandonado a ideia, porque em todo o lugar não tínhamos quem nos quisesse dar um parecer e assim diziam que nos guiávamos só por nossas cabeças. Esta senhora deu, pois, relação de tudo, e conta da renda que tinha do seu morgadio, a este santo varão, com grande desejo de nos ajudar, porque era ele o maior letrado que então havia neste lugar e poucos maiores havia na sua Ordem. Também lhe disse tudo o que pensávamos fazer e algumas causas que nos levavam a isso. Não lhe disse, no entanto, coisa de revelação alguma, senão as razões naturais que me moviam, porque não queria que nos desse parecer senão conforme a elas. Pediu que lhe déssemos um prazo de oito dias para responder e perguntou se estávamos determinadas a fazer o que ele nos dissesse. Disse-lhe que sim e, embora o dissesse e penso que o faria (nem mesmo assim via maneira para o levar por diante), nunca perdi a segurança de que se havia de fazer o mosteiro. Minha companheira tinha mais fé; nunca ela, por coisa alguma que lhe dissessem, se resolveria a deixá-lo. 

Eu – como digo – achava impossível deixar de se fazer, de tal maneira tinha para mim ser verdadeira a revelação, desde que nada fosse contra o que está na Sagrada Escritura ou contra as leis da Igreja que somos obrigadas a cumprir. Mas, embora a mim verdadeiramente me parecesse ser de Deus, se aquele letrado me dissesse que não o podíamos fazer sem O ofender e que íamos contra a consciência, parece-me que logo me apartaria disso ou buscaria outro meio; porém o Senhor não me dava senão este. 

Dizia-me depois este servo de Deus que tomara o assunto a seu cargo na plena determinação de pôr da sua parte muito empenho em nos dissuadir de o realizar. É que já tinha vindo à sua notícia o clamor do povo e a ele também lhe parecia desatino, tal como a todos. E logo que soube que o tínhamos ido procurar, um cavalheiro o mandara avisar para que visse o que fazia e não nos ajudasse, mas, em começando a ver o que nos havia de responder e a pensar no negócio e o intento que tínhamos e maneira de viver e religião, assentou-se-lhe ser muito do serviço de Deus e que não se havia de deixar de fazer. E assim nos respondeu que nos déssemos pressa em concluí-lo e disse a maneira e esboço que havia de ter; e, embora a fazenda fosse pouca, que alguma coisa se havia de fiar de Deus. Quem contradissesse a fundação, que fosse ter com ele, que ele lhe responderia. Assim sempre nos ajudou, como depois direi. 

Com isto nos fomos muito consoladas e também porque algumas pessoas santas, que nos costumavam ser contrárias, já estavam mais aplacadas e algumas até nos ajudavam. 

Entre elas, uma era o cavalheiro santo, de quem já tenho feito menção, o qual, como o é, e lhe parecia levar caminho de tanta perfeição, por ser a oração todo o nosso fundamento, embora os meios lhe parecessem muito dificultosos e sem caminho, rendia seu parecer a que podia ser coisa de Deus, o mesmo Senhor o devia mover.

Assim fez com o Mestre, aquele clérigo servo de Deus, de quem disse ter sido o primeiro que me tinha falado, que é o espelho de todo o lugar, como pessoa que Deus tem nele para remédio e proveito de muitas almas, que também já estava em me ajudar no negócio. 

Estando pois as coisas nestes termos, e sempre com a ajuda de muitas orações, comprámos uma casa em bom lugar. Era pequena. Disto, a mim, não se me dava nada, porquanto o Senhor me havia dito que entrasse como pudesse; depois veria o que Sua Majestade faria. E que bem o tenho visto! E assim, embora visse ser pouca a renda, tinha a certeza que o Senhor, por outros meios, havia de prover e favorecer-nos (V 32, 10-18).


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário ou pergunta!