Sumário. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, não
entrará. Se portanto quisermos ser salvos, renunciemos à nossa vontade própria,
e entregando-a sem reserva a Deus, digamos freqüentes vezes cada dia: Senhor,
ensinai-me a cumprir a vossa vontade santíssima; protesto não querer senão o
que quereis Vós. Para que estejamos sempre dispostos a cumprir a vontade
divina, é utilíssimo que desde de manhã nos representemos as contrariedades que
nos possam suceder durante o dia.
I. O que faz a vontade de Deus, entrará
no céu; o que não a faz, nele não entrará. Alguns fazem depender a sua salvação
de certas devoções, de certas obras exteriores de piedade, e entretanto não
cumprem a vontade de Deus. Jesus Cristo, porém, diz: “Não todos aqueles que
me dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos céus; mas entrará somente o que
faz a vontade de meu Pai” — Qui facit voluntatem Patris mei, qui in
coelis est, intrabit in regnum coelorum.
Portanto, se nos quisermos salvar e
chegar à união perfeita com Deus, habituemo-nos a rogar-lhe sempre com Davi: Doce
me, domine, facere voluntatem tuam (1) — “Senhor, ensinai-nos a
fazer a vossa santa vontade.” Ao mesmo tempo desfaçamo-nos da vontade
própria e entreguemo-la toda inteira e sem reserva a Deus. — Quando damos a
Deus os nossos bens pela esmola, o alimento pelo jejum, o sangue pela
disciplina, damos-lhe a nossa própria pessoa. Eis porque o sacrifício da
vontade própria é o sacrifício mais aceito que possamos fazer a Deus; e Deus
enriquece de graças ao que o faz.
Porém, para que tal sacrifício seja
perfeito, deve ter duas qualidades: deve ser feito sem reserva e constantemente.
Alguns dão a Deus a sua vontade, mas com reserva, e semelhante dádiva pouco
agrada a Deus. Outros dão a Deus a sua vontade, mas logo em seguida tornam a
retomá-la, e estes se expõem a grande risco de serem abandonados de Deus. Por
isso, todos os nossos esforços, desejos e orações devem ser dirigidos ao fim de
obtermos de Deus a perseverança em não querermos senão o que Deus quer.
Habituemo-nos a antever desde de manhã, no tempo da meditação, as tribulações
que nos possam suceder no correr do dia e a fazermos continuamente atos de
resignação à vontade Divina. Diz São Gregório: Minus iacula feriunt,
quae praevidentur — “São menos dolorosas as feridas antevistas”.
II. Meu Jesus, cada vez que eu disser: Louvado
seja Deus, ou Seja feita a vontade de Deus, tenho intenção de aceitar todas
as vossas disposições a meu respeito, no tempo e na eternidade. — Só quero o
emprego, a habitação, os vestuários, o nutrimento, a saúde que me tendes
destinado. Se quereis que meus negócios não surtam feliz êxito, meus projetos
se esvaeçam, meus processos se percam, tudo quanto possuo seja roubado, eu
também o quero. Se quereis que eu seja desprezado, odiado, posposto aos outros,
difamado e maltratado, até por aqueles a quem mais amo, eu também o quero. Se
quereis que eu fique privado de tudo, banido de minha pátria, encerrado numa
prisão e viva em penas e angústias contínuas, eu também o quero. Se quereis que
esteja sempre enfermo, coberto de chagas, estropiado, estendido sobre um leito,
abandonado de todos, eu também o quero; tudo seja como Vos agradar e por quanto
tempo quiserdes.
Minha vida mesma ponho nas vossas mãos
e aceito a morte que me destinais; aceito igualmente a morte de meus parentes e
amigos e tudo o que quiserdes. Quero também tudo o que quereis no que diz
respeito ao meu bem espiritual. Desejo Vos amar com todas as minhas forças
nesta vida e ir Vos amar no paraíso como Vos amam os Serafins; mas contente
fico com o que bem quiserdes conceder-me. Se não quereis dar-me senão um só
grau de amor, graça e glória, não quero mais do que isto, porque Vós assim o
quereis. Prefiro o cumprimento de vossa vontade a todos os bens.
Numa palavra, ó meu Deus, de mim e de
tudo o que me pertence, disponde como for vossa vontade; com a minha não
tenhais consideração alguma, pois só quero o que Vós quereis. Qualquer que seja
o tratamento que me deis, amargo ou doce, agradável ou penoso, aceito-o e
abraço-o, porque tanto um como outro me virá de vossa mão. — Aceito, meu Jesus,
de maneira especial a morte que me espera e todas as penas que devem
acompanhá-la, no lugar e momento que for vossa vontade. Unindo-as à vossa santa
morte, ó meu Salvador, Vo-las ofereço em testemunho de meu amor a Vós. Quero
morrer para Vos agradar e cumprir vossa divina vontade. — Ó Maria, Mãe de Deus,
obtende-me a santa perseverança. (*II 279.)
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1. Ps. 142, 10.
1. Ps. 142, 10.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações:
Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana
depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder &
Cia, 1922, p. 215 - 217.)