Repubblica –
31 de julho de 2008, página 42, seção: CULTURA
O sinal foi inequívoco. Primeiro
o Corpus Domini em Roma, depois se
viu em visão mundial em Sidney. Bento XVI
exige que diante dele a comunhão seja recebida de joelhos. É uma de tantas
reconquistas (ou: recuperações) deste pontificado: o latim, a missa tridentina,
a celebração com as costas voltadas para os fiéis.
Papa Ratzinger tem um desígnio, e
o Mons. Malcolm Ranjith, de Sri Lanka, que o pontífice quis consigo no Vaticano
como secretário da Congregação para o Culto, o delineia eficazmente. A atenção
à liturgia, ele explica, tem o objetivo de uma “abertura ao transcendente”. A
pedido do pontífice, preanuncia Ranjith, a Congregação para o Culto está preparando
um Compêncio Eucarístico para ajudar os sacerdotes a “dispor-se bem para a
celebração e a adoração eucarística”.
A comunhão de joelhos vai nesta
direção?
“Na liturgia se sente a
necessidade de encontrar novamente o sentido [ou: senso] do sagrado, sobretudo
na celebração eucarística. Pois nós cremos que o que acontece no altar vai
muito além do que nós podemos humanamente imaginar. E, por conseguinte, a fé da
Igreja na presença real de Cristo nas espécies eucarísticas é expressa através
de gestos adequados e comportamentos diversos daqueles da cotidianidade [da
vida cotidiana]”.
Marcando uma descontinuidade?
“Não nos encontramos diante de um
chefe político ou uma personagem da sociedade moderna, mas diante de Deus.
Quando desce sobre altar a presença de Deus eterno, devemos colocar-nos numa
posição mais apta para adorá-lo. Na minha cultura, em Sri Lanka , deveríamos
prostrar-nos com a testa no chão, como fazem os budistas e os muçulmanos em
oração”.
A hóstia na mão diminui o sentido
[ou: senso] da transcendência da Eucaristia?
“Em certo sentido, sim. Expõe o
comungante a senti-la quase como um pão normal. O Santo Padre fala muitas vezes
da necessidade de salvaguardar o senso do além na liturgia em toda a sua
expressão. O gesto de tomar a hóstia sagrada e colocá-la nos mesmos na boca e
não recebê-la, reduz o profundo significado da comunhão”.
Há a intenção de se opor a uma
banalização da missa?
“Em alguns lugares perdeu-se
aquele senso do eterno, sagrado ou do celeste. Houve a tendência a colocar o
homem no centro da celebração e não o Senhor. Mas o Concílio Vaticano II fala
claramente da liturgia como actio Dei, actio
Christi (ação de Deus, ação de Cristo). Em certos círculos litúrgicos, ao
invés, quer por ideologia quer por um certo intelectualismo, difundiu-se a
idéia de uma liturgia adaptável a várias situações, na qual se deveria dar
espaço à criatividade, para que seja acessível e aceitável a todos. Depois,
quiçá há quem introduziu inovações sem respeitar nem o sensus fidei e os sentimentos espirituais dos fiéis”.
Às vezes, também bispos tomam o
microfone e vão ao auditório com perguntas e respostas.
“O perigo moderno é que o
sacerdote pense ser ele o centro da ação. Assim, o rito pode assumir o aspecto
de um teatro ou da performance de um apresentador de televisão. O celebrante vê
as pessoas que olham para ele como ponto de referência e há o risco que, para
ter mais sucesso possível com o público, invente gestos e expressões, fazendo o
papel de protagonista”.
Qual seria a atitude certa?
“Quando o sacerdote sabe que não
é ele quem está no centro, mas Cristo. Em humilde serviço ao Senhor e à Igreja,
respeitar a liturgia e suas regras, como algo recebido e não inventado,
significa deixar mais espaço ao Senhor, para que, através do instrumento do
sacerdote, possa animar [estimular] a consciência dos fiéis”.
São desvio também as homilias
pronunciadas por leigos?
“Sim. Porque a homilia, como diz o
Santo Padre, é a maneira como a Revelação e a grande tradição da Igreja é
explicada a fim de que a Palavra de Deus inspire a vida dos fiéis nas suas
escolhas cotidianas e torne a celebração litúrgica rica em frutos espirituais.
E a tradição litúrgica da Igreja reserva a homilia ao celebrante. Aos bispos,
aos sacerdotes e aos diáconos. Mas não aos leigos”.
“Não porque eles não sejam
capazes de fazer uma reflexão, mas porque na liturgia os papéis são
respeitados. Existe, como dizia o Concílio, uma diferença ‘em essência e não
somente em grau’ entre o sacerdócio comum de todos os batizados e aquele dos
sacerdotes”.
Já o Cardeal Ratzinger lamentava
nos ritos a perda do sentido do mistério.
“Muitas vezes a reforma conciliar
foi interpretada ou considerada de uma maneira não totalmente conforme a mente
do Vaticano II. O Santo Padre define esta tendência como anti-espírito do
Concílio”.
Um ano após a plena re-introdução
da missa tridentina, qual é o balanço?
“A missa tridentina contém
valores muito profundos que espelham toda a tradição da Igreja. Há mais
respeito diante do sagrado através dos gestos, genuflexões, silêncios. Há mais
espaço reservado à reflexão sobre a ação do Senhor e também à devoção pessoal
do celebrante, que oferece o sacrifício não apenas pelos fiéis, mas também
pelos próprios pecados e a própria salvação. Alguns elementos importantes do
antigo rito poderão ajudar também a reflexão sobre o modo de celebrar o Novus Ordo. Encontramo-nos num caminho”.
Algum dia no futuro verá um rito
que tome o melhor do antigo e do novo?
“Pode ser, eu talvez não o verei.
Penso que nos próximos decênios se caminhará rumo a uma valorização em
conjunto, seja do rito antigo como do novo, salvaguardando o eterno e
sobrenatural que acontece no altar e reduzindo todo protagonismo, para deixar
espaço ao contato efetivo entre o fiel e o Senhor, através da figura não
predominante do sacerdote”.
“Poder-se-ia pensar no ofertório,
quando as ofertas são levadas para o Senhor, e daí até o fim da oração
eucarística, que representa o momento culminante da ‘transsubstantiatio’ e da
‘communio’”.
O sacerdote que vira as costas
desorienta os fiéis.
“Está errada esta expressão. Pelo
contrário, juntamente com o povo ele se volta para o Senhor. O Santo Padre, no
seu livro O espírito da liturgia,
explicou que, quando as pessoas se sentam ao redor [da mesa], olhando cada um a
face do outro, forma-se um círculo fechado. Mas quando o sacerdote e os fiéis
olham juntos para o Oriente, rumo ao Senhor que vem, é um modo de abrir-se ao
eterno”.
Nesta visão insere-se também a
recuperação do latim?
“Não me agrada a palavra
recuperar. Realizamos o Concílio Vaticano II, que afirma explicitamente que o
uso da língua latina, salvo um direito particular, seja conservado nos ritos
latinos. Por conseguinte, ainda que tenha sido dado espaço à introdução das
línguas vernáculas, o latim não é abandonado completamente. O uso de uma língua
sacra é tradição em todo o mundo. No Hinduísmo, a língua de oração é o
sânscrito, que não é mais em uso. No Budismo
usa-se o Pali, língua que hoje somente os monges budistas estudam. No Islã se
emprega o árabe do Alcorão. O uso de uma língua sacra ajuda-nos a viver a
sensação do além”.
O latim como língua sacra na
Igreja?
“Certo. O Santo Padre mesmo fala
disso na exortação apostólica Sacramentum
caritatis, no parágrafo 62: ‘A fim de exprimir melhor a unidade e a
universalidade da Igreja, quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos
Bispos, em sintonia com as diretrizes do Concílio Vaticano II: excetuando as
leituras, a homilia e a oração dos fiéis, é bom que tais celebrações sejam em
língua latina.’ Fica entendido: durante encontros internacionais”.
Dando de novo força à liturgia,
aonde quer chegar Bento XVI?
“O Papa quer oferecer a
possibilidade de acesso à maravilha da vida em Cristo, uma vida que, embora
sendo vivida aqui na terra, já nos faz sentir a liberdade e a eternidade dos
filhos de Deus. E tal experiência se vive fortemente através de uma autêntica
renovação da fé a qual pressupõe o antegozar das realidades celestes na
liturgia, que se crê, se celebra e se vive. A Igreja é, e deve tornar-se, o
instrumento válido e o caminho para esta experiência libertadora. E a sua
liturgia, aquilo que a torna capaz de estimular tal experiência nos seus
fiéis”.
Marco
Politi
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