Nosso Sumo Pontífice, Bento XVI, explica por que a urgência de um "novo movimento litúrgico" e a situação da liturgia na Igreja. Sendo assim esse texto pode nos dá uma visão do pensamento do Papa sobre as questões litúrgicas hoje tão presentes no meio eclesial.
Bento
XVI, A Minha Vida, Lisboa: Livros do Brasil, 2010, pp.106-108

Não havia simplesmente uma Igreja católica e uma
Igreja protestante, postas uma ao lado da outra, a divisão da Igreja ocorreu
quase imperceptivelmente e teve a sua manifestação mais visível e
historicamente mais incisiva nas mudanças ao nível da liturgia. Estas mudanças
resultaram de tal maneira diversificadas ao nível local, que o limite entre o
que era e não era católico se tornou, amiúde, bem difícil de definir. Esta
situação de confusão, criada pela ausência de uma normativa litúrgica unitária
e pelo pluralismo litúrgico herdado da Idade Média, fez com que Pio V decidisse
que o "Missale Romanum", o texto da liturgia da cidade de Roma, por
ser seguramente católico, devia ser introduzido em todo o lado onde não
houvesse uma liturgia com, pelo menos, duzentos anos de existência. Onde este
critério se verificava, podia manter-se a liturgia anterior, dado que o seu
carácter católico era considerado seguro. Não se pode, por isso, falar de uma
proibição relativa aos "Missais" anteriores e até ao momento
regularmente aprovados.
Agora, pelo contrário, a promulgação do impedimento
do "Missal" que se tinha desenvolvido ao longo dos séculos, desde o
tempo dos sacramentais da Igreja antiga, implicou uma ruptura na história da
liturgia, cuja consequências não podiam deixar de ser trágicas. Tal como já
tinha acontecido muitas vezes, era razoável e plenamente em linha com as
disposições do Concílio que se fizesse uma revisão do "Missal",
sobretudo, tendo em consideração a introdução das línguas nacionais. Mas nesse
momento aconteceu algo mais: destruiu-se o edifício antigo e, embora utilizando
o material e o projecto deste, construiu-se um novo.
Não há dúvida de que, em algumas partes, este novo "Missal" trouxe verdadeiros melhoramentos e um real enriquecimento. Contudo, o facto de ter sido apresentado como um edifício novo - contraposto ao que fora construído ao longo da história - que se proibisse este último e que, de certa maneira, se concebesse a liturgia já não como um processo vital, mas como um produto de erudição especializada e de competência jurídica, trouxe-nos danos extremamente graves. Com efeito, deste modo desenvolveu-se a ideia de que a liturgia se "faz", de que não é uma realidade que exista antes de nós, - algo de "dado" -, mas que depende das nossas decisões. Consequentemente, esta capacidade de decisão não é só reconhecida aos especialistas ou a uma autoridade central, mas também em definitivo a qualquer comunidade que queira ter uma liturgia própria. O problema é que, quando a liturgia é algo que cada qual pode fazer à sua maneira, ela deixa de nos poder dar aquela que é a sua verdadeira qualidade: o encontro com o mistério, que não é produto das nossas acções, mas a nossa origem e a fonte da nossa vida. Para a vida da Igreja, é dramaticamente urgente um renovamento da consciência litúrgica, uma reconciliação litúrgica, que volte a reconhecer a unidade da história da liturgia e compreenda o Vaticano II não como ruptura, mas como momento evolutivo. Estou convencido de que a crise eclesial em que actualmente nos encontramos depende, em grande parte, da decadência da liturgia, que, por vezes, é mesmo concebida "etsi Deus non daretur": "como se se já não interessasse se Deus está ou não presente nela", se Ele nos fala e ouve ou não. Mas se na liturgia já não aparece a comunhão da fé, a unidade universal da Igreja e da sua história, o mistério de Cristo vivo, de que modo é que a Igreja manifesta a sua substância espiritual? Nesse caso, a comunidade celebra-se apenas a si mesma, coisa que não tem qualquer valor. E dado que a comunidade em si mesma não pode subsistir, mas é criada, na fé e como unidade, pelo próprio Senhor, torna-se inevitável que, nestas condições, se chegue ao ponto da fragmentação em partidos de todo o género, à contraposição partidária numa Igreja que se dilacera a si mesma. É por isso que precisamos de um novo movimento litúrgico, que recupere a verdadeira herança do Concílio Vaticano II
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