1.
Naquele tempo disse Jesus a Pedro: “Segue-me” (Jo 21,19). Neste passo do
Evangelho, podem-se observar duas coisas: a imitação de Cristo e seu amor para
com seu fiel discípulo.
I - A Imitação de
Cristo.
2. A imitação de
Cristo está expressa nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mas
também a todo cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo
apego como livre o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “ Chamar-me-ás de Pai
e não te cansarás de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga
fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim
que corro. “Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de
salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corre
também tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou sua cruz por ti, tu
também tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer
vir após mim, renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria
vontade, tome sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é,
continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a
mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos:
“Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande
era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer”
(Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão
e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o
alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis
porque o bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte, para longe da multidão,
vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e
descansai um pouco. Sim, “um pouco”, porque como diz o Apocalipse: “Fez-se
silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora” (8,1) e o Salmo 54,7: “Quem me
dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?”. E o profeta Oséias também
diz: “Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao
coração” (2,16). Nestas três expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao
coração) podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo,
aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a
graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida
de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto
dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente. Aí então,
torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina
e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande
em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase!
Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma. Através da
sublime contemplação ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma
e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: “segue-me”.
O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu nenê a
caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: “Vem, vem, eu vou te dar!” E
quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho.. vai se
afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem
também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e
segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o
sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.
3.
Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No
Livro dos Provérbios encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o
caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles
entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de
tropeçar” (4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem
diferente é o caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo
no-lo mostrou quando disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração
e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho é estreito, dá
apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em
latim `semita’, isto é, “meia estrada”,`semis iter’, pois “semis” quer dizer
metade e `iter’ quer dizer caminho. Caminhos da retidão são os da pobreza e da
obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e
obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem
reto! Mas o que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos,
os passos dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao
contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem
segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados
que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o largo. Com efeito, a
maldade tem uma estreiteza conatural. A pobreza e a obediência, ao contrário,
contêm, é claro, uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade,
porque a pobreza torna rico e a obediência livre. Quem percorrer esses caminhos
seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da
própria vontade. Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei “aquilo que olho não viu,
ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem” (1Cor 2,9). “Segue-me e
dar-te-ei, diz Isaías, tesouros escondidos e riquezas ocultas” (45,3). E o
mesmo: “Ù vista disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e
se dilatará” (60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como ele é e te
encherás de delícias e riquezas na dupla estola da alma e do corpo. Teu coração
admirará as ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da
imensa felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: segue-me! II
- O Amor de Cristo para com o seu discípulo fiel.
4.
O amor de Cristo para com a pessoa que lhe é fiel é bem demonstrado, por
exemplo, na seguinte passagem: “Pedro, então, tendo-se voltado, viu que o
estava seguindo o discípulo que Jesus amava, aquele que na ceia tinha se
inclinado sobre o seu peito” (Jo 21,20). Quem realmente segue a Cristo, deseja
que todos sigam o Senhor. Eis porque se dirige ao próximo com carinho, com
oração devota e com a pregação. O voltar-se de Pedro significa exatamente isto
e concorda com o final do Apocalipse - “O esposo e a esposa, isto é, Cristo e a
Igreja, dizem: Vem! E quem escuta diga por sua vez: Vem! (22,17). Cristo, por
meio da inspiração celeste, e a Igreja, por meio da pregação, dizem ao homem e
à mulher: Vem! E quem ouve essas palavras, diga por sua vez ao próximo: Vem!
Não queres seguir a Jesus? Portanto: tendo-se voltado, Pedro viu que o estava
seguindo aquele discípulo que Jesus amava. E Jesus ama quem o segue. No livro
dos Números diz-se o seguinte: “O meu servo Caleb, que me seguiu fielmente, eu
o introduzirei na terra que ele percorreu. E a sua geração dela tomará posse”
(14,24). A Glossa, sem dizer o nome, mas com as palavras “que Jesus amava” está
indicado o discípulo João e ele se distingue dos outros não porque Jesus amasse
somente a ele, mas porque amava mais a ele do que aos outros. Amava também os
outros, mas a este o amava com “maior afeição”. E Jesus gratificou-o com uma
ternura maior de seu amor, pois o havia chamado quando era ainda virgem e
virgem ele permaneceu; por isso a ele Jesus confiou sua própria mãe. Este foi
um gesto imenso de amor! Somente João repousou a cabeça no peito de Jesus” no
qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,3).
Nesse mesmo gesto estava como que prefigurado o fato dos inumeráveis segredos
divinos que ele haveria de escrever, a diferença dos demais evangelistas.
5.
Pode-se observar também que Jacó descansou sobre uma pedra e João sobre o peito
de Jesus. Aquele durante a caminhada, este durante a ceia. Em Jacó são
representados os peregrinos sobre a terra, em João os bem-aventurados. Aqueles,
durante a caminhada terrena, estes, já chegados à pátria celeste. No livro do
Gênesis, se diz: “Jacó partiu de Bersabéia e dirigia-se a Haran. Querendo
descansar, pegou uma pedra, colocou-a sob a cabeça e dormiu. E, em sonho, viu
uma escada em pé e anjos subindo e descendo por ela e o Senhor no topo da
escada.” (28,10-13). Jacó é o justo ainda peregrino sobre esta terra onde tem
muito que lutar. Ele sai de Bersabéia que significa “sétimo poço” e representa
o poço sem fundo da cobiça humana, exatamente como o sétimo dia do qual se lê
não ter fim. Dirige-se rumo a Haran que significa “alto” e representa por isso
a Jerusalém celeste. O profeta Habacuc o diz: “Subirei e me unirei ao nosso
povo já em paz”, o nosso povo que triunfou sobre a maldade do século. E, por
desejar aliviar o cansaço de sua peregrinação, o justo coloca sob a cabeça uma
pedra e adormece. A cabeça é a mente. A pedra é a firmeza da fé. A escada em pé
representa o duplo amor a Deus e ao próximo. Os anjos são os homens justos que
sobem até Deus elevando-se com suas mentes, mas abaixando-se até o próximo
através da compaixão. A pessoa justa, então, durante a peregrinação terrena, coloca
a mente na firmeza da fé para descansar. Eis porque está escrito nos
Provérbios: “O arganaz, uma espécie de marmota, por sua natureza, é fraco e faz
seu esconderijo na pedra” (30,26). O arganaz, animal tímido, representa quem é
fraco no espírito e por isso não sabe opor-se com força aos ataques de qualquer
espécie e coloca na pedra da fé o travesseiro da sua esperança para aí poder
descansar e dormir e ver elevar-se em si mesmo a escada do amor. Observe-se que
o Senhor está no topo da escada por dois motivos: para sustentá-la e para
acolher os que nela sobem. Na realidade ele sustenta o peso da nossa
fragilidade de modo a estarmos em grau de subir a escada através das obras do
amor. E ele acolhe aqueles que sobem para que possamos também nós tornar-nos eternos
e bem aventurados com ele que é eterno e bem aventurado. E então, naquela ceia
que nos saciará para sempre, descansaremos, com João, sobre o peito de Jesus. O
coração no peito é o amor no coração. Descansaremos em seu amor, porque
haveremos de amá-lo com todo o coração e com toda a alma e encontraremos nele
todos os tesouros da sabedoria e da ciência. O amor de Jesus! Que tesouro
colocado no amor! Que sabedoria de inestimável sabor! Que ciência ele nos faz
conhecer! “Serei saciado, diz o salmista, quando aparecer a tua glória” (16,15)
e “Esta é a vida eterna: conhecer a Ti, o único verdadeiro Deus e aquele que
enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). A Ele sejam dados louvor e glória pelos
séculos eternos. Amém.
(Na Festa de São João Evangelista, III,pg.31-35)
Traduzido diretamente dos originais em latim por
frei Geraldo Monteiro, conforme a edição crítica: “Sermões Dominicais e
Festivos, III volume, Pádua, 1979, Ed. Messaggero Padova”.
Pedro, conhecendo Santo Antônio, quem não o amará? De todos os Santos, este sim, merece as auréolas da glória e do explendor eternos, transparentes - glória e eternidade - da imitação quase perfeita de Cristo: O Cruzressuscitado amor de nós! Amo-te, menino de Deus!
ResponderExcluirTia Rose