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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Homilia do sua Santidade Bento XVI na solenidade de São Pedro e São Paulo


Venerados Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,

Queridos irmãos e irmãs!

Reunimo-nos à volta do altar para celebrar solenemente os Apóstolos São Pedro e São Paulo, Padroeiros principais da Igreja de Roma. Temos conosco os Arcebispos Metropolitas nomeados durante os últimos doze meses, que acabaram de receber o pálio: a eles dirijo, de modo especial e afetuoso, a minha saudação. E, enviada por Sua Santidade Bartolomeu I, está presente também uma eminente Delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, que acolho com gratidão fraterna e cordial. Em espírito ecumênico, tenho o prazer de saudar, e agradecer pela sua participação, «The Choir of Westminster Abbey», que anima a Liturgia juntamente com a Capela Sistina. Saúdo também os Senhores Embaixadores e as Autoridades civis: a todos agradeço pela presença e a oração.

À frente da Basílica de São Pedro, como todos bem sabem, estão colocadas duas estátuas imponentes dos Apóstolos Pedro e Paulo, facilmente identificáveis pelas respectivas prerrogativas: as chaves na mão de Pedro e a espada na mão de Paulo. Também na entrada principal da Basílica de São Paulo Extra-muros, estão conjuntamente representadas cenas da vida e do martírio destas duas colunas da Igreja. Desde sempre a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo. Mas, a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um significado particular em Roma. De fato, a comunidade cristã desta Cidade viu neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rômulo e Remo, o par de irmãos a quem se atribui a fundação de Roma. E poder-se-ia, continuando em tema de fraternidade, pensar ainda noutro paralelismo antitético formado com o primeiro par bíblico de irmãos: mas, enquanto nestes vemos o efeito do pecado pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de ser humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava. Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade: esta é, para cada um de nós, a primeira e fundamental mensagem da Solenidade de hoje, cuja importância se reflete também na busca da plena comunhão, à qual anelam o Patriarca Ecumênico e o Bispo de Roma, bem como todos os cristãos.

Na passagem do Evangelho de São Mateus que acabamos de ouvir, Pedro faz a sua confissão de fé em Jesus, reconhecendo-O como Messias e Filho de Deus; fá-lo também em nome dos outros apóstolos. Em resposta, o Senhor revela-lhe a missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a «pedra», a «rocha», o fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf. Mt 16, 16-19). Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus começa por nos dizer que o reconhecimento da identidade de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém «da carne e do sangue», isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma revelação especial de Deus Pai. Caso diverso se verifica logo a seguir, quando Jesus prediz a sua paixão, morte e ressurreição; então Simão Pedro reage precisamente com o ímpeto «da carne e do sangue»: «Começou a repreender o Senhor, dizendo: (...) Isso nunca Te há-de acontecer!» (16, 22). Jesus, por sua vez, replicou-lhe: «Vai-te daqui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de escândalo...» (16, 23). O discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma rocha firme, surge aqui como ele é na sua fraqueza humana: uma pedra na estrada, uma pedra onde se pode tropeçar (em grego, skandalon). Por aqui, se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as capacidades humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus com Simão Pedro, o drama da história do próprio Papado, caracterizada precisamente pela presença conjunta destes dois elementos: graças à luz e força que provêm do Alto, o Papado constitui o fundamento da Igreja peregrina no tempo, mas, ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que só a abertura à ação de Deus pode transformar.
 
E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as portas do inferno», isto é, as forças do mal, «non praevalebunt», não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração da vocação do profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer - non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr 1, 18-19). Na realidade, a promessa que Jesus faz a Pedro é ainda maior do que as promessas feitas aos profetas antigos: de fato, estes encontravam-se ameaçados por inimigos somente humanos, enquanto Pedro terá de ser defendido das «portas do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma promessa que diz respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias relativamente ao futuro da Igreja, da nova comunidade fundada por Jesus Cristo e que se prolonga para além da existência pessoal do próprio Pedro, ou seja, por todos os tempos.

Detenhamo-nos agora no símbolo das chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa nele o oráculo do profeta Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os seus ombros a chave do palácio de David; o que ele abrir, ninguém fechará; o que ele fechar, ninguém abrirá» (Is 22, 22). A chave representa a autoridade sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de Jesus, mas dirigida aos escribas e fariseus, censurando-os por terem fechado aos homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23, 13). Também este dito nos ajuda a compreender a promessa feita a Pedro: como fiel administrador da mensagem de Cristo, compete-lhe abrir a porta do Reino dos Céus e decidir se alguém será aí acolhido ou rejeitado (cf. Ap 3, 7). As duas imagens – a das chaves e a de ligar e desligar – possuem significado semelhante e reforçam-se mutuamente. A expressão «ligar e desligar» pertencia à linguagem rabínica, aplicando-se tanto no contexto das decisões doutrinais como no do poder disciplinar, ou seja, a faculdade de infligir ou levantar a excomunhão. O paralelismo «na terra (...) nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no exercício desta sua função eclesial, têm valor também diante de Deus.


No capítulo 18 do Evangelho de Mateus, consagrado à vida da comunidade eclesial, encontramos outro dito de Jesus dirigido aos discípulos: «Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu» (Mt 18, 18). E na narração da aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde da Páscoa, São João refere esta palavra do Senhor: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 22-23). À luz destes paralelismos, é claro que a autoridade de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar os pecados. E esta graça, que despoja da sua energia as forças do caos e do mal, está no coração do mistério e do ministério da Igreja. A Igreja não é uma comunidade de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem reconhecer necessitados do amor de Deus, necessitados de ser purificados através da Cruz de Jesus Cristo. Os ditos de Jesus sobre a autoridade de Pedro e dos Apóstolos deixam transparecer precisamente que o poder de Deus é o amor: o amor que irradia a sua luz a partir do Calvário. Assim podemos compreender também por que motivo, na narração evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue imediatamente o primeiro anúncio da paixão: na verdade, foi com a sua própria morte que Jesus venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou sobre o mundo uma torrente imensa de misericórdia, que irriga, com as suas águas salutares, a humanidade inteira.
Queridos irmãos, como recordei no princípio, a iconografia tradicional apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios, descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar-se a morte, escreve a Timóteo: «Combati o bom combate» (2 Tm 4, 7); aqui não se trata seguramente do combate de um comandante, mas daquele de um arauto da Palavra de Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e colocou-o, juntamente com Pedro, como coluna no edifício espiritual da Igreja.

Amados Metropolitas, o pálio, que vos entreguei, recordar-vos-á sempre que estais constituídos no e para o grande mistério de comunhão que é a Igreja, edifício espiritual construído sobre Cristo como pedra angular e, na sua dimensão terrena e histórica, sobre a rocha de Pedro. Animados por esta certeza, sintamo-nos todos juntos colaboradores da verdade, que – como sabemos – é una e «sinfônica», exigindo de cada um de nós e das nossas comunidades o esforço contínuo de conversão ao único Senhor na graça de um único Espírito. Que nos guie e acompanhe sempre no caminho da fé e da caridade, a Santa Mãe de Deus. Rainha dos Apóstolos, rogai por nós!

Amem
[00926-06.01] [Texto original: Italiano]

quinta-feira, 28 de junho de 2012

"A ação diabólica é mais nefasta do que se possa pensar”


D. Andréa Gemma

Em recente livro, o bispo de Isernia-Venafro, na Itália, descreve suas experiências de exorcista e as surpreendentes conclusões a que foi levado durante uma década de prática do Exorcistado.

Mons. Andréa Gemma
Na manhã de 29 de junho de 1992, o novo bispo de Isernia-Venafro, D. Andrea Gemma, saía da Basílica Vaticana, olhando pensativo para a Praça de São Pedro. As palavras de São Mateus, “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18), ecoavam em seu espírito com um atrativo sobrenatural. E lhe inspiravam graves considerações: 1) a ação do demônio não só não diminuiu, mas multiplicou-se; 2) o demônio é consciente de que dispõe de pouco tempo; 3) Nosso Senhor Jesus Cristo deu à Igreja enorme poder contra Satanás; 4) para não ser derrotado, o demônio faz tudo para agir no silêncio; 5) chegou o momento de desmascarar a ação insidiosa de Lúcifer e enfrentá-lo de viseira erguida, com as armas de que a Igreja dispõe. (* – pp. 11-12).

1. Por que não se fala da necessidade de exorcismo?
Voltando à sua diocese, a 170 km de Roma, D. Andrea decidiu pôr em prática o mandato divino “expulsai os demônios” (Mc 16,17). Porque, explica ele, para o bispo, exorcizar “não é uma escolha, é obrigação” (p. 21). E cita o exorcista oficial de Roma, Pe. Gabriele Amorth: “Um bispo que não estabelece pelo menos um exorcista na sua diocese não está isento de pecado mortal por grave omissão” (p. 24).

O resultado foi surpreendente. O poder do inferno se lhe revelou em todo o seu horror e em toda a sua extensão. “Quantas vezes — escreve ele —, nos meus colóquios cotidianos, freqüentemente difíceis, com os doentes de todo tipo, esta verdade se punha diante de mim: ‘Por que não nos falaram antes destas coisas? Por que não nos alertaram com uma adequada instrução? Por que não nos preservaram a nós, grei de Cristo, da devastação dos lobos famintos?” (p. 113).

“Se todos os bispos fossem como você, estaríamos completamente vencidos, e imediatamente” (p. 12), gritou-lhe um demônio por meio de uma mulher possessa, acrescentando em uma outra ocasião: “[mas] vocês são poucos” (p. 62).

2. Poder da promessa de Nossa Senhora em Fátima

Em 1992, o prelado publicou a pastoral As portas do inferno não prevalecerão. Nela, alertava: “A ação infestante e obscura de Satanás [...] está, acreditai-me, mais difundida e é mais nefasta do que se possa pensar” (p. 15). Na pastoral, D. Andrea convocou a diocese para “uma luta sem quartel, concertada e eficaz contra o mal e as suas artes” (p. 16). O bispo promoveu orações públicas que congregavam multidões vindas de muito longe. O Maligno se externava visivelmente, e aqueles que sofriam alguma ação diabólica eram levados à sacristia para serem objeto de exorcismos específicos.

O bispo não imaginava que sua pastoral daria a volta ao mundo, sendo traduzida em várias línguas. Cartas, imprensa, pessoas de toda Itália e até do exterior, apelando ao seu socorro porque sentiam alguma ação diabólica ou estavam possessas, lhe mostraram que muitos fiéis estavam esperando algo do gênero.

Nos exorcismos, D. Andrea pôde constatar o enorme poder de Nossa Senhora e da Igreja sobre as potências do abismo: “Se quero ver o demônio realmente furioso, basta jogar-lhe água benta, pronunciando esta minha doce certeza: ‘por fim, o Coração materno de Maria triunfará’. ‘Sim!!!’, me responde, sempre rangendo os dentes. Mas algumas vezes acrescenta um desafio: ‘neste meio tempo, quantos levaremos conosco’...” (p. 63).

D. Andrea interrogou várias vezes os demônios possuidores:

— “Vós, que vexais as vossas vítimas, tirais algum proveito ou alívio disso?
— Não, pelo contrário, nós sofremos um maior agravamento das nossas penas.
— E, então, por que o fazeis?
— Por ódio, por ódio, por ódio” (p. 61)


3. A Igreja em crise não usa as suas armas

O bispo procurou inspiração nos textos do Vaticano II, e eis as suas conclusões: “Ide e folheai todos os documentos do Concílio Vaticano II, [...] verificai se se fala, e quantas vezes, do demônio e das suas obras. Sabeis que naqueles dezesseis documentos, pensados e ponderados, não existe sequer a palavra inferno, nem a palavra ‘demônio’? Incrível, mas verdadeiro, basta ir verificar...” (p. 88).

Ele debruçou-se sobre os textos litúrgicos antigos e novos. E ficou estupefato: “Sempre lamentei que na reforma da Missa se tenha tirado aquela oração a São Miguel [Exorcismo Breve], que Leão XIII, não sem inspiração do alto, quis que fosse recitada no fim de cada celebração. Muitas vezes o demônio, pela voz dos possessos, fez saber que gostou muitíssimo dessa abolição! [...] O que é que sugeriu e sugere evitar-se o mais possível, nos textos litúrgicos, a menção a Satanás, às suas nefastas intervenções, às conseqüências da sua ação destrutiva? Quem possa, que me responda. E com argumentos válidos, por favor. [...] Hoje a obra assassina do demônio é mais evidente do que nunca [...]. Então, não somente não era o caso de expurgar as fórmulas deprecatórias e imprecatórias, mas sim de multiplicá-las e reforçá-las. Porém, infelizmente não foi assim” (p. 27).

4. O ambiente laicizado hodierno: vitória do demônio

D. Andrea reparou que os históricos dos que padecem malefícios e o dos possessos eram muito parecidos. É imensa, diz ele, a quantidade de ocasiões que o contexto atual oferece às serpentes infernais para se apossarem das suas vítimas.

“A maior vitória do diabo consiste em convencer os homens de que ele não existe”. Esta verdade indiscutida levou o prelado à conclusão de que o ambiente moderno serve de luva ideal para as garras infernais. A todo momento, esse ambiente sugere que não há Deus nem demônio, nem Céu nem inferno. E os espíritos malignos atacam e invadem os corpos das suas vítimas de inúmeras formas. Há cultos satânicos explícitos. Mas também implícitos, como certas técnicas de meditação e algumas terapias alternativas, superstições ou modas tipo Nova Era ou músicas tipo rock and roll.

Como é que a humanidade gerou esse ambiente enganosamente neutro e materialista, porém tão útil para os espíritos das trevas?

5. A Revolução gera ambiente propício à ação diabólica

D. Andrea dá uma elucidativa explicação histórica. Ela se aproxima muito da denúncia do processo revolucionário que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira formula na sua obra magistral Revolução e Contra-Revolução. Não descartamos que o culto bispo italiano tenha tirado dela alguma inspiração: “A laicização da nossa sociedade é o fruto de um longo e complexo processo que durou cerca de cinco séculos, e que se desenvolveu em três etapas fundamentais, três revoluções no campo cultural e social, mas com lances também cruentos, que levaram à gradual transformação do mundo antigo, tradicional, para dar na sociedade atual, pós-moderna e secularizada”.

D. Andrea descreve essas sucessivas revoluções: primeiro a revolução protestante, que causou um grande desgarramento da sociedade cristã medieval; segundo o Iluminismo e a Revolução Francesa; terceiro a Revolução comunista marxista. Por fim, acrescenta, uma quarta etapa ou Revolução: a do movimento estudantil dos anos 60, que contestou a família, generalizou o uso da droga, propugnou a libertação dos vínculos morais, e sobretudo revoltou-se contra toda autoridade. Esse processo gerou uma sociedade e uma cultura que tendencialmente seduzem os homens para a idéia de que Deus e a religião são coisas absurdas (pp. 113ss).

Há os que se deixam levar por essa influência, ensina D. Andrea. Mas há também os que reagem de um modo exasperado e caem no exagero oposto: as novas e enganosas formas de religiosidade. Todas são fáceis presas de Lúcifer.

6. Armas para derrotar os demônios

Estatutária medieval: Nossa Senhora defende o monge Teófilo (séc VI) de ação diabolica D. Andrea exorta os fiéis a recorrerem às armas que vencem o demônio: a Fé, os Livros Sagrados, o jejum, os sacramentos. E, sobretudo, a oração por meio de Nossa Senhora, a “inimiga eterna de Satanás” (p. 16). Entre as orações específicas, ele recomenda a renúncia formal a Satanás, como se faz na renovação das promessas do batismo, e o exorcismo breve: “São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate; cobri-nos com vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o Deus, instantemente o pedimos, e vós, Príncipe da Milícia Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas. Amém” (p. 17).

E recomenda também não se deixar seduzir pelo ambiente revolucionário hodierno nem pelas falsas novidades nas formas de religiosidade — inclusive no âmbito católico —, que tanto e tão bem servem de ocasião para os malefícios e possessões por parte do pai da mentira.

Com essas cautelas e armas espirituais, o católico resistirá e sairá vitorioso, confiando sempre na promessa divina: “As portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18).


Notas:
D. Andrea Gemma, Io, vescovo esorcista (Eu, bispo exorcista), Editora Mondadori, Milão, 2002, 208 pp. Todas as citações do artigo são extraídas desse livro.




terça-feira, 26 de junho de 2012

Pegadas na neve

Pode surpreender que um motivo de tão pouca importância – umas pegadas na neve – baste para que um adolescente tome uma decisão tão grande: dedicar a sua vida inteira a Deus; mas é essa a linguagem com que Deus costuma chamar os homens, e assim são as respostas, os sinais de fé, das almas generosas que procuram a Deus com sinceridade.

Nos finais de 1914, poucos meses depois de iniciada a I Guerra Mundial, os Escrivá mudaram-se para Logronho, devido à falência do negócio familiar.
Com quarenta e oito anos, José Escrivá preparou-se para começar do zero. Encontrou trabalho como empregado e homem de confiança numa loja de tecidos. Foi uma mudança difícil para todos; também para Josemaria, já adolescente, que prosseguiu os estudos secundários. Era bom aluno, com excelentes notas. O seu sonho era ser arquiteto.

O Natal de 1917-18 foi extremamente frio. O termômetro estabilizou nos 14º negativos por vários dias e a cidade ficou quase paralisada. E num desses dias, a seguir a uma forte névoa, um fato aparentemente irrelevante transformou o horizonte da sua vida. Foram umas pegadas na neve. As pegadas de um carmelita, que caminhava de pés descalços por amor a Deus. Ao vê-las, experimentou na alma uma profunda inquietação divina, que suscitou nele um forte desejo de entrega. Outros a fazer tantos sacrifícios por Deus e ele - interrogou-se -… não seria capaz de lhe dar nada?
”O Senhor foi-me preparando apesar de mim, com coisas aparentemente inocentes, das quais se valia para meter na minha alma essa inquietação divina. Por isso, entendi muito bem aquele amor, tão humano e tão divino, de Teresa do Menino Jesus, que se comove quando, ao folhear um livro, depara com uma estampa com a mão ferida do Redentor. Também a mim me aconteceram coisas deste gênero, que me comoveram e me levaram à comunhão diária, à purificação, à confissão... e à penitência”.
Pode surpreender que um motivo de tão pouca importância – umas pegadas na neve – baste para que um adolescente tome uma decisão tão grande: dedicar a sua vida inteira a Deus; mas é essa a linguagem com que Deus costuma chamar os homens, e assim são as respostas, os sinais de fé, das almas generosas que procuram a Deus com sinceridade. Não foi uma simples reação, emotiva e passageira. “Comecei a pressentir o Amor, a dar-me conta de que o coração me pedia qualquer coisa de grande e que fosse amor. Eu não sabia o que Deus queria de mim, mas era, evidentemente, uma escolha. O que quer que fosse viria depois”.

Decide ser sacerdote
 
A partir daquele dia foi crescendo na sua alma, de forma cada vez mais impetuosa, a necessidade de conhecer e ter mais intimidade com Cristo na oração e nos sacramentos, especialmente na Eucaristia. Começou a assistir diariamente à Santa Missa. Decidiu ser sacerdote: pareceu-lhe que era o melhor caminho para estar inteiramente disponível para essa Vontade de Deus que tinha intuído na sua alma – “algo que estava por cima de mim e em mim” -, e cujo alcance último desconhecia.

E depois? Depois… “viria o que teria de vir”.Falou com o pai. A José Escrivá custava-lhe a decisão do filho, e mais ainda naquelas circunstâncias familiares, - com efeito, foi a única vez que Josemaria o viu chorar – mas como bom pai cristão aconselhou-o a que falasse da sua inquietação com um sacerdote da cidade, para se certificar se essa era a vontade de Deus. O sacerdote confirmou a José Escrivá a vocação do filho. E, apesar de aquela decisão fosse para eles, de uma perspectiva puramente humana, o que é costume chamar-se 2Um sacrifício”, os pais de Josemaria secundaram o chamamento de Deus com grande sentido sobrenatural.

“Di-lo por aí, ensinava São Josemaria, não é um sacrifício para os pais, que Deus lhe peça os seus filhos; nem, para aqueles que o Senhor chama, é um sacrifício segui-lo. É, pelo contrário, uma honra imensa, um orgulho grande e santo, que Deus manifestou num momento concreto, mas que estava na sua mente desde toda a eternidade”.


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sacerdotes devem vestir-se como tal afirma o famoso exorcista Padre Fortea

Padre Fortea
13.06.2012 - O famoso sacerdote exorcista espanhol José Antonio Fortea remarcou a importância de que os sacerdotes vistam a batina, como um sinal de consagração a Deus e de serviço aos fiéis. 

Numa entrevista concedida ao grupo ACI, durante sua visita ao Peru, onde participou da solenidade de Corpus Christi na cidade de Trujillo, na costa norte do país, o Pe. Fortea indicou que "os clérigos devem vestir-se da mesma forma que os sacerdotes mais exemplares se vestem nessas terras, porque ir identificado é um serviço"

Depois de destacar que é obrigação da Conferência Episcopal de cada país determinar qual é o melhor sinal sacerdotal, o Pe. Fortea indicou que "a minha recomendação a respeito deste tema é que o sacerdote se identifique como tal"

Em efeito, o Código de Direito Canônico, no artigo 284 indica que "os clérigos têm que vestir um traje eclesiástico digno, segundo as normas dadas pela Conferência Episcopal e segundo os costumes legítimos do lugar". 

Por outra parte, a Congregação para o Clero, no seu "Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros", expressou "que o clérigo não use o traje eclesiástico pode manifestar um escasso sentido da própria identidade de pastor, inteiramente dedicado ao serviço da Igreja"

"Numa sociedade secularizada e tendencialmente materialista, onde tendem a desaparecer inclusive os sinais externos das realidades sagradas e sobrenaturais, sente-se particularmente a necessidade de que o presbítero, homem de Deus, dispensador de Seus mistérios, seja reconhecível aos olhos da comunidade, também pela roupa que leva, como sinal inequívoco da sua dedicação e da identidade de quem desempenha um ministério público", assinala o documento vaticano. 


O Pe. Fortea destacou que "não vamos identificados porque gostamos. Pode ser que gostemos ou não. Vamos (identificados) porque é um serviço para os fiéis, é um sinal de consagração, ajuda a nós mesmos"

O presbítero reconheceu a dificuldade de que a um sacerdote a quem desde o seminário não lhe ensinou sobre o valor do hábito de usar a batina, mude depois, entretanto precisou que nos últimos isto anos "foi mudando para melhor"
"É fácil mantê-lo (o hábito), é difícil começá-lo. Mas o sacerdote deve ir identificado", assinalou.

Ao ser consultado se o costume de não usar a batina guarda alguma relação com a Teologia Marxista da Libertação, o Pe. Fortea assinalou que "agora as coisas já mudaram"

"Foi nos anos 70, 80, onde todos estes sacerdotes se viam a si mesmos mais como pessoas que ajudavam à justiça social. Ali não tinha sentido o hábito sacerdotal, o hábito sacerdotal tem sentido como sinal de consagração"

Para o famoso exorcista, "agora já passou isso, mas ficou o costume de não vestir-se como tal e claro, é difícil, eu entendo que é difícil. Mas estas coisas estão mudando pouco a pouco"

Fonte: ACI

domingo, 24 de junho de 2012

Voz do que clama no deserto


Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermo 293,1-3: PL 38,1327-1328)
(Séc.V)

A Igreja celebra o nascimento de João como um acontecimento sagrado. Dentre os 
nossos antepassados, não há nenhum cujo nascimento seja celebrado solenemente.  Celebramos o de João, celebramos também o de Cristo: tal fato tem, sem dúvida, uma  explicação. E se não a soubermos dar tão bem, como exige a importância desta  solenidade, pelo menos meditemos nela mais frutuosa e profundamente. João nasce de  uma anciã estéril; Cristo nasce de uma jovem virgem. 

O pai de João não acredita que ele possa nascer e fica mudo; Maria acredita, e Cristo é 
concebido pela fé. Eis o assunto que quisemos meditar e prometemos tratar. E se não formos capazes de perscrutar toda a profundeza de tão grande mistério, por falta de aptidão ou de tempo, aquele que fala dentro de vós, mesmo em nossa ausência, vos ensinará melhor. Nele pensais com amor filial,a ele recebestes no coração, dele vos tornastes templos. 

João apareceu, pois, como ponto de encontro entre os dois Testamentos, o antigo e o novo. O próprio Senhor o chama de limite quando diz: A lei e os profetas até João Batista (Lc 16,16). Ele representa o antigo e anuncia o novo. Porque representa o Antigo Testamento, nasce de pais idosos; porque anuncia o Novo Testamento, é declarado profeta ainda estando nas entranhas da mãe. Na verdade, antes mesmo de nascer, exultou de alegria no ventre materno, à chegada de Maria. Antes de nascer, já é designado; revela-se de quem seria o precursor, antes de ser visto por ele. Tudo isto são coisas divinas, que ultrapassam a limitação humana. Por fim, nasce. Recebe o nome e solta-se a língua do pai. Relacionemos o acontecido com o simbolismo de todos estes fatos. 
 
Zacarias emudece e perde a voz até o nascimento de João, o precursor do Senhor; só então recupera a voz. Que significa o silêncio de Zacarias? Não seria o sentido da profecia que, antes da pregação de Cristo, estava, de certo modo, velado, oculto, fechado? Mas com a vinda daquele a quem elas se referiam, tudo se abre e torna-se claro. O fato de Zacarias recuperar a voz no nascimento de João tem o mesmo significado que o rasgar-se o véu do templo, quando Cristo morreu na cruz. Se João se anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca. Solta-se a língua, porque nasce aquele que é a voz. Com efeito, quando João já anunciava o Senhor, perguntaram-lhe: Quem és tu? (Jo 1,19). E ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto (Jo 1,23). João é a voz; o Senhor, porém,no princípio era a Palavra (Jo 1,1). João é a voz no tempo; Cristo é, desde o princípio, a Palavra eterna.


sábado, 23 de junho de 2012

A tristeza por São Francisco de Sales


Que a tristeza é quase inútil, antes contrária, 
ao serviço do santo amor

Não se pode meter um enxerto de carvalho numa pereira, tanto essas duas árvores são de humor contrário uma à outra; tão pouco se poderia enxertar a ira, nem a cólera, nem o desespero, na caridade, ao menos seria muito difícil. Quanto à ira, vimo-la no discurso do zelo; quanto ao desespero, a não ser que o reduzamos à justa desconfiança de nós mesmos, ou então ao sentimento que devemos ter da vaidade, fraqueza e inconstância dos favores, assistência e promessas do mundo, não vejo que serviço pode o divino amor tirar dele.
E, quanto à tristeza, como pode ela ser útil à santa caridade, já que entre os frutos do Espírito Santo a alegria é colocada junto à caridade? Não obstante, o grande Apóstolo assim diz: A tristeza que é segundo Deus opera a penitência estável em salvação, mas a tristeza do mundo opera a morte (Gal 3, 22; 2 Cor 7, 10).

Há, pois, uma tristeza segundo Deus, a qual é exercida ou pelos pecadores na penitência, ou pelos bons na compaixão pelas misérias temporais do próximo, ou pelos perfeitos na deploração, queixa e condolência das calamidades espirituais das almas; pois David, São Pedro, a Madalena choraram pelos seus pecados, Agar chorou vendo seu filho quase morto de sede, Jeremias sobre a ruína de Jerusalém, Nosso Senhor sobre os Judeus e Seu grande Apóstolo gemendo diz estas palavras: Muitos andam, os quais, eu muitas vezes vos disse e de novo vos digo que são inimigos da cruz de Jesus Cristo (Filip 3, 18).

Há, pois, uma tristeza deste mundo que provém igualmente de três causas:

Porquanto, 1º, provém às vezes do inimigo infernal, que, por mil sugestões tristes, melancólicas e molestas obscurece o entendimento, debilita a vontade e conturba toda a alma. E, assim como um nevoeiro espesso enche de catarro a cabeça e o peito, e por esse meio torna a respiração difícil, e põe em perplexidade o viajor, assim também o maligno, enchendo o espírito humano de pensamentos tristes, tira-lhe a facilidade de aspirar a Deus, e dá-lhe um aborrecimento e desânimo extremo, a fim que desesperá-lo e de perdê-lo. Dizem que há um peixe a que chamam diabo do mar1 o qual, revolvendo e empurrando para cá e para lá o lodo, turva a água à volta de si, para se manter nela como na emboscada, e dela, logo que avista os pobres peixinhos, atira-se sobre eles, assalta-os e os devora, donde talvez tenha vindo a expressão pescar em água turva, de que se usa comumente. Ora, dá-se com o diabo do inferno o que se dá com o diabo do mar; pois ele arma suas emboscadas na tristeza, quando, tendo tornado a alma perturbada por uma multidão de pensamentos aborrecidos, lançados aqui e acolá no entendimento, precipita-se depois sobre os afetos, afligindo-os com desconfianças, ciúmes, aversões, invejas, apreensões supérfluas dos pecados passados, e fornecendo uma quantidade de sutilezas vãs, acres e melancólicas, a fim de que rejeitemos toda sorte de razões e consolações.

2º A tristeza procede também, outras vezes, da condição natural, quando o temperamento melancólico domina em nós, e este não é verdadeiramente vicioso em si mesmo, mas no entanto nosso inimigo serve-se dele grandemente para urdir e tramar mil tentações em nossas almas; porquanto, assim como as aranhas quase nunca fazem suas teias senão quando o tempo está encoberto e o céu nublado, assim também esse espírito maligno nunca tem tanta facilidade para armar as ciladas das suas sugestões nos espíritos doces, benignos e alegres, como nos espíritos sombrios, tristes e melancólicos; pois os agita facilmente com mágoas, suspeitas, ódios, murmurações, censuras, invejas, preguiça e entorpecimento espiritual.

3º Finalmente, há uma tristeza que a variedade dos acidentes humanos nos acarreta.Que alegria posso eu ter, dizia Tobias, não podendo ver a luz do céu? (Tob 5, 12). Assim Jacob ficou triste com a notícia da morte de seu José, e David com a do seu Absalão. Ora, essa tristeza é comum aos bons e aos maus, porém nos bons é moderada pela aquiescência e resignação à vontade de Deus; como se viu em Tobias, que, de todas as adversidades de que foi tocado, deu graças à divina majestade, e em Job, que por elas bendisse o nome do Senhor; e em Daniel, que converteu suas doresem cânticos. Pelo contrário, quanto aos mundanos, essa tristeza lhes é ordinária, e converte-se em pesares, desespero e atordoamentos de espíritos; pois eles são semelhantes às macacas e marmotas, que estão sempre sorumbáticas, tristes e zangadas por falta da lua, mas, ao contrário, à renovação desta, saltam, dançam e fazem as suas momices. O mundano é ronhento, intratável, acre e melancólico na falta das prosperidades terrenas, e na afluência destas é quase sempre fanfarrão, divertido e insolente.

De certo, a tristeza da verdadeira penitência não deve tanto ser chamada tristeza como desprazer, ou sentimento e detestação do mal, tristeza que nunca é nem aborrecida nem mal humorada, tristeza que não entorpece o espírito, mas que o torna ativo, pronto e diligente; tristeza que não abate o coração, mas o eleva pela oração e pela esperança, e o leva a fazer os rasgos do fervor de devoção; tristeza que no forte das suas amarguras produz sempre a doçura de uma consolação incomparável, consoante o preceito do grande Santo Agostinho:

Entristeça-se o penitente sempre, mas sempre se alegre com a sua tristeza. Diz Cassiano que a tristeza que opera a sólida penitência e o agradável arrependimento, da qual a gente nunca se arrepende, é obediente, afável, humilde, bondosa, suave, paciente, como sendo saída e descendente da caridade. De tal sorte que, estendendo-se a toda dor de corpo e contrição de espírito, de certo modo é alegre, animada e revigorada pela esperança do seu proveito, e retém toda a suavidade da afabilidade e longanimidade, tendo em si mesma os frutos do Espírito Santo que o santo Apóstolo narra. Ora, os frutos do Espírito Santo são: caridade, alegria, paz, longanimidade, bondade, benignidade, fé, mansidão, continência (Gal 4, 22). Tal é a verdadeira, e tal a boa tristeza, que por certo não é propriamente triste nem melancólica, mas somente atenta e afeiçoada a detestar, rejeitar e impedir o mal do pecado quanto ao passado e quanto ao futuro. Nós vemos também múltiplas vezes penitências muito apressadas, perturbadas, impacientes, chorosas, amargas, suspirantes, inquietas, grandemente ásperas e melancólicas, as quais enfim se mostram infrutíferas e sem conseqüência de qualquer verdadeira emenda, porque não procedem dos verdadeiros motivos da virtude de penitência, e sim do amor-próprio e natural.

A tristeza do mundo opera a morte (2 Cor 7, 10), diz Apóstolo. Teótimo, cumpre pois evitá-la e rejeitá-la segundo o nosso poder. Se ela é natural, devemos repeli-la, contravindo aos seus movimentos, afastando-a por exercícios próprios para isto, e usando dos remédios e modos de viver que os próprios médicos julgarem oportunos. Se provém de tentação, devemos descobrir vosso coração ao pai espiritual, o qual nos prescrevera os meios de vencê-la, conforme o que sobre isso dissemos na quarta parte da Introdução à vida devota. Se é acidental, recorramos ao que está assinalado no livro oitavo, a fim de vermos o quanto as tribulações são amáveis aos filhos de Deus, e como a grandeza das nossas esperanças na vida eterna deve tornar quase inconsideráveis todos os acontecimentos passageiros da vida temporal.

De resto, por entre todas as melancolias que nos podem advir, devemos empregar a autoridade da vontade superior para fazermos tudo o que pudermos em favor do amor divino. Certamente há ações que dependem tanto da disposição e compleição corporal, que não está em nosso poder fazê-las a nosso gosto. Pois um melancólico não poderia manter nem os olhos, nem a palavra, nem o semblante na mesma graça e suavidade que teria se estivesse descarregado desse mau humor; bem pode, porém, embora sem graça, dizer palavras graciosas, bondosas e corteses, e, apesar da sua inclinação, fazer por força de razão as coisas convenientes em palavras e em obras de caridade, doçura e condescendência. Uma pessoa é desculpável de nem sempre ser alegre, pois não é dono da alegria para tê-la quando quiser; mas não é desculpável de não ser sempre bondosa, manejável e condescendente, pois isto está sempre no poder da nossa vontade, e para isso não é preciso senão resolver-se a superar o humor e inclinação contrária.

1) O nome de diabo do mal aplica-se a vários peixes do Oceano e do Mediterrâneo: à arraia, à escorpena e sobretudo ao diabo marinho.

(Tratado do amor de Deus por São Francisco de Sales, Livro décimo primeiro, capítulo XXI)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor


Da Carta escrita por São Luís Gonzaga à sua mãe.
(Acta Sanctorum, Iuni,5,578)
(Séc.XVI)

Ilustríssima senhora, peço que recebas a graça do Espírito Santo e a sua perpétua consolação. Quando recebi tua carta, ainda me encontrava nesta região dos mortos. Mas agora, espero ir em breve louvar a Deus para sempre na terra dos vivos. Pensava mesmo que a esta hora já teria dado esse passo. Se é caridade, como diz São Paulo, chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram (cf. Rm 12,15), é preciso, mãe ilustríssima, que te alegres profundamente porque, por teus méritos, Deus me chama à verdadeira felicidade e me dá a certeza de jamais me afastar do seu temor.

Na verdade, ilustríssima senhora, confesso-te que me perco e arrebato quando considero, na sua profundeza, a bondade divina. Ela é semelhante a um mar sem fundo nem limites, que me chama ao descanso eterno por um tão breve e pequeno trabalho; que me convida e chama ao céu para aí me dar àquele bem supremo que tão negligentemente procurei, e me promete o fruto daquelas lágrimas que tão parcamente derramei.
 
Por conseguinte, ilustríssima senhora, considera bem e toma cuidado em não ofender a infinita bondade de Deus. Isto aconteceria se chorasses como morto aquele que vai viver perante a face de Deus e que, com sua intercessão, poderá auxiliar-te incomparavelmente mais do que nesta vida. Esta separação não será longa; no céu nos tornaremos a ver. Lá, unidos ao autor da nossa salvação, seremos repletos das alegrias imortais, louvando-o com todas as forças da nossa alma e cantando eternamente as suas misericórdias. Se Deus toma de nós aquilo que havia emprestado, assim procede com a única intenção de colocá-lo em lugar mais seguro e fora de perigo, e nos dar aqueles bens que desejamos dele receber.

Disse tudo isto, ilustríssima senhora, para ceder ao desejo que tenho de que tu e toda a minha família considereis minha partida como um feliz benefício. Que a tua bênção materna me acompanhe na travessia deste mar, até alcançar a margem onde estão todas as minhas esperanças. Escrevo isto com alegria para dar-te a conhecer que nada me é bastante para manifestar com mais evidência o amor e a reverência que te devo, como um filho à sua mãe.

Culto Eucarístico


Por São Pedro Julião Eymard

 O fim da Sociedade é ainda render a Jesus no Santíssimo Sacramento o culto de honra maior, mais santo e mais litúrgico possível.

Culto maior, pelo serviço solene de Exposição onde Jesus é honrado como o Rei imortal dos séculos, a quem toda honra e glória são devidas.

Ante esse sol de amor tudo se eclipsa. Ante o Rei, o ministro não recebe distinções. Ante o Mestre insigne, o servo desaparece.

Tudo quanto há de precioso, de belo, de nobre, deve honrar o Trono divino de Jesus, Senhor único de tudo. E, viesse a Sociedade a possuir todos os diamantes, todo o ouro, todas as coroas do mundo, só deveria ver nisto tudo o privilégio de poder tudo consagrar à glória do Mestre, já que tudo Lhe pertence.

 Culto mais santo

O corpo também deve adorar o Deus da Eucaristia e Lhe render suas homenagens exteriores.

Homenagens de respeito, tendo-se modesta e convenientemente em Sua divina Presença, evitando tudo aquilo que não se permitiria em presença dum personagem ilustre, dum soberano.

Homenagens de piedade, cumprindo com grande espírito de fé e de amor as cerimônias externas, genuflexões, prostrações, reverências prescritas, porque constituem os atos exteriores de adoração do coração e a profissão pública de Fé.

Homenagens públicas de virtudes. Honrando por toda a parte o Mestre, quer em público, quer em particular, quer nas ruas, quer nos templos; adorando-O, prostrado, quando Ele passa levado em Viático, ou quando reina no Trono. E por toda a parte o Rei e Deus do nosso coração, da nossa vida.

Culto mais litúrgico

A Igreja, sempre inspirada pelo Espírito Santo, regrou o culto devido ao Seu divino Esposo, Jesus Cristo, no Santíssimo Sacramento, e que por si, constitui o culto de verdade e de santidade agradável a Deus.

A Igreja, ciosa da honra e da glória do seu Rei, regulou os mínimos pormenores do Seu culto, porque tudo é grande, tudo é divino em se tratando do Seu serviço.

O dever maior, quer da Sociedade, quer da totalidade dos seus membros, é, portanto, estudar as rubricas, os cerimoniais da Igreja e, seguindo-os com exata fidelidade, fazer com que os fiéis, por sua vez, os observem e amem. Honrando desta forma a divina Eucaristia, honro-O a em união com a Santa Igreja, em união com os Seus santos. Rendo-Lhe, então, com a Igreja, uma só e mesma homenagem, presto-Lhe um só e mesmo culto enquanto os Seus méritos suprem minha indignidade, e a Sua perfeição, minha fraqueza. Meu culto então torna-se verdadeiramente católico.
 
Servirá ainda para expiar as irreverências e culpas sem número que cometi nos santos lugares. Servirá para reparar as profanações, os sacrilégios incessantemente cometidos contra este Sacramento por tantos ímpios e maus cristãos.

Será um protesto contra a incredulidade, uma profissão pública de nossa Fé e vocação pela maior glória de Jesus. Hóstia de amor e de louvor.

(A Divina Eucaristia, volume III)