Nota do diretor do Blog: Agradecemos profundamente mais
uma vez ao nosso grande
amigo, Padre Anderson que nos cedeu generosamente este artigo. Que
Deus o dê força para continuar com esse grande ardor catequético e este tão
fecundo apostolado sinal de um amor
profundo à Igreja.
Reflexões
para o ano de fé
Pe. Anderson Alves
ROMA, Monday, 7 January 2013 (Zenit.org).
Estamos
vivendo o ano da fé, no qual somos convidados a conhecer melhor a nossa fé, a
fim de vivê-la mais intensamente. Para isso, é indispensável a oração, a
caridade fraterna e também o estudo. Para isso, o Papa insistentemente nos
propõe o Catecismo da Igreja Católica, verdadeira obra prima do século XX, que
expõe de modo ordenado e claro os principais conteúdos da fé cristã. Outra
grande ajuda para crescer no conhecimento de Cristo nesse ano é certamente o
Magistério do Papa Bento XVI e o seu livro sobre a infância de Jesus. Nesses
textos encontramos reflexões extraordinárias sobre os magos do Oriente que
foram adorar o Senhor recém-nascido. Esses personagens foram verdadeiros
peregrinos na fé e podem ser luzes para o nosso caminho. As reflexões do Papa sobre
os magos são muito ricas e aqui queremos nos centrar num ponto: eles eram
verdadeiros homens de diálogo e por esse meio chegaram a conhecer e a anunciar
Jesus Cristo.
Certamente,
em primeiro lugar nos vêm à mente o diálogo deles com os líderes de Israel em
Jerusalém, quando a estrela que os guiava momentaneamente se ocultou.
Imaginemos a grande surpresa que tiveram ao saber que no palácio real não havia
ninguém que estivesse para dar a luz. Então os sacerdotes e escribas, conhecedores
das Sagradas Escrituras, disseram-lhes que o rei dos judeus deveria nascer na
desconhecida Belém, a cidade do pão. Aqueles homens buscaram o rei dos judeus
no lugar justo e, não o encontrando, deixaram-se conduzir pelo diálogo com os
sábios. E isso lhes levaria ao encontro de Cristo.
Mas mesmo
antes dessa cena o diálogo era o que guiava a vida daqueles homens. A Bíblia
nos diz que eles eram homens de fé e também de ciência. Provavelmente eram
astrônomos orientais, que observavam as estrelas procurando ler nelas os sinais
de Deus. Utilizavam a própria razão na busca do Criador. Na alma deles essas
duas capacidades humanas, fé e razão, estavam sempre em diálogo, em busca de
uma perfeita harmonia.
O Papa Bento
XVI no seu livro diz que esses eram homens que tinham uma grande inquietação
interior que os levou a sair de si mesmos. Eles eram o que na Antiguidade se
chamava filósofos, ou seja, pessoas que buscavam a verdadeira sabedoria por
todos os caminhos possíveis: a obra da criação, o saber científico, a filosofia,
as religiões. O que o coração deles realmente desejava era a sabedoria:
explicar o porquê do mundo e encontrar um sentido para a própria vida. E,
buscando a sabedoria, eles seguiam o caminho aberto por Sócrates que, através
do diálogo, procurava responder a pergunta sobre o que é o homem, indo além das
religiões oficiais.
Os reis
magos seguiram a estrada de Sócrates, ou seja, utilizaram a própria razão para
procurar as respostas fundamentais sobre o mundo e a vida por meio do dialogo.
A razão humana (logos) é, de fato, uma potência para o encontro com os outros,
algo que une o que estava separado: dia-logos.
Num discurso
à Universidade Sapienza de Roma em 2008, o Papa disse que a pergunta socrática
sobre o homem foi o impulso que deu origem à Universidade ocidental, na qual se
buscava harmonizar fé e a razão[1]. De fato, é extraordinário pensar que o
método de ensino naquelas instituições era o mesmo método socrático: o diálogo.
Esses eram posteriormente transcritos, em forma de questões (quaestio), dando
origem às chamadas Sumas e Questões disputadas. Naqueles textos, que hoje podem
parecer frios, estava condensado o ideal socrático: descobrir a verdade sobre
Deus, sobre o mundo e sobre o homem, por meio do diálogo. E participavam do
diálogo não só os ensinamentos bíblicos, dos Padres da Igreja e doutores
eclesiásticos, mas também os filósofos gregos, judeus e muçulmanos. Todos
participavam no diálogo cultural com o único objetivo de conhecer e dar a
conhecer a verdade.
Pe. Anderson Alves |
Atualmente há quem diga que o monoteísmo é uma
ameaça à paz mundial, porque a pretensão de haver uma verdade absoluta levaria
à intolerância para com quem não professa a mesma fé e destruiria a
possibilidade do diálogo, o que evidentemente é um absurdo, também desde o
ponto de vista histórico.
Certa vez o
Papa lembrou-nos uma afirmação de São Tiago: «Sois gerados por meio de uma
palavra de verdade» (1,18). E dizia que hoje a ideia de verdade e de
intolerância estão quase completamente fundidas entre si, de modo que não
ousamos mais crer ou falar da verdade. Essa deve parecer sempre como algo distante,
a qual é melhor não recorrer. Por isso, ninguém poderia dizer: «tenho a
verdade». E o Papa dizia que é justo que ninguém pode dizer que tem a verdade,
porque a verdade é algo vivo, é uma pessoa, e é ela que nos possui. Não somos
os seus detentores, mas seus servidores, na medida em que somos atraídos por
ela. Assim como devemos aprender a esse «não-ter-a-verdade», os pais devem
aprender a não dizer: «tenho filhos»; pois os filhos não são uma posse, mas um
dom, uma dádiva de Deus e uma tarefa[2].
Os magos
buscaram a verdade, seguindo o caminho do diálogo, que era o mesmo de Sócrates
e também de Abraão, que, ao ser interpelado por Deus, saiu de sua pátria, de si
mesmo, o que implica sacrifícios. Para os magos, a peregrinação exterior
terminou no encontro com o Rei dos judeus que nasceu como uma pobre criança e
aí iniciava uma nova peregrinação para eles: aquela Revelação da verdade de
Deus era uma luz nova que lhes abria horizontes novos de existência e que devia
ser comunicada.
Portanto,
pode-se conhecer a verdade sobre Deus, sobre a fé, sem que essa verdade seja
total, mas uma luz nova que guia a nossa vida e que vai aos poucos iluminando
nossa existência. Conhecer a verdade não significa possuí-la totalmente e muito
menos querer impô-la. Mas é o início de uma nova estrada que nos ilumina e pode
iluminar, por meio do diálogo, a quem tem o coração inquieto. «O novo Rei,
diante do qual se tinham prostrado em adoração, diferenciava-se muito da
expectativa deles. Começou assim o seu caminho interior. Começou no mesmo
momento em que se prostraram diante deste menino e o reconheceram como o Rei
prometido. Mas eles ainda tinham que alcançar interiormente estes gestos
jubilosos. Deviam mudar a ideia que tinham acerca do poder, de Deus e do homem
e, fazendo isto, deviam também eles mesmos mudar»[3].
*
Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis Brasil. Doutorando
em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.
[1] PAPA
BENTO XVI, Discurso para o encontro na Universidade de Roma "La
Sapienza". Disponível em:
[2] IDEM,
Homilia em 2 de Setembro de 2012. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2012/documents/hf_ben-xvi_hom_20120902_ratzinger-schuelerkreis_po.html
[3] IDEM,
Vigília de oração com os jovens na esplanada de Marienfeld, discurso do Papa
Bento XVI,em20 de Agosto de 2005. Disponível em:
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