Papa Pio XII
Nosso
espírito vê as inumeráveis fileiras de adolescentes, que como botões se abrem
às primeiras luzes da aurora. Prodigioso e encantador é este pulular de
juventude em uma geração que pareceu condenada a desaparecer; juventude nova,
fremente em sua pujança e em seu vigor, olhos fixos no futuro, e com
incoercível impulso para metas mais elevadas, resolvida a melhorar o passado, a
assegurar conquistas mais sólidas e de maior vulto no caminho do homem sobre a terra.
Desta irrefreável e perene corrente para a perfeição humana, dirigida e guiada
pela Divina Providência, os educadores são os orientadores e os responsáveis
mais diretos, à mesma Providência associados, para dela realizar os desígnios.
Deles depende em grande parte se a corrente da civilização avança ou vai para
trás, se reforça seu ímpeto ou languesce na inércia, se vai direta para a foz,
ou, pelo contrário se deleita ainda que momentaneamente, em vãos acessórios, ou
pior ainda em meandros malsãos e pantanosos.
Nós mesmo, por disposição divina,
Vigário, e portanto investido dos mesmos ofícios daquele que sobre a terra amou
ser chamado “Mestre”, Nós mesmo nos incluímos no número dos que representam em
várias medidas a mão da Providência no conduzir o homem ao seu termo prefixado.
Não é talvez esta Nossa Sé
principalmente uma Cátedra? Não e nosso primeiro encargo o Magistério? Não deu
o divino Mestre e Fundador da Igreja a Pedro e aos Apóstolos o fundamental
preceito: ensinar, preparar discípulos?
Nós nos sentimos educadores de almas, e
de fato o somos; a Igreja e sublime escola, e não em um grau secundário de
importância, pois, que boa parte do ofício sacerdotal consiste em ensinar, e
educar. Nem podia ser diversamente em a nova ordem instaurada por Cristo, que
se fundamenta totalmente sobre as relações de paternidade de Deus, da qual
deriva toda outra paternidade no céu, e sobre a terra, e da qual, em Cristo e
por Cristo proclama a Nossa paternidade para com todas as almas. Ora quem é
pai, é por isto mesmo educador, porque, como luminosamente explica o Doutor
Angélico, o primordial direito pedagógico, não se apeia sobre outro título
senão da paternidade.
Imensa é a responsabilidade da qual
participam, ao mesmo tempo, embora em grau diverso, mas não em campo totalmente
separado: responsabilidade das almas, da civilização, do aperfeiçoamento e da
felicidade do homem sobre a terra e nos céus.
Se, neste momento, trouxemos o discurso
sobre um terreno mais vasto, qual o da educação, fizemo-lo pensando que já se
pode dizer superada, ao menos em linha de máxima, a errônea doutrina que
separava a formação da inteligência da do coração. Devemos antes deplorar que
nos últimos anos fossem ultrapassados os limites do justo interpretar as normas
que identificam o que ensina o educador, escola e vida. Reconhecido à escola, o
potente valor formativo das consciências, alguns estados, regimes e movimentos
políticos aí descobriram um dos meios mais eficazes de ganhar para suas causas
aquelas multidões de adeptos, de que tem necessidade para fazer triunfar
determinadas concepções de vida. Com uma tática tão astuta quanto insincera, e
por escopos em contraste com os próprios fins naturais da educação, alguns
destes movimentos do passado e do presente século pretenderam subtrair a escola
à égide das instituições que tinham, além do estado, um primordial direito - a
família e a Igreja - e tentaram ou tentam apossar-se delas exclusivamente,
impondo um monopólio, que é gravemente lesivo a uma das fundamentais liberdades
humanas.
Mas esta Sé de Pedro, escolta vígil do
bem das almas e do verdadeiro progresso, como não abdicou jamais no passado
este essencial direito, admiravelmente e em todos os tempos exercitado mediante
suas instituições, que foram as únicas a se dedicarem a isto, assim não
abdicará no futuro, nem por esperanças de vantagens terrenas, nem por temor de
perseguições. Ela não consentirá jamais que sejam destituídas do efetivo
exercício de seus nativos direitos nem a Igreja, que o tem por mandamento
divino, nem a família que o reivindica por natural justiça. Os fiéis de todo o
mundo são testemunhos da firmeza desta Sé Apostólica em propugnar a liberdade
da escola em muitos países, em diversas circunstâncias e para muitos homens.
Pela escola, bem como pelo culto e pela santidade do matrimônio, Ela não
hesitou em enfrentar as dificuldades e perigos, com a tranquila consciência de
quem serve uma causa justa, santa, querida por Deus, e com a certeza de prestar
um serviço inestimável à própria sociedade civil.
Nos países, pois, nos quais a liberdade
da escola é garantida por justas leis, cabe aos mestres saber valer-se
efetivamente disto, exigindo a concreta aplicação das mesmas.
Se é ótima regra entesourar sistemas e
métodos corroborados pela experiência, ocorre avaliar com todo cuidado, antes
de aceitá-las, as teorias e os usos das modernas escolas pedagógicas. Nem
sempre, realmente, os bons sucessos, talvez obtidos em países por índole de
população e grau de cultura diversos do nosso, dão suficiente garantia para que
aquelas doutrinas possam ser aplicadas sem distinção em toda parte.
A escola não pode ser comparada a um
laboratório químico, onde o risco de desperdiçar substâncias mais ou menos
custosas é compensado pela probabilidade de uma descoberta: na escola para cada
alma entra em jogo a salvação ou a ruína. As inovações, portanto, que se
julgarão oportunas, dirão respeito à escolha de meios e orientações pedagógicas
secundárias, permanecendo inabaláveis o fim e os meios substanciais, que serão
sempre os mesmos, como sempre idêntico é o fim último da educação, o seu
sujeito, o seu principal autor e inspirador, que é Deus Nosso Senhor.
O educador que se inspira na
paternidade, cujo escopo é gerar seres semelhantes a si, o que ensina, não
somente com os preceitos, mas também com o exemplo, formará os alunos para a
vida. Em caso contrário, sua obra será, para dizer com Sto. Agostinho,
"bazar de palavras" e não modeladora de almas. Os próprios
ensinamentos morais não atingem, senão superficialmente, os espíritos, se não
são corroborados pelos atos. Nem mesmo a exposição das disciplinas meramente
escolares é plenamente assimilada pelos jovens, se não brota dos lábios do
professor como viva expressão pessoal: nem o Latim, nem o Grego, nem a
História, ainda menos a Filosofia serão recebidos pelos alunos com proveito,
quando apresentados sem entusiasmo, como coisas estranhas à vida e ao interesse
de quem ensina.
Educadores de hoje, que do passado
tiraram normas seguras, que ideais para os homens deveis preparar, visando o
futuro?
Encontrá-los-eis fundamentalmente
delineados no cristão perfeito. E dizendo perfeito cristão, entendemos aludir
ao cristão de hoje, homem de seu tempo, conhecedor e cultor de todos os
progressos trazidos pela ciência e pela técnica, cidadão não estranho à vida
que se desenvolve hoje, em sua terra. O mundo não se arrependerá, se um número
sempre maior de tais cristãos entrar em todos os graus da vida pública e
privada. Cabe, em grande escala aos que ensinam predispor a esta benéfica
imissão, orientando os espíritos dos discípulos a descobrirem as inexauríveis
energias do cristianismo na obra de melhoramento e de renovação dos povos.
O nosso tempo quer que a mente dos
alunos seja endereçada para um sentido de justiça mais efetiva, sacudindo suas
inatas tendências de se considerarem eles uma casta privilegiada e de temerem o
trabalho e dele se esquivarem. Sintam-se e sejam de fato trabalhadores já hoje,
no cumprimento perfeito dos deveres escolares, como deverão ser amanhã nos
cargos dirigentes da sociedade. É verdade que nos povos atormentados pelo
flagelo da desocupação as dificuldades surgem não tanto pela falta de bons
valores, mas pela falta de trabalho; continua, entretanto, sempre indispensável
que os que ensinam inculquem a laboriosidade a seus discípulos. Habituem-se
portanto estes ao severo trabalho de disciplinar o intelecto, e do trabalho
aprenderão a suportar a dureza e a necessidade, para que somente assim possam
gozar os direitos da vida associada, com o mesmo título que os trabalhadores
braçais. É já tempo de se alargarem as vistas sobre um mundo menos obstaculado
por facções reciprocamente invejosas, por nacionalismos exagerados sequiosos de
hegemonia, pelo que tanto sofreram as gerações presentes. Abra-se à nova
juventude a respiração da catolicidade, e sinta-se o fascínio daquela caridade
universal que abraça todos os povos no único Senhor; a consciência da própria
personalidade, e portanto do maior tesouro da liberdade, a sã crítica; e ao
mesmo tempo o sentido da humildade cristã, da justa sujeição, à lei e aos
deveres de solidariedade. Religiosos, honestos, cultos, abertos e operosos -
queríamos que assim os jovens saíssem das escolas (1).
1- Discurso,
Ação Católica, 4 de setembro, 1949.
Fonte: Pio
XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins,
2.ª Edição, edições Melhoramentos.
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