A participação da Paix Liturgique na conferência Sacra Liturgia de 2015,
no início de Junho, em Nova Iorque, foi ocasião para descobrir a única paróquia
de Manhattan que todos os dias oferece tanto a Forma Ordinária do Rito Romano
como aquela Extraordinária: a paróquia dos Santos Inocentes (“Holy Innocents”),
situada na 37th Street West, a dois passos da Broadway. O pároco, o Pe. Leonard
F. Villa, nomeado em dezembro de 2014, dispôs-se a no-la descrever e a dar o
testemunho da sua experiência de aplicação serena e generosa do motu proprio
Summorum Pontificum.
I – Uma
paróquia em plena renovação
Erigida em
1868, na parte sul de Manhattan, no coração do que era outrora a Pigalle
nova-iorquina, e passando depois a ser considerada o "Garment
district" (o quarteirão dos tecidos e da moda), a paróquia dos Santos
Inocentes, há muito que ganhou a fama de ser a paróquia dos atores, dada a sua
proximidade dos teatros da Broadway. Tendo a frequência dominical decaído no
entretanto, já que se trata de um quarteirão de espetáculos e comercial, mais
do que residencial, viu-se a braços nos tempos mais recentes com a ameaça da
extinção, por ocasião de um plano de reestruturação diocesana. Mas eis que, de
repente, o arcebispo de Nova Iorque, o Cardeal Dolan, se viu confrontado com o
renascimento da paróquia desde que se abriu à forma extraordinária do rito
romano em 2009-2010. De facto, desde então, a frequência das missas dominicais
triplicou. Foi aí que o arcebispo não apenas confirmou o seu estatuto
paroquial, como até lhe deu um novo pároco, já que era desde 2013 que a
paróquia estava desprovida de um.
A igreja
neogótica, construída em 1870, tem por principal atração o afresco do retábulo
representando a Crucifixão, pintado por Costantino Brumidi, o artista que
decorou o interior da Cúpula do Capitólio de Washington. Este afresco recuperou
todo o seu esplendor em 2013, após a sua restauração, encomendada pelo Pe.
Kallumady, pároco dos Santos Inocentes entre 2007 e 2013. Foi este sacerdote
ordenado em 1973 na Índia, seu país de origem, que introduziu a liturgia
tradicional na paróquia, o que explicou deste modo durante uma entrevista
concedida à revista diocesana: "Dado que se trata de uma paróquia de gente
dos arredores, que aí acorrem apenas durante a semana, estava à procura de uma
comunidade que pudesse preencher os domingos, e foi aí que me virei para os
fiéis ligados à liturgia tradicional. A experiência foi boa, e agora temos uma
centena de fiéis que assistem todos os domingos à missa em latim. São muito ativos
e participam em todas as atividades da paróquia, mesmo vindo de longe, e com
alguns, que até vêm de Long Island. Todos eles são bem-vindos, e isto contribui
para a originalidade da paróquia."
Depois da
saída do Pe. Kallumady, a paróquia foi administrada pelo Pe. Rutler, um famoso
pregador e evangelizador nova-iorquino, que, estando familiarizado com a
liturgia tradicional, consolidou a renovação que se havia começado, e assim até
à nomeação do Pe. Villa no Inverno passado. Depois de alguns anos passados no
Exército e ao serviço dos sem-abrigo e de alcoólicos em Nova Iorque, o Pe.
Villa esteve ao serviço de uma paróquia durante 22 anos, em Yonkers, um
município limítrofe do Bronx, onde já havia introduzido a forma extraordinária
do rito romano logo desde 14 de setembro de 2007, dia da entrada em vigor do
motu proprio de Bento XVI. Condutor de homens posto ao serviço da salvação das
almas, o Pe. Villa disse aos paroquianos qual era o caminho a seguir logo desde
o seu primeiro sermão: consagração ao Sagrado Coração de Jesus e ao Coração
Imaculado de Maria, a devoção ao Santíssimo Sacramento e a prática da
confissão. O Pe. Villa está convencido de que, antes de se dar testemunho de
Cristo com a palavra, é preciso começar a viver na Sua presença, à imagem da
Bem-aventurada Virgem Maria e de São José.
Assim, para
além da celebração de quatro missas de segunda a sexta-feira (uma pela manhã e
duas à hora de almoço na forma ordinária, e uma na forma extraordinária ao fim
da tarde) e de duas missas ao sábado e ao domingo (forma extraordinária às
13h00, aos sábados, e às 10h30, aos domingos), nos Santos Inocentes, hoje em
dia, há também a recitação do Terço quotidiano, a adoração eucarística todas as
tardes, aos dias de semana, e vésperas solenes ao domingo. Por regra, a forma
extraordinária é cantada, exceto às segundas e às quintas.
II –
Entrevista com o Pe.Villa
Paix
liturgique – Quando é que começou a conhecer a forma extraordinária do rito
romano?
Pe. Villa:
Eu cresci com a liturgia tradicional antes do Concílio Vaticano II, e
conhecia-a bem graças ao zelo eficaz dos redentoristas alemães que tinham a seu
cargo a paróquia da minha infância. (Most Holy Redeemer, New York, NY).
Paix
liturgique – Teve dificuldade para aprender a celebrá-la?
Pe. Villa:
Na realidade, como desde os 13 anos que era mestre de cerimónias, não me custou
muito começar a oferecer a missa na forma extraordinária. E, começando a
praticar, veio-me logo tudo à memória.
Paix
liturgique – O Sr. Padre é o que se costuma dizer um sacerdote in utroque usu, que celebra tanto numa como noutra das formas do Rito
Romano. A sua maneira de celebrar a forma ordinária foi influenciada pela forma
extraordinária?
Pe. Villa:
Sempre me senti à vontade com a forma extraordinária, e, vistas as lacunas
presentes no Novus Ordo, devo dizer que ela já influenciava a minha maneira de
celebrar bem antes do motu proprio Summorum Pontificum. Diria mesmo que desde a
minha ordenação que sempre tive tendência para me inspirar na liturgia antiga.
Paix
liturgique – Como é que os seus fiéis reagiram, tanto em Yonkers como nos
Santos Inocentes?
Pe. Villa:
Muito bem. Em pouco tempo, a assembleia tornou-se tão numerosa como a da missa
ordinária. Duas vezes por ano, também a celebrava para os alunos das escolas
das redondezas, e os acólitos eram formados em ambas as formas do rito. A maior
parte das vezes, celebrava a missa dialogada, em que os fiéis podem responder
livremente em latim. Quanto ao coro paroquial, cantava gregoriano ou em
polifonia tanto para a forma ordinária como para a extraordinária.
Paix
liturgique – O que chama a atenção a quem quer que assista à missa nos Santos
Inocentes, seja ao domingo ou à semana, é a diversidade dos fiéis: veem-se
todas as etnias, todas as idades e todos os grupos sociais. Acolhem todos eles
a forma extraordinária com o mesmo entusiasmo?
Pe. Villa: O
que chama a atenção a quem quer que assista à missa nos Santos Inocentes, tem
um nome: a reverência. Diria que ela foi muito bem aceite por todos, mesmo
sendo aí celebradas as duas formas do rito.
Paix
liturgique – A nova evangelização, que, de fato, é muitas vezes uma
re-evangelização, é dos maiores desafios da Igreja de hoje : tendo em conta a
localização dos Santos Inocentes, a dois passos dos divertimentos da Broadway e
no coração do quarteirão industrial de Manhattan, é natural que não tenha mãos
a medir?
Pe. Villa: A
nova evangelização não é outra coisa senão evangelização: o ensino da fé
católica. Aqui, temos a oportunidade de evangelizar por meio da liturgia, do
confessionário, das devoções, do boletim paroquial e de uma boa imprensa. Vamos
reativar a Legião de Maria na paróquia, e conto com ela para animar o centro
móvel de informação católica, uma mini-biblioteca itinerante, além de um
círculo de apologética, os Patrícios, durante o qual os fiéis têm a
oportunidade para aprender e se familiarizar com a sua fé e para a aprofundar.
Paix
liturgique – O Papa Francisco convida regularmente a que “saiam”: também lhe
acontece ter de literalmente sair de dentro das suas paredes para atividades
litúrgicas ou outras, pelas ruas de Manhattan?
Pe. Villa:
Pelo que me toca, ando sempre vestido como sacerdote quando saio à rua. Isso
suscita reações e até já me aconteceu ter de confessar na rua. No que toca à
paróquia, participamos juntamente com outras paróquias numa iniciativa de apoio
às pessoas que vivem na rua. A igreja e o átrio da paróquia, onde existe uma
loja de artigos religiosos, atraem pessoas durante todo o dia. Além disso, há
ainda as procissões por ocasião de grandes festas como a do Corpo de Deus ou no
São Martinho.
Paix
liturgique – É bem sabido que, na Europa, a secularização se apoderou da
sociedade cristã. Ainda assim, será que há alguma coisa do catolicismo europeu
de que sinta falta aqui, em Manhattan?
Pe. Villa:
Muitas das raízes da nossa fé estão na Europa, onde há numerosos lugares
santos. Para falar só da França, penso nos tantos santuários ou cidades ligadas
a grandes santos: Notre-Dame; o São Sulpício; o santuário da Medalha Milagrosa
ou o Sacré- Cœur em Paris, mas ainda Ars Paray-le-Monial, La Salette, Lourdes,
etc.
Paix
liturgique – Uma última palavra?
Pe. Villa:
Creio que a forma extraordinária ainda não deixou de dar frutos à Igreja e
constato que continua a desenvolver-se. Rezo para que possa continuar a
influenciar a forma ordinária e, assim, possa contribuir para a libertar dos
demasiados abusos que a afligem.
III – As
reflexões da Paix liturgique
1) “Que quem
tiver ouvidos ouça! ” Uma paróquia que, ameaçada de extinção, para se relançar,
recorre à introdução da forma extraordinária. E funciona! Em Manhattan, coração
da modernidade e da abundância. A isso chama-se “fazer experiência da
tradição”, o que, na prática, é a única “reivindicação” manifestada, desde a
reforma litúrgica, por tantos católicos, sacerdotes ou leigos, ligados à
liturgia tradicional da Igreja. Infelizmente, deste lado do Atlântico, faz-se
“orelhas moucas” e prefere-se fechar igrejas – se é que não se as promete aos
muçulmanos! – em vez de as abrir ao povo Summorum Pontificum.
2) Este
pragmatismo muito americano é o que podemos encontrar na atitude do arcebispo,
o Cardeal Dolan, quem, tendo observado o novo despertar a que assistiu esta
paróquia depois de aí se ter começado a praticar a forma tradicional, decide
salvar a paróquia e dar-lhe um novo pároco que estivesse preparado para dar
seguimento e desenvolver a vida paroquial in utroque usu. Este realismo explica
a facilidade com que, do lado de lá do Atlântico, as comunidades Ecclesia Dei
conseguem tantas novas paróquias e apostolados, e frequentemente após terem
negociado pacificamente com o bispo do lugar um autêntico contrato com
cláusulas muito concretas e que, em seguida, são escrupulosamente respeitadas
por ambas as partes. É também por isso, enfim, que os seminaristas Summorum
Pontificum são aceitos como tal em muitos seminários, que, por esse fato,
mostram um aumento de entradas que podem fazer empalidecer de inveja os
seminários europeus.
3) Depois de
termos descoberto esta paróquia dos Santos Inocentes, muitos amigos que
conhecem Nova Iorque, contaram-nos que também eles ficaram impressionados com a
sua visita à paróquia. Com a dignidade das celebrações, o vigor das homilias, o
fervor dos fiéis, mas ainda com esse espantoso “melting-pot”, esse cadinho que
é uma imagem de Nova Iorque, onde os diplomatas da O.N.U. estão lado a lado com
empregadas de limpeza filipinas da 5ª Avenida e famílias negras do Bronx. Se, a
mais disso, levarmos em conta que foi um sacerdote indiano quem fez com que se
instalasse aí a “missa em latim”, não podemos senão ficar fascinados com o caráter
autenticamente católico, ou seja, universal, da missa tradicional.
Paix Liturgique
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