Nota Pastoral A interpretação da Exortação Apostólica “Amoris
Laetitia”, na Diocese de Frederico Westphalen.
A cada dia nós,
Bispo e padres, pastores da Igreja, nos defrontamos com a realidade de
católicos, nossos irmãos de fé, que vivem em situação matrimonial irregular,
aqueles que contraindo validamente o Matrimônio, tendo-se divorciado, unem-se
civilmente em um novo casamento, ou tão simplesmente convivem juntos. Tal
realidade produz certamente, no caso de católicos conscientes, um grande
sofrimento.
Já antes da
celebração dos últimos Sínodos sobre a Família, não só falava-se sobre isto,
mas em alguns lugares foi sendo introduzida a prática de se permitir o acesso
destes irmãos católicos aos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia, com a
justificativa de se aplicar nestes casos, uma solução pastoral emergencial,
desde que se verificassem algumas condições: um tempo longo de convivência,
“arrependimento” das falhas pessoais em relação ao casamento frustrado, a
existência de filhos na segunda união, a estabilidade econômica e afetiva, a
vida fundamentada na fé, a indicação da própria consciência, a autorização dada
por um sacerdote e outras. Assim sendo, muitas das proposições apresentadas por
alguns padres sinodais, na verdade são já praticas aceitas em certas realidades
eclesiais. Nós pastores da Igreja, sejamos sinceros, cansamos de ouvir nestes
últimos anos aqueles que sempre preconizaram mudanças na prática sacramental da
Igreja usando o princípio da mudança “de baixo para cima” ou o bem conhecido
princípio do fato consumado: adota-se uma prática pastoral e com o tempo a
Igreja seria obrigada a aceitá-la, incorporando-a à sua doutrina e à sua
prática.
Tendo sido
entregue à Igreja, pelo Santo Padre o Papa Francisco, a Exortação Apostólica
“Amoris Laetitia”, com a responsabilidade pastoral de bispo da Santa Igreja,
entendo que tal Documento pós Sinodal deva ser lido e interpretado no quadro da
chamada “hermenêutica da continuidade e do aprofundamento”, o que significa
dizer que uma melhor compreensão da doutrina moral da Igreja, fruto da ação do
Espírito Santo, gradualmente nos conduz ao conhecimento da verdade inteira e
completa, sem jamais contradizer ou negar o magistério precedente.
De nenhuma
maneira a doutrina tradicional da Igreja em relação ao Sagrado Matrimônio, à
absolvição Sacramental e à recepção da Sagrada Comunhão podem ser modificadas
por alguém, já que a mesma é imutável e não pode submeter-se a opiniões
pessoais, muito menos a uma questão de práticas impostas de baixo para cima, de
princípios fundados em uma falsa misericórdia que aceita a Doutrina, mas que a
nega posteriormente na prática pastoral.
Assim sendo, é
preciso ler e compreender a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” à luz do
Magistério precedente, já que, como o Santo Padre, o Papa Francisco sabiamente
escreve, é neste quadro que ela deve ser lida e compreendida.
Frente às
interpretações divergentes em relação a esta questão tão importante, que
envolve a salvação eterna das pessoas, penso que seja fundamental expor com
clareza o que a Igreja ensina a respeito, e não poderá ensinar outra doutrina
diferente desta, sob o risco de trair a Verdade que lhe foi confiada por Nosso
Senhor Jesus Cristo para ser anunciada por todo o sempre.
Além de
obscurecer a sua Missão de anunciar o Evangelho do Matrimônio e da Família, a
tão decantada “misericórdia”, que alguns pretendem impor no que diz respeito a
uma flexibilidade doutrinal e pastoral pedida e já praticada em alguns lugares
para estes casos, seria um verdadeiro acinte à plêiade de santos da Igreja que
derramaram seu sangue na defesa da Doutrina tradicional do Matrimônio; um
escândalo para tantos casais que vivem a fidelidade matrimonial, mas que
carregam, em muitos casos, a cruz de uma união sacramental marcada por
dificuldades e um desrespeito àqueles homens e mulheres que por razões diversas
vivem nesta situação irregular, oferecendo por si e pelos seus a cruz de não
poderem aproximar-se da Sagrada Eucaristia.
A Doutrina que a
Igreja ensinou, ensina e ensinará, especialmente sobre a questão da recepção
dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia é clara: para se receber
validamente o Sacramento da Penitência, além da confissão dos pecados e da
satisfação, que é o cumprimento da penitência imposta pelo Confessor, é
necessária a verdadeira contrição, que inclui em si o propósito de emenda. Sem
essa condição, não é possível que alguém seja absolvido e possa receber a
Sagrada Comunhão.
No caso de
divorciados que voltaram a casar, e dos que simplesmente coabitam anteriormente
validamente casados, enquanto os cônjuges são vivos, não é possível legitimar a
segunda união civil através da celebração de um Matrimônio canônico.
Assim, a nova
união marital constitui uma grave irregularidade, um verdadeiro pecado. Como
consequência, para que um católico nessas circunstâncias possa ser
sacramentalmente absolvido, a condição indispensável é o propósito de não
cometer mais este pecado, que neste caso, pressupõe o abandono da vida em comum
ou então, seja pelo vínculo afetivo, seja pela idade avançada, seja pela
presença de filhos que não podem ser deixados de lado, seja por qualquer outra
razão, o continuarem a viver juntos, mas como irmãos ([1]). Só nestas condições
é que alguém poderá receber a Sagrada Comunhão.
Este é o
ensinamento tradicional da Igreja, expresso de forma cabal na Exortação
Apostólica Familiaris Consortio, que vale a pena recordar: “A Igreja, contudo,
reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão
eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não podem ser admitidos,
do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem objetivamente
aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na
Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem
estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca
da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimonio.
A reconciliação
pelo sacramento da penitência - que abriria o caminho ao sacramento eucarístico
- pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado o sinal da Aliança
e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida não
mais em contradição com a indissolubilidade do matrimonio. Isto tem como
consequência, concretamente, que quando o homem e a mulher, por motivos sérios
- quais, por exemplo, a educação dos filhos - não se podem separar, «assumem a
obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios
dos cônjuges»”([2]).
Portanto, o
Santo Padre, na Exortação pós Sinodal Amoris Laetitia em nenhum momento propõe
que simplesmente se permita a recepção dos sacramentos da Penitência e da
Eucaristia a pessoas que vivam em objetiva situação irregular em relação ao
sacramento do Matrimônio, mas sim de discernir as situações em que, «por causa
dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes» (AL 305), possa alguém
encontrar-se objetivamente em uma situação de pecado sem culpa grave
correspondente. Portanto, contrariando aqueles que pretendem um abandono da
prática tradicional da Igreja em relação a esta questão, não existe nenhuma
mudança de rumo para estas situações, e a atenção pastoral individualizada
nestas situações deve ser realizada sempre «evitando toda a ocasião de
escândalo» (AL 299) e sem «nunca se pensar que se pretende diminuir as
exigências do Evangelho» (AL 301).
Ao mesmo tempo,
antes de tudo, se faz necessário reafirmar a Doutrina tradicional da Igreja.
Mas segundo o Santo Padre, é preciso também, e bem situados neste quadro
doutrinal, não esquecer o dever de se ajudar com misericórdia e caridade aos
divorciados unidos em segunda união, ou aqueles que, após um casamento
canônico, vivem maritalmente com outra pessoa, para que jamais se considerem
abandonados, discriminados, diminuídos etc. em relação à Igreja. Tal auxílio
espiritual e pastoral deve efetivar-se através do debruçar-se sobre esta
sofrida realidade, como tão sabiamente recorda o Papa Francisco, através do
anúncio da Palavra de Deus, do incentivo à participação na Santa Missa, da
promoção da vida de oração, da vivência da caridade e da penitência, entre outras
possibilidades.
Também, de forma
concreta, de grande ajuda será o que estabeleceu o Santo Padre, através da
reforma dos procedimentos nas causas matrimoniais. Aí está um caminho seguro e
eficaz para certamente resolver muitas destas situações.
Ciente de que
esta questão é de suma importância, como pastor da Igreja Diocesana de
Frederico Westphalen, vou ainda oferecer aos padres desta Diocese um Documento
oficial para a aplicação pastoral da Exortação pós Sinodal “Amoris Laetitia”,
dentro desta hermenêutica de interpretação, fundamentada nos princípios da
continuidade e do aprofundamento.
Invoquemos as
luzes do Espírito Santo, para que possa iluminar a todos, pastores e rebanho,
afim de que este Documento pós Sinodal se transforme em um marco doutrinal e
pastoral, no que diz respeito a esta questão tão importante para a vida da
nossa Igreja Diocesana e para o bem de todos os fiéis.
“Emitte Spiritum
tuum et creabuntur et renovabis faciem terrae”.
+ Antonio Carlos
Rossi Keller
Bispo de
Frederico Westphalen
[1] Carta Haec
Sacra Congregatio, Congregação para a Doutrina da Fé, de 11-IV-1973.
[2] São João Paulo
II, Exortação Apostólica Pós Sinodal Familiaris Consortio,n.84.
Via: Site da Diocese de Frederico Westphalen