REQUIEM aeternam dona ei, Domine, et lux perpetua luceat ei.
“Quem não ama a beleza, não ama a
Deus”
de
Domenico Bartolucci
[...]
No meu sacerdócio, eu não fui um pregador, um teólogo, nem um pastor de uma
diocese e nunca pronunciei grandes discursos, todavia, tenho procurado
frutificar os dons que o Senhor me deu e o fiz através da música sacra, uma
nobre arte capaz de penetrar efetivamente a alma dos fiéis, convidando-os à
conversão, à alegria, à oração.
Particularmente
na civilização ocidental, a música é a arte que, mais do que qualquer outra,
deve agradecer à Igreja. Nela, realmente, nasceu, cresceu e se desenvolveu.
Como tive a oportunidade de dizer já na ocasião do concerto oferecido ao Papa
na Capela Sistina, os coros representaram o berço da arte musical. A própria
Igreja dos primeiros séculos, tão logo teve a oportunidade de dar glória ao
Senhor publicamente, empenhou-se na criação das “scholae cantorum”, que,
gradualmente, ao longo dos séculos, nos deixaram em herança o patrimônio do
canto sacro, o canto gregoriano e a polifonia, instrumentos autênticos de
pregação, que freqüentemente, por causa de sua intensidade, conseguem fazer
perceber a mensagem contida na Palavra de Deus.
Este
patrimônio que hoje devemos necessariamente recuperar e que, infelizmente, tem
sido negligenciado, nunca teve a intenção de se estabelecer como um “ornamento”
[ndt: no sentido de adorno, enfeite] da celebração litúrgica. O cantor, como
ensinaram os nossos mestres do passado, é simplesmente um ministro que exprime
e torna vivo, da melhor maneira possível, o texto sagrado e a palavra de Deus.
Muito freqüentemente nós, músicos da Igreja, temos sido acusados de querer
impedir a participação dos fiéis nos ritos sagrados e eu mesmo, como diretor da
Capela Sistina, tive de enfrentar momentos difíceis nos quais a Sagrada
Liturgia sofria banalizações e experimentações áridas. Hoje, mais do que nunca,
devemos assumir a responsabilidade de analisar criticamente o quanto foi feito
e devemos ter a coragem de reafirmar a importância das nossas tradições de
beleza que exaltam e dão glória a Deus e que são também eficazes meios de
conversão. Recordo-me, por ocasião dos concertos da Capela Sistina, o
entusiasmo do povo, mesmo de países como Turquia e Japão, onde foram
registradas diversas conversões ao catolicismo. “Quem não ama a beleza, não ama
a Deus!”, disse o Santo Padre em uma das suas homilias. Precisamos, portanto,
saber como nos reapropriarmos de nós mesmos e de quanto a tradição eclesial nos
deu.
Como
escreveu Bento XVI às vésperas da assembléia geral dos bispos italianos reunida
em Assis, em novembro passado: “Todo verdadeiro reformador, na verdade, é um
obediente à fé: não se move de forma arbitrária, nem arroga para si qualquer
poder discricionário sobre o rito; não é o dono, mas o guardião do tesouro
instituído pelo Senhor e a nós confiado”.
Desejando
seguir essa descrição, podemos olhar precisamente para a figura de Maria: ela
foi a primeira guardiã do Verbo Encarnado, a serva do Senhor que soube agir sempre
de acordo com a sua vontade.
Como
Maria, também nós somos chamados a ser obedientes na fé, sem nos mover de forma
arbitrária, mas sabendo acolher o que nos foi entregue. Esta é a nossa força,
esta é a força sempre nova do cristão que, como São Paulo, transmite aquilo que
recebeu da fonte da graça que, para ele, assim como para nós, é o encontro com
o Senhor.
Também
por isso, encontrar-me aqui, na igreja da Trinità dei Pellegrini, onde é vivo o
empenho em favor da difusão da liturgia tradicional, é para mim motivo de
alegria e esperança que me faz tocar com a mão alguns frutos que se seguiram à
publicação do motu proprio “Summorum Pontificum”.
Em
um momento difícil, somos todos chamados em nosso serviço a nos unirmos ao
sucessor de Pedro: como Pedro, também nós devemos nos converter ao Senhor
crucificado e ressuscitado, não nos desanimando nunca diante da realidade da
cruz e com a certeza de tomar parte um dia de sua própria ressurreição.
Esse,
antes do nosso, foi o caminho de Maria, um caminho que a Igreja procurou propor
como modelo e que mesmo os fiéis quiseram exaltar e exprimir na riquíssima
devoção popular. Também eu, entre as músicas compostas desde quando era um
jovem seminarista, tenho dedicado grande parte a Maria. A festa da Imaculada
Conceição me faz pensar em tantas músicas escritas em honra a Nossa Senhora:
missas, laudes, motetos, magnificat, Stabat Mater, mas me faz pensar
especialmente nas numerosas antífonas marianas que o povo soube fazer suas e
que cantava em honra à Mãe celeste, encontrando nela o ícone da fé. [...]
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