Parece que o herege, que não crê em um artigo da fé, pode ter fé informe nos outros artigos:
1. Com efeito, o intelecto natural do herege não é mais potente que o do católico. Ora, o intelecto do católico para crer qualquer artigo da fé deve ser ajudado pelo dom da fé. Logo, parece que nem os hereges podem crer alguns artigos da fé sem o dom da fé informe.
2. Além disso, como a fé contém muitos artigos, assim também, uma mesma ciência, por exemplo, a geometria, contém muitas conclusões. Ora, um homem pode ter ciência de certas conclusões geométricas, ignorando outras. Logo, o homem pode ter fé em alguns artigos da fé, não crendo, porém, em outros.
3. Ademais, assim como o homem obedece a Deus para crer artigos de fé, assim também, para observar os mandamentos da lei. Ora, o homem pode ser obediente acerca de alguns mandamentos, mas não acerca de outros. Logo, também pode ter fé em alguns artigos e não em outros.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, como o pecado mortal contraria a caridade, assim também descrer um artigo contraria a fé. Mas, a caridade não permanece no homem depois do pecado mortal. Logo, nem a fé, em quem não crê num artigo.
O herege que descrê de um artigo de fé não tem o hábito da fé, nem da fé formada nem da fé informe. E a razão disso é que a espécie de qualquer hábito depende da razão formal do objeto. Se esta desaparece, desaparece também a espécie do hábito. O objeto formal da fé é a verdade primeira manifestada nas Sagradas Escrituras e na doutrina da Igreja. Por isso, aquele que não adere como a uma regra infalível e divina à doutrina da Igreja, que procede da verdade primeira revelada nas Sagradas Escrituras, não tem o hábito da fé, mas aceita as verdades da fé de modo diferente que pela fé. Como alguém que tivesse em sua mente alguma conclusão sem conhecer o meio que serve para demonstrá-la; é evidente que não tem dela ciência, mas somente uma opinião.
Ora, é claro que quem adere à doutrina da Igreja como à regra infalível, dá seu assentimento a tudo o que a Igreja ensina. Ao contrário, se do que ela ensina, aceitasse como lhe apraz, umas coisas e não outras, já não aderiria à doutrina da Igreja como regra infalível, mas à própria vontade. E assim é claro que o herético que descrê pertinazmente um artigo não está disposto a seguir em tudo a doutrina da Igreja (se, porém, não houver pertinácia, não é herético, mas apenas errado). Daí ser manifesto que o herético sobre um artigo de fé não tem fé a respeito de outros artigos, mas uma certa opinião dependendo de sua vontade própria.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. O herege não admite como o fiel os artigos da fé sobre os quais não erra. Este adere absolutamente à verdade primeira, para o que precisa ser ajudado pelo hábito da fé. Mas os admite por sua própria vontade e por seu próprio julgamento.
2. Nas diversas conclusões de uma ciência há diversos meios pelos quais elas são provadas, podendo conhecer-se alguns sem que outros o sejam. Por isso, o homem pode saber algumas conclusões de uma ciência, desconhecendo outras. Mas, em todos os artigos da fé, ele adere por causa de um meio, isto é, por causa da verdade primeira que nos é proposta nas Escrituras, retamente entendida, segundo a doutrina da Igreja. Portanto, quem se afasta desse meio está totalmente privado de fé.
3. Os vários preceitos da lei podem referir-se a diversos motivos próximos; e assim um pode ser observado sem o outro. Ou então, a um motivo primeiro, que é obedecer perfeitamente a Deus; do qual se afasta qualquer um que transgrida um preceito, segundo o dizer da Carta de Tiago: “Quem vier a faltar num só de seus preceitos torna-se réu de todos”.
Suma Teológica II-II, q. 5, a.3
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário ou pergunta!