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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

IV Parte - Carta aos Amigos da Cruz de São Luís Maria de Montfort

IV Parte
da publicação
3° - Sofrer
“Carregue a Sua Cruz!”

A) Sua cruz...

[18] Tollat crucem suam, que carregue a sua cruz; suam, a dele! Que esse homem, que essa mulher raros, de ultimis finibus pretium ejus (46) cujo preço toda a terra, de uma extremidade a outra, não poderia pagar, tome com alegria, abrace com ardor e leve aos ombros, com coragem, a sua cruz e não a de outro; a cruz que, com a minha sabedoria, fiz para ele em número, peso e medida; sua cruz, a que, com minhas próprias mãos, pus, com grande exatidão, suas quatro dimensões, a saber: sua espessura, seu comprimento, sua largura e sua profundidade (47), - sua cruz que lhe talhei de uma parte da que carreguei no Calvário, por um efeito da bondade infinita que tenho para com ele; - sua cruz, que é o maior presente que possa fazer aos meus eleitos na terra; - sua cruz, composta, em sua espessura, das perdas de bens, das humilhações, dos desprezos, das dores, das enfermidades e das penas espirituais que devem, por minha providência, chegar-lhe cada dia, até a morte, - sua cruz, composta, em seu comprimento, de um certo número de meses ou de dias em que ele deverá ser aniquilado pela calúnia, estar estendido num leito, ser forçado a mendigar, e tornar-se presa das tentações, da aridez, do abandono e de outras penas do espírito; - sua cruz, composta, em sua largura, das circunstâncias mais duras e mais amargas, sejam elas causadas pelos amigos, os criados ou os parentes; - sua cruz, enfim, composta, em sua profundidade, pelas mais ocultas penas com que o afligirei, sem que possa encontrar consolação nas criaturas que, por minha ordem, voltar-lhe-ão mesmo as costas e juntar-se-ão a mim para fazê-lo sofrer.
B) “Leve-a!”

[19] “Tollat”, leve-a! E não a arraste, nem sacuda, nem reduza e, ainda menos, a esconda! isto é: leve-a  bem alto na mão, sem impaciência nem pesar, sem queixa nem murmuração voluntária, sem partilha e sem alívio natural, sem envergonhar-se e sem repeito humano.

“Tollat”, que a coloque sobre a fronte, dizendo com São Paulo: “Mihi absit gloriari nisi in cruce Domini nostri Jesu Christi! Que eu me abstenha de gloriar-me de outra coisa que não a Cruz de meu Senhor Jesus Cristo! (48)

Leve-a aos ombros a exemplo de Jesus Cristo, a fim de que essa cruz se torne para ele a arma de suas conquistas e o cetro de seu império: (imperium) principatus (ejus) super humerum ejus (49).

Enfim, coloque-a, pelo amor, em seu coração, para torná-la numa sarça ardente, que, sem consumir-se queime, noite e dia, de puro amor de Deus.

C) ...A Cruz!

[20] Crucem, a cruz (50); que ele a leve, pois nada existe que seja tão necessário, tão útil, tão doce ou tão glorioso quanto sofrer alguma coisa por Jesus Cristo.

a) Nada tão necessário para os pecadores!

[21] Com efeito, queridos Amigos da Cruz, sois todos pecadores; não há um só dentre vós que não mereça o inferno, e eu mais que ninguém. É preciso que nossos pecados sejam castigados neste mundo ou no outro; se o forem neste, não o serão no outro.

Se Deus os castigar neste mundo de concerto conosco, sua punição será amorosa: quem há de castigar será a misericórdia, que reina neste mundo, e não a justiça rigorosa; o castigo será leve e passageiro, acompanhado de atenuantes e de méritos, seguido de recompensas no tempo e na eternidade.

[22] Mas se o castigo necessário dos pecados que cometemos for no tempo reservado para o outro mundo, a punição caberá à justiça vingadora de Deus, que leva tudo a fogo e sangue! Castigo espantoso, horrendo, inefável, incompreensível: quis novit potestatem irae tuae? (51) Castigo sem misericórdia, judicium sine misericorida (52), sem piedade, sem alívio, sem méritos, sem limite e sem fim. Sim, sem fim: esse pecado mortal de um momento, que cometestes; esse pensamento mau e voluntário, que escapou a vosso conhecimento (53) essa palavra que o vento levou; essa açãozinha contra a lei de Deus, que durou tão pouco, será punida eternamente, enquanto Deus for Deus, com os demônios no inferno, sem que o Deus das vinganças tenha piedade de vossos soluços e de vossas lágrimas, capazes de fender as pedras! Sofrer para sempre sem mérito, sem misericórdia e sem fim!
[23] Será que pensamos nisto, queridos Irmãos e Irmãs, quando sofremos alguma pena neste mundo? Como somos felizes de poder trocar tão vantajosamente uma pena eterna e infrutífera por outra, passageira e meritória, carregando nossa cruz com paciência! Quantas dívidas temos a pagar! Quantos pecados temos, cuja expiação, mesmo após amarga contrição e confissão sincera, será preciso que soframos no purgatório durante séculos inteiros, porque nos contentamos, neste mundo, de penitências leves demais! Ah! Paguemos neste mundo de forma amigável, levando bem nossa cruz! Tudo deverá ser pago rigorosamente no outro, até o último ceitil, mesmo uma palavra ociosa (54). Se pudéssemos arrebatar ao demônio o livro de morte, onde anotou os nossos pecados todos e a pena que lhes corresponde, que grande “debet” verificaríamos, e como nos sentiríamos encantados de sofrer durante anos inteiros neste mundo, para não sofrer um só dia no outro!


Para os Amigos de Deus!

[24] Não vos ufanais, meus Amigos da Cruz, de ser amigos de Deus, ou de tal querer-vos? Resolvei, pois, beber o cálice que é preciso, necessariamente, beber para se tornar amigo de Deus. Calicem Domini biberunt et amici Dei facti sunt (55). O bem amado Bejamin teve o cálice e seus outros irmãos tiveram apenas o frumento (56). O grande favorito de Jesus Cristo teve o seu Coração, subiu o Calvário e bebeu do cálice (57). Postetis biberi calicem? (58). É bom, desejar a glória de Deus; mas desejá-la e pedi-la sem se resolver a tudo sofrer é fazer um pedido louco e extravagante: necitis quid petatis (59)... Óportet per multas tribulationes (60): é preciso, oportet, é necessidade, é coisa indispensável; é preciso que entremos no reino dos céus por meio de muitas cruzes e tribulações.

Para os filhos de Deus!

[25] Gloriar-vos, com razão, de ser filhos de Deus. Gloriai-vos, pois, das chicotadas que esse bom Pai vos deu e há de dar-vos no futuro, porque Ele chicoteia seus filhos (61). Se não sois o número de seus filhos bem amados, sois - ó que desgraça, que golpe fulminante! - sois, como o diz Santo Agostinho, do número dos réprobos. Aquele que não geme neste mundo, como peregrino e estrangeiro, não se regozijará no outro, como cidadão do céu, diz o mesmo Santo Agostinho (62). Se Deus não vos enviar, de tempos a tempos, algumas boas cruzes, é que já não se preocupa convosco, é que está irado contra vós; olha-vos tão somente como um estrangeiro fora de sua casa e de sua proteção, ou como a um filho bastardo, que, não merecendo sua porção na herança de seu pai, não merece da parte dele nem cuidados nem correção.

Para os que estudam um Deus crucificado!

[26] Amigos da Cruz, que estudais um Deus crucificado, o mistério da cruz é um mistério desconhecido dos Gentios, repelido pelos Judeus e desprezado pelos hereges e pelos maus católicos; é, porém, o grande mistério que deveis aprender praticamente, na escola de Jesus Cristo, e que somente em sua escola podeis aprender. Procurareis em vão, em todas as academias da antiguidade, um filósofo que vo-lo haja ensinado; consultareis em vão a luz dos sentidos e da razão; não há senão Jesus Cristo que, por sua graça vitoriosa, vos possa ensinar e fazer saborear este mistério.

Tornai-vos hábeis, pois, nesta ciência supereminente, sob a direção de tão grande mestre, e tereis todas as outras ciências, pois ela as contém a todas soberanamente. É ela a nossa filosofia natural e sobrenatural, nossa teologia divina e misteriosa, e nossa pedra filosofal, que muda, pela paciência, os metais mais grosseiros em metais preciosos, as dores mais agudas em delícias, as pobrezas em riquezas, as humilhações mais profundas em glórias. Aquele dentre vós que melhor sabe levar a sua cruz, mesmo que não conheça o A nem o B, é o mais sábio de todos.

Escutai o grande São Paulo, que ao voltar do terceiro céu, onde conheceu mistérios ocultos aos próprios Anjos, exclamava não saber e não querer saber senão Jesus Cristo crucificado (63). Regozijai-vos, pobre idiota, ou pobre mulher sem espírito e sem ciência: se souberdes sofrer alegremente, sabereis mais que um doutor da Sorbonne que não soube sofrer tão bem quanto vós...

Para os Membros de Jesus Cristo!

[27] Sois membros de Jesus Cristo (64). Que honra! Mas quanta  necessidade de sofrer por causa disto! A cabeça está coroada de espinhos e os membros estariam coroados de rosas? A cabeça esta escarnecida e coberta de lama no caminho do Calvário, e os membros estariam no trono, cobertos de perfumes? A cabeça não tem um travesseiro para repousar e os membros estariam delicadamente deitados entre plumas e arminho? Seria monstruosidade inaudita. Não, não vos enganeis; estes cristãos que vedes de todos os lados, enfeitados na moda, maravilhosamente delicados, excessivamente educados e circunspectos, não são verdadeiros discípulos nem verdadeiros membros de Jesus Cristo Crucificado; faríeis injúria a essa cabeça coroada de espinhos e à verdade do Evangelho se acreditássemos o contrário. Ah! meu Deus! quantos fantasmas de cristãos se consideram membros do Salvador e são meus mais traiçoeiros perseguidores, porque, enquanto fazem com a mão o sinal da cruz, são, de coração, seus inimigos!

Se sois conduzidos pelo mesmo espírito, se viveis da mesma vida que Jesus Cristo, vosso Chefe coberto de espinhos, não espereis senão espinhos, chicotadas, pregos, - numa palavra , cruz - porque é necessário que o discípulo seja tratado como o Mestre e o membro como a cabeça. E se o Chefe vos apresentar, como a Santa Catarina de Sena, uma cora de espinhos e outra de rosas, escolhei com ela a de espinhos, sem hesitar, e ponde-a na cabeça, para vos assemelhar em Cristo.

Para os Templos do Espírito Santo!

[28]Não ignorais que sois os templos vivos do Espírito Santo (65) e que deveis, como outras tantas pedras vivas (66), ser colocadas pelo Deus de Amor no edifício da Jerusalém celeste. Disponde-vos, pois, a ser trabalhados, cortados e cinzelados pelo martelo da cruz; de outra maneira permaneceríeis como pedras brutas que em nada são empregadas, que são desprezadas e repelidas para longe. Tende cuidado para não opor resistência ao martelo que vos bate; prestai atenção ao cinzel que vos talha e à mão que vos molda! - Talvez o hábil e amoroso arquiteto queira fazer de vós uma das primeiras pedras de seu edifício eterno e um dos mais belos retratos de seu reino celeste. Deixai-o fazê-lo, pois. Ele vos amas, sabe o que faz, tem experiência; todos os seus golpes são hábeis e amorosos, nenhum é falso, a menos que o inutilizeis pela vossa impaciência.

[29] O Espírito Santo compara às vezes a cruz a uma peneira, que purifica o grão da palha e das escórias (67): sem resistir, deixai-vos pois, sacudir e agitar, como o grão na peneira; estais na peneira do Pai  de família e dentro em pouco estareis em seu celeiro. Outras vezes Ele a compara ao fogo que tira a ferrugem do ferro pela vivacidade de suas chamas; nosso Deus é um fogo consumidor (68), que pela cruz, permanece numa alma, a fim de purificá-la, sem a consumir, como outrora na sarça ardente (69). Outras vezes a cruz é comparada ao cadinho de uma forja, onde o ouro bom se afirma (70) e o falso desaparece na fumaça: o bom sofrendo pacientemente a provação do fogo, o falso erguendo-se como fumaça contra as chamas. É no caminho da tribulação e da tentação que os verdadeiros amigos da Cruz se purificam pela paciência, enquanto que seus inimigos desaparecem na fumaça por causa de suas impaciências e murmurações.

É preciso sofrer como os santos, como Jesus e Maria.

[30]Olhai, meus queridos Amigos da Cruz, olhai diante de vós uma grande nuvem de testemunhas (71), que provam sem nada dizer, o que vos digo. Vede, de passagem, o justo Abel assassinado por seu irmão; o justo Abraão estrangeiro na terra, o justo Lot expulso de seu país; o justo Tobias atingido pela cegueira; o justo Jó empobrecido, humilhado e coberto, dos pés à cabeça, por uma chaga.

[31]Olhai tantos Apóstolos e Mártires cobertos com a púrpura de seu sangue; tantas Virgens e Confessores empobrecidos, humilhados, expulsos, desprezados, que com S. Paulo, exclamam: “Olhai nosso bom Jesus autor e consumador da fé (72) que temos nele e na sua Cruz; foi preciso que Ele sofresse a fim de, pela Cruz, entrar em sua glória (73).

Vede, ao lado de Jesus Cristo, um agudo gládio que penetra, até o fundo, no coração terno e inocente de Maria, que nunca tivera qualquer pecado, original ou atual. Como me pesa não poder estender-me falando sobre a Paixão de um e de outro, para mostrar que o que sofremos nada é em comparação do que sofreram!

[32]Depois disto, qual de vós poderá eximir-se de levar sua cruz? Qual de vós não voará depressa para os lugares onde sabe que a cruz o espera? Quem não exclamará, com Santo Inácio Mártir: “Que o fogo, o patíbulo, as feras e todos os tormentos do demônio desabem sobre mim, para que eu possa gozar de Jesus Cristo!?”

... ou como réprobos.

[34]Mas, enfim, se não quereis sofrer pacientemente e, como os predestinados, carregar com resignação a vossa cruz, levá-la-eis com murmurações e impaciência, como os réprobos. Sereis semelhantes aos que arrastavam, gemendo, a Arca da Aliança (74). Imitareis Simão de Cirene, que pôs, de má vontade, a mão na Cruz de Jesus Cristo (75) e que murmurava enquanto a levava. Acontecer-vos-á, finalmente, o que aconteceu ao mau ladrão, que, do alto da sua cruz, caiu no fundo do abismo.

Não, não, esta terra maldita em que vivemos não torna ninguém bem-aventurado; não se vê  bem neste país de trevas; nunca se está em perfeita tranquilidade neste mar tempestuoso; nunca se vive sem combates neste lugar de tentação e neste campo de batalhas; nunca se vive sem pontadas nesta terra coberta de espinhos. É preciso que os predestinados e os réprobos levem a sua cruz, quer seja de boa ou má vontade. Guardai este quatro versos:

Escolhe uma só cruz das que vês no Calvário.
Bem saibas escolher! porquanto é necessário
Que sofras como santo, ou como penitente,
Ou como condenado, eterno descontente!

Quer isto dizer que, se não quiserdes sofrer com alegria, como Jesus Cristo, ou com paciência, como o bom ladrão, tereis, mesmo sem o querer, de sofrer como o mau ladrão. Será preciso que bebais, até as fezes, o mais amargo cálice, sem nenhuma consolação da graça, e que carregueis todo o peso da vossa cruz, sem nenhum auxílio poderoso de Jesus Cristo. Será preciso mesmo que leveis o peso fatal que o demônio acrescentará à vossa cruz, pela impaciência em que vos lançará, e que, depois de haverdes sido desgraçado na terra, como o mau ladrão, vades encontrá-lo nas chamas.

b) Nada tão útil e tão doce

[34] Se, ao contrário, porém, sofreis como o deveis, a cruz se tornará em jugo suavíssimo (76), que Jesus Cristo carregará convosco; tornar-se-á as duas asas da alma que a levam para o céu (77); tornar-se-á o mastro de navio que vos fará chegar ao porto da salvação feliz e facilmente.

Levai vossa cruz com paciência e, por esta cruz bem levada, sereis iluminados em vossas trevas espirituais; pois o que não sofre pela tentação nada sabe (78).

Levai vossa cruz com alegria e sereis abrasados pelo amor divino, porque
Ninguém pode viver sem dor
No puro amor do Salvador (79)

Só se colhem rosas entre espinhos. Só a cruz alimenta o amor de Deus, como a madeira alimenta o fogo (80). Lembrai-vos, pois, desta bela máxima do livro da “Imitação”: Quanto mais vos fizerdes violência, sofrendo pacientemente, tanto mais progredireis (81) no amor divino. Nada de grande espereis dessas almas delicadas e preguiçosas que recusam a cruz quando delas se aproxima, e que só com discrição procuram uma cruz. Trate-se de terra não cultivada, que só dará espinhos, porque não foi sulcada, nem batida, nem removida por um lavrador experiente; trata-se de água estagnada, que não serve para lavar nem beber.

Levai a vossa cruz alegremente e nela encontrareis uma força vitoriosa, a que nenhum dos vossos inimigos poderá resistir (82) e experimentareis uma sublime doçura à qual nada se pode comparar. Sim, meus Irmãos, sabei que o verdadeiro paraíso terrestre consiste em sofrer alguma coisa por Jesus Cristo. Interrogai todos os santos: dir-vos-ão que nunca provaram festim mais delicioso para a alma do que quando sofreram os maiores tormentos. Que todos os tormentos do demônio desabem sobre mim! dizia Santo Inácio Mártir. Ou sofrer, ou morrer, dizia Santa Madalena de Pazzi. Sofrer e ser desprezado por Ti, dizia o bem-aventurado João da Cruz (83); e muitos outros usaram de expressões semelhantes, como se lê em suas vidas (84).

Crede-me, por Deus, meus caros Irmãos: Quando se sofre alegremente por Deus, diz o Espírito Santo, é causa de toda sorte de alegrias (85) para toda espécie de pessoas. A alegria da cruz é maior que a de um pobre a quem se cumulasse de todas as riquezas; do que a de um camponês que fosse elevado ao trono; do que a de um negociante que lucrasse milhões; que a dos generais após a vitória; que a dos cativos libertados de seus ferros. Imaginai, finalmente, todas as maiores alegrias deste mundo: a de uma pessoa crucificada, que sabe sofrer bem, contém-nas todas e a todas ultrapassa.

c) Nada tão glorioso

[35] Regozijai-vos, pois, e estremecei de alegria quando Deus vos der por partilha alguma boa cruz, pois o que há de maior, no Céu e no próprio Deus, desce sobre vós sem que o percebais. Que grande presente de Deus é a Cruz! Se o compreendêsseis, faríeis celebrar Missas, rezaríeis novenas diante dos túmulos dos santos e empreenderíeis longas viagens, como os santos o fizeram, para obter do Céu este divino presente.

[36] O mundo a chama de loucura, infâmia, tolice, indiscrição, imprudência. Deixai falar a estes cegos: sua cegueira, que os faz olhar a cruz como homens, e toda deformada, constitui uma parte de nossa glória. Todas as vezes que nos proporcionam algumas cruzes, pelo seu desprezo e pelas suas perseguições, estão a nos dar joias, a colocar-nos em um trono e a coroar-nos de louros.

[37]Que digo? Nem mesmo todas as riquezas, honras, cetros e coroas brilhantes dos potentados e dos imperadores podem ser comparadas à glória da cruz, diz S. João Crisóstomo (86); ela ultrapassa a glória de ser apóstolo e escritor sacro. “Deixaria de bom grado o Céu, se pudesse escolher, -diz este santo homem iluminado pelo Espírito Santo, - para sofrer pelo Deus do Céu (87). Preferiria os cárceres e as prisões aos tronos do empíreo; não invejo tanto a glória dos Serafins quanto as maiores cruzes. Estimo menos o dom dos milagres, pelo qual se ordena aos demônios, se abala os elementos, faz-se parar o sol e dá-se vida aos mortos, do que estimo a honra dos sofrimentos. S. Pedro e S. Paulo são mais gloriosos em seus cárceres, com ferros aos pés, do que por se elevar ao terceiro céu e receber as chaves do paraíso”.

[38] Com efeito, não foi a Cruz que deu a Jesus Cristo “um nome acima de todo nome, a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre, no céu, na terra e nos infernos?” (88) A glória de uma pessoa que sofre bem é tão grande, que no céu, os anjos, os homens e o próprio Deus do Céu a contemplam com alegria, como ao mais glorioso dos espetáculos, e se os santos pudessem desejar alguma coisa, seria de voltar à terra para carregar algumas cruzes.

[39] Se esta glória, porém, é tão grande mesmo na terra, qual será então a do céu? Quem explicará e compreenderá jamais o peso eterno de glória que resultará de um só momento em que levarmos bem a cruz? (89) Quem compreenderá a glória que teremos no Céu por causa de um ano e, às vezes, de uma vida inteira de cruzes e de dores?

[40] Seguramente, meus caros Amigos da Cruz, o céu vos prepara para algo de grande, disse-vos um grande santo, já que o Espírito Santo vos une tão estreitamente a uma coisa de que todos fogem com tanto cuidado. Seguramente Deus quer fazer tantos santos e santas quantos são os Amigos da Cruz, se fordes fiéis à vossa vocação, se carregardes a vossa cruz como deveis e como Jesus Cristo a carregou.

  
NOTAS EXPLICATIVAS

(46) Alusão à descrição da mulher forte, de onde foram tiradas estas palavras (Prov., 31, 10-31).

(47) Ef., 3, 18; “A reunião destas 4 dimensões, onde se quis descobrir um gnosticismo cheio de mistério, tem por fim único realçar a magnitude do dom divino” (J. Huby). Montfort, algumas linhas adiante, aplica-as de maneira felicíssima ao dom da cruz.

(48) Gal., 6, 14.

(49)Is., 9, 6.

(50) Tal como deveria fazê-lo, o santo autor deu amplo desenvolvimento a esta parte do seu comentário.

(51) “Quem conhece o poder de tua cólera?” ( Sl., 89, 2).

(52) Jac., 1, 13.

(53) Isto é, que esquecestes por falta de exame.

(54) “No dia do castigo deveremos dar conta de toda palavra ociosa que horvermos dito” (Mat., 12, 36).

(55) “Beberam o cálice do Senhor e se tornaram amigos de Deus”. Este texto, inspirado em várias passagens da escritura, foi tirado do Ofício comum dos Apóstolos, responsório breve da 7ª lição.

(56) V. Fen., 44; 1-14.

(57) Aqui se reconhece o Apóstolo amado, São João Evangelista.

(58) “Podeis beber o cálice que eu beberei?” (Mat., 20, 22; Marc., 10, 38).

(59) Atos, 14, 21.

(60) Prov., 3, 2; Heb., 12, 5-6;  Apoc., 3, 19.

(61) Prov., 3, 2; Heb., 12, 5-6; Apoc., 3, 29.

(62) Ver especialmente o sermão 31, 5-6.

(63) I Cor., 1, 2.

(64) I Cor., 6, 15, 12, 27; Ef., 5, 30.

(65) I Cor., 6, 19.

(66) I Pd., 2, 5 e Ofício da Dedicação das Igrejas.

(67) Mat., 3, 13; Luc., 3, 19.

(68) Deut., 4, 24; 9, 3; Heb., 7, 29.

(69) Ex., 3, 2-3.

(70) Prov., 17, 3; Ecles., 2, 5.

(71) Hebr., 12, 1-2.

(72) Hebr., 12, 2.

(73) Luc., 24, 26.

(74) I Reis, 6, 12.

(75) “Eles o forçaram a carregar a Cruz de Jesus” (Mat., 27, 32; Marc., 15, 21).

(76) “Meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mat., 11, 30).

(77) Comparação tirada de Santo Agostinho (in Sl. 59, 8) e de Santo Agostinho Passim (cf. carta 385, 3).

(78) Ecles., 34, 9.

(79) Nestes dois lindos versos, o missionário poeta conservou muito bem o rítmo da sentença “Quia sine dolore non vivitur in amore” ( Imit. de Cristo, liv. III cap. 5, 7)

(80) Uma bela frase de Soror Isabel da Trindade se aproxima deste pensamento: “Não há madeira como a da cruz para acender na alma do fogo do amor”.

(81) Imit., Liv. I, cap. 15, 11.

(82) Luc., 21, 15.

(83) São João da Cruz foi canonizado posteriormente à época em que viveu o santo autor (NT).

(84) Entre os santos que “usaram de expressões semelhantes” devemos colocar o próprio Montfort, este grande amante da cruz, para quem o maior dos sofrimentos era estar privado de sofrimento, e cuja exclamação “Nenhuma cruz, que cruz!”, proferida num dia de sucesso extraordinário, merece ser acrescentada às belas fórmulas citadas por ele.

(85) “Considerai-vos felizes, meus irmãos, de estar sujeitos a tribulações de toda sorte” (Jac., 1, 2).

(86) Montfort resume aqui as palavras do grande autor oriental em várias de suas homilias e especialmente na  oitava, sobre a Epístola aos Efésios.

(87) Este trecho está transcrito, palavra por palavra, das “Sainctes Voyes de la Croix” (Os santos caminhos da Cruz), de M. Boudon (liv. I, cap. VI).

(88) Fil., 2, 9-10.

(89) Cf. 2; Cor., 4, 17.

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