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terça-feira, 20 de março de 2012

Sobre as belíssimas lições das aparições de Nossa Senhora pelo Papa Pio XII


As lições espirituais das aparições

Pio XII
Estas lições, eco fiel da mensagem evangélica, fazem ressaltar de maneira impressionante o contraste que opõe os juízos de Deus à vã sabedoria deste mundo. Numa sociedade que não tem lá muita consciência dos males que a corroem, numa sociedade que vela as suas misérias e as suas injustiças sob aparências prósperas, brilhantes e descuidosas, a Virgem Imaculada, por quem o pecado jamais roçara, manisfesta-se a uma menina inocente. Com compaixão maternal percorre com o olhar este mundo redimido pelo sangue de seu Filho, onde, ai! o pecado faz cada dia tantas devastações, e por três vezes lança o seu apelo premente: "Penitência, penitência, penitência!" Gestos expressivos são, mesmo, pedidos: "Ide beijar a terra em penitência pelos pecadores". E ao gesto há que juntar a súplica: "Rogareis a Deus pelos pecadores". Tal como no tempo de João Batista, tal como no início do ministério de Jesus a mesma injunção, forte e rigorosa, dita aos homens a trilha da volta a Deus: "Arrependei-vos". E quem ousaria dizer que esse apelo à conversão do coração perdeu, nos nossos dias, a sua atualidade?

Mas poderia a Mãe de Deus vir a seus filhos senão como mensageira de perdão e de esperança? Já a água lhe jorra aos pés: "Omnes sitientes, venite ad aquas, et haurietis salutem a Domino". Àquela fonte onde, dócil, Bernadette foi a primeira a ir beber e lavar-se, afluirão todas as misérias da alma e do corpo. "Lá fui, lavei-me e vi", poderá responder, como o cego do Evangelho o peregrino agradecido. Mas, tal como para as turbas que se comprimiam em volta de Jesus, a cura das chagas físicas ali fica sendo, ao mesmo tempo que um gesto de misericórdia, o sinal do poder que o Filho do Homem tem de perdoar os pecados. Junto à gruta bendita, a Virgem nos convida, em nome de seu divino Filho, à conversão do coração e à esperança do perdão. Escutá-la-emos?

Enveredar pela trilha que Nossa Senhora nos traçou

Nessa humilde resposta do homem que se reconhece pecador reside a verdadeira grandeza desse ano jubilar. Que benefícios não estaríamos no direito de esperar para a Igreja se cada peregrino de Lourdes - e mesmo todo cristão unido de coração às celebrações do Centenário - realizasse primeiramente em si mesmo essa obra de santificação, "não em palavras e de língua, mas em atos e em verdade"? Tudo, aliás, a isso ali o convida, pois em parte alguma, talvez, tanto quanto em Lourdes, a gente se sente levado ao mesmo tempo à oração, ao esquecimento de si e à caridade. A vermos a dedicação dos padioleiros e a paz serena dos doentes; a verificarmos a fraternidade que congrega numa mesma invocação fiéis de todas as origens; a observarmos a espontaneidade do auxílio mútuo e o fervor, sem afetação, dos peregrinos ajoelhados diante da gruta, os melhores são empolgados pelo atrativo de uma vida mais totalmente dada ao serviço de Deus e de seus irmãos; os menos fervorosos tomam consciência da sua tibieza e reencontram o caminho da oração: não raras vezes os pecadores mais empedernidos e os próprios incrédulos são tocados pela graça, ou, ao menos, se são leais, não ficam insensíveis ao testemunho daquela "multidão de crentes que têm um só coração e uma só alma". 


Geralmente entretanto, essa experiência de alguns breves dias de peregrinação não basta, por si só, para gravar em caracteres indeléveis o apelo de Maria e uma autêntica conversão espiritual. Por isto exortamos os pastores das dioceses e todos os sacerdotes a rivalizarem em zelo para que as peregrinações do Centenário se beneficiem de uma preparação, de uma realização e sobretudo de amanhãs tanto quanto possível propícios a uma ação profunda e duradoura da graça. O retorno a uma prática assídua dos sacramentos o respeito da moral cristã em toda a vida, o ingresso, enfim, nas fileiras da Ação Católica e das diversas obras recomendadas pela Igreja: somente nestas condições o movimento de multidões dará, segundo a própria expectativa da Virgem Imaculada, os frutos de salvação tão necessários à humanidade presente.

Ora, o mundo, que tantos e tão justos motivos de ufania e de esperança oferece nos nossos dias, conhece tambem uma terrível tentação de materialismo muitas vezes denunciado pelos nossos predecessores e por Nós, mesmo. Esse materialismo não está somente na filosofia condenada que preside à política e à economia de uma porção da humanidade; manifesta-se também no amor do dinheiro, cujas devastações se amplificam à medida dos empreendimentos modernos, e que, ai! comanda tantas determinações que pesam sobre a vida dos povos; traduz-se pelo culto do corpo, pela procura excessiva do conforto e pela fuga de toda austeridade de vida; conduz ao desprezo da vida humana, daquela, mesmo, que é destruída antes de ver a luz; está na demanda desenfreada do prazer, que se ostenta sem pudor e que mesmo, pelas leituras e pelos espetáculos, tenta seduzir almas ainda puras; está na indiferença para com seu irmão, no egoísmo que o esmaga, na injustiça que o priva dos seus direitos, numa palavra; nessa concepção da vida que regula tudo, em vista somente da prosperidade material e das satisfações terrenas.

A uma sociedade que, na sua vida pública, não raras vezes contesta os direitos supremos de Deus, que queria ganhar o universo ao preço de sua alma e que assim correria à sua perdição, a Virgem maternal lançou como que um brado de alarma. Atentos ao seu apelo, ousem os sacerdotes pregar a todos, sem temor, as grandes verdades da salvação. Com efeito, não há renovação durável senão fundada nos princípios intangíveis da fé, e pertence aos sacerdotes formar a consciência do povo cristão. Assim como, compassiva para com as nossas misérias, mas clarividente sobre as nossas verdadeiras necessidades, a Imaculada vem aos homens para lhes lembrar as diligências essenciais e austeras da conversão religiosa, devem os ministros de Deus com sobrenatural segurança, traçar às almas a estrada estreita que conduz à vida. Fá-lo-ão sem se esquecer de que espírito de doçura e de paciência necessitam mas sem nada quererem velar das exigências evangélicas. Na escola de Maria aprenderão a viver só para dar Cristo ao mundo, mas, se também preciso, aprenderão a esperar com fé a hora de Jesus e a permanecer ao pé da cruz.

Em torno aos seus sacerdotes, devem os fiéis colaborar nesse esforço de renovação. Lá onde a Providência o colocou, quem é que não pode fazer algo mais pela causa de Deus? O nosso pensamento volta-se primeiro para a multidão de almas consagradas, que, na Igreja, se dedicam a inúmeras obras de bem. Os seus votos de religião aplicam-nas mais do que outras a lutar vitoriosamente, sob a égide de Maria, contra o desencadear, no mundo, dos apetites imoderados de independência, de riqueza e de gozo; por isto, ante o apelo da Imaculada, ao assalto do mal quererão elas opor-se pelas armas da oração e da penitência e pelas vitórias da caridade.

O nosso pensamento volve-se igualmente para as famílias cristãs, a fim de conjurá-las a permanecerem fiéis à sua insubstituível missão na sociedade. Consagrem-se elas, nesse ano jubilar, ao Coração Imaculado de Maria! Este ato de piedade será para os esposos um auxílio espiritual precioso na prática dos deveres da castidade e da fidelidade conjugal; conservará na sua pureza o ambiente do lar, onde crescem os filhos; bem mais, da família vivificada pela sua devoção marial, fará uma célula viva da regeneração social e da penetração apostólica. E certamente, para além do círculo familiar, as relações profissionais e cívicas oferecem aos cristãos cuidosos de trabalhar na renovação da sociedade, um campo de ação considerável. Congregados aos pés da Virgem, dóceis às suas exortações, eles lançarão primeiro sobre si mesmos um olhar exigente, e quererão extirpar da sua consciência os juízos falsos e as reações egoístas, temendo a mentira de um amor de Deus que não se traduza em amor efetivo de seus irmãos. Cristãos de todas as classes e de todas as nações, procurarão eles encontrar-se na verdade e na caridade, banir as incompreensões e as suspeitas. Sem dúvida, enorme é o peso das estruturas sociais e das pressões econômicas que se faz sentir sobre a boa vontade dos homens, e que não raro a paralisa. Mas, se, como nossos predecessores e Nós mesmo com insistência o frisamos, é verdade que a questão da paz social e política é, no homem, primeiramente uma questão moral, reforma nenhuma é frutuosa, acordo algum é estável, sem uma mudança e uma purificação dos corações. Lembra-o a todos a Virgem de Lourdes nesse ano jubilar!

E se, na sua solicitude, Maria se curva com alguma predileção sobre certos de seus filhos, não é, Caros Filhos, sobre os pequenos, sobre os pobres e sobre os doentes, os quais Jesus tanto amou? "Vinde a mim vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei", parece ela dizer com seu divino Filho. Ide a ela, vós a quem a miséria material esmaga, vós sem defesa ante os rigores da vida e a indiferença dos homens; ide a ela, vós a quem ferem os lutos e as provações morais; ide a ela, caros doentes e enfermos, que em Lourdes sois verdadeiramente recebidos e honrados como membros padecentes de Nosso Senhor; ide a ela, e recebei a paz do coração, a força do dever cotidiano, a alegria do sacrifício oferecido. A Virgem Imaculada, que conhece os encaminhamentos secretos da graça nas almas e o trabalho silencioso desse fermento sobrenatural do mundo, sabe de que valor são aos olhos de Deus os vossos sofrimentos unidos aos do Salvador. Podem eles grandemente concorrer, disto não duvidamos, para essa renovação cristã da sociedade que de Deus imploramos pela poderosa intercessão de sua Mãe. Que, a rogo dos doentes, dos humildes, de todos os peregrinos de Lourdes, Maria volva igualmente o seu olhar materno para aqueles que ainda permanecem fora do redil único da Igreja, para os congregar na unidade! Lance o seu olhar sobre aqueles que buscam a verdade e dela têm sede, para os conduzir à fonte das águas vivas! Percorra, enfim, com o olhar esses continentes imensos e essas vastas zonas humanas onde Cristo é tão pouco conhecido, tão pouco amado, e obtenha para a Igreja a liberdade e a alegria de, em todos os lugares, sempre jovem, santa e apostólica, corresponder à expectativa dos homens! (1).

(1) Carta Encíclica "Le Pèlerinage de Lourdes", 2 de julho, 1957. 

Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos. 

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